Por sua relação particular com o universo da moda, e por ser um dos únicos que ainda transforma as passarelas paulistanas em algum tipo de espetáculo ou manifesto, seus desfiles sempre dão o que falar, sem precisar de top celebridades para isso. Dessa vez não foi diferente: sala de desfile lotada e backstage concorridíssimo, todos querendo saber mais sobre as inspirações e referências do estilista.
O desfile começou com um mar simulado por plástico bolha e com mulheres de bustos desnudos, vestindo apenas tecidos imitando caldas de sereia, sentadas sobre vários pneus. Mulheres de várias idades, amigas ou amigas de amigas do estilista, mostravam a diversidade da beleza da mulher brasileira. “Hoje parece que é pecado estar acima do peso, ser velho, (sempre foi pecado ser) negro ou marrom”, explicou ele.
Sereias essas que representavam o verão 2016 do designer. A coleção intitulada “Fúria das Sereias” surgiu junto com o trabalho artesanal de um grupo de mulheres empreendedoras do litoral de João Pessoa, batizado em consentimento com o próprio Ronaldo, de “Sereias da Penha”. Essa força criativa de mulheres diversas transforma fios de pescador, escamas de peixes descartadas e conchas em biojoias e peças bordadas.
Todas as peças bordadas e todos as joias do desfile foram feitas por elas. A coleção nasceu junto com o projeto, que já existia de maneira informal. Ronaldo foi chamado pela prefeitura local para analisar o potencial criativo dessas mulheres e auxiliar na criação de um grupo que, além de gerador de renda, fosse relevante dentro da economia criativa do país. O projeto é uma iniciativa entre o IFPB – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Projeto João Pessoa Artesã, Sebrae e o Governo Federal (PRONATEC – Mulheres Mil) e as artesãs da comunidade da Praia da Penha.
Ronaldo tem uma relação com a economia solidária e com o fazer artesanal de grupos espalhados pelo Brasil faz tempo, mas há apenas três coleções que ele leva os grupos à São Paulo Fashion Week. Por que? Ele responde: “Eu sempre tive muita cautela, muito pudor para trazer essas pessoas para cá. Mas elas fazem um trabalho incrível e não têm vitrine, não têm vitrine para vender o trabalho. Então (para começar a dar visibilidade) eu comecei a destacá-las no SPFW”.
Além do material usado pelas “Sereais da Penha”, Ana Vaz foi a responsável pelo tricô de papel misturado ao fio de lurex e aos fios da poliamida Amni Soul Eco. O Amni Soul Eco é uma fibra sintética biodegradável criada pelos laboratórios da Rhodia no Brasil, com processo de decomposição recorde de 3 anos nos aterros sanitários (a poliamida normal leva cerca de 10 anos), transformados em tecidos pela brasileira Santa Constância. Pela segunda vez consecutiva, o designer usa o material em sua coleção.
A estampa de oferendas foi criada a partir de uma foto tirada em Olinda e foi uma referência sutil contra à demonização das religiões de matriz africana. Além dessa estampa, o jacquard construído com esqueletos de sereia completou a coleção. Por fim, o vestido final, em um terra avermelhado, com efeito sanfonado foi feito a partir da mistura de um fio de poliamida usado na produção de pneus e, segundo o estilista, “essa série final simboliza o cabelo da sereia.”
“A moda tem o poder de olhar para lugares inóspitos e enxergar poesia”, finaliza Ronaldo.