Há anos bioquímicos estão dentro de laboratórios tentando reproduzir, para uso em larga escala, as propriedades incríveis da seda de aranha. Sua resistência à tração é maior que a do aço e, ao mesmo tempo, ela é mais leve e tão elástica quanto uma faixa de borracha. Os usos potenciais para a versão sintética dessa seda responsável por dar formas às teias de aranha são vastos: garrafas biodegradáveis, coletes à prova de bala, cordas de suspensão para pontes e, claro, têxteis para indústria da moda. A corrida entre empresas de pesquisa e desenvolvimento bioquímico é acirrada, afinal todo mundo quer chegar primeiro nesse pote de ouro.
Criar aranhas para usar sua seda, do mesmo modo que fazemos com o bicho-da-seda, nunca foi uma possibilidade (ainda bem), já que aranhas são animais territorialistas e canibais, não podendo ser criadas em grupos. A solução então é recorrer à ciência. Mas, até o ano passado, todas as tentativas de fazer uma versão sintética da seda de aranha falharam, inclusive a mais conhecida delas de produzir o material a partir do leite de cabra.
Agora as apostas estão na start up americana Bolt Threads, responsável por arrecadar 50 milhões de dólares em investimento no ano passado e fechar uma parceria com a Patagonia, marca conhecida por seus produtos de outdoor feitos com os dois pés na sustentabilidade, para desenvolver os primeiros produtos com a nova fibra que serão comercializados em larga escala, se tudo der certo, em 2018. A Bolt Threads não é nova, foi fundada em 2009 por três cientistas da Universidade da Califórnia, São Francisco e UC Berkeley, porém sempre se manteve quieta, trabalhando em silêncio para tentar descobrir uma maneira de viabilizar a teia de aranha produzida em laboratório.
“Decidimos manter a cabeça baixa e tentar resolver o problema antes de sairmos por aí falando sobre todas as coisas legais que podemos fazer com a tecnologia”, disse o CEO e um dos fundadores da empresa Dan Widmaier à Wired. “Agora, estamos prontos para dizer que estamos aqui.”
Como explica a Quartz, “os principais ingredientes [da seda sintética] são levedura geneticamente modificada, água e açúcar. A seda crua é produzida através da fermentação, igual o processo de fermentação da cerveja, exceto que em vez da levedura transformar o açúcar em álcool, ela o transforma em matéria-prima de seda de aranha. A Bolt Threads fia essa matéria-prima usando um método semelhante ao processo de fiação usado para criar fibras à base de celulose como o Lyocell.”
Transformar essa matéria-prima em fio sempre foi o desafio responsável por fazer a seda de aranha sintética não chegar nas mãos da indústria. Quando as empresas conseguiam finalmente formar o fio, ele era fino demais e todo um equipamento especial precisaria ser construído para transformar fio em tecido. Ao que tudo indica, foi esse o problema que a Bolt Threads conseguiu resolver após anos de pesquisas. A empresa afirma que estamos há poucos passos de distância de uma revolução na indústria têxtil, observada pela última vez nos anos 30, quando a DuPont revelou ao mundo a primeira fibra sintética produzida a partir do petróleo, o nylon.
A partir do nylon, uma série de outras fibras foram criadas como a Lycra e o poliéster. Sue Levin, gerente de marketing da Bolt Threads, explica que o processo de todas essas fibras vem dos mesmos blocos de construção e é isso que a empresa faz com a diferença que seus blocos de construção são proteínas e não hidrocarbonetos. O que significa duas coisas: a primeira é que, na teoria, ao desvendar a seda de aranha sintética, a Bolt Threads pode imitar qualquer fibra natural à base de proteína, como a lã, aprimorando característica conforme as necessidades, por exemplo, mais macio, mais elástico, etc. A segunda é que estamos cada vez mais perto de ver soluções de fibras e tecidos mais inteligentes, seguras e sustentáveis do que as opções à base de petróleo e de crueldade animal. Sim, estamos falando de couro aqui também.
É por isso também que a Patagonia apostou muitas fichas na Bolt Threads. O material tem fonte de matéria-prima renovável, é livre de crueldade, biodegradável e exige menos corantes tóxicos para o tingimento. Além disso, a Bolt Threads era a única empresa em 2016 que já estava produzindo quilos do material, bem perto de chegar em toneladas. As concorrentes, como a japonesa Spiber, que em 2015 lançou a primeira jaqueta feita com a fibra em parceria com a The North Face, ainda não conseguiram essa façanha.
Outra vantagem é o custo que tornará o material aplicável em capas de iPhone, bancos de carro, jaquetas, uniformes para o exército e muito mais. Ainda não é um custo baixo: a seda de aranha sintética entrará no mercado com preços similares ao da seda natural e lãs de alta qualidade, mas trabalhar com a levedura é mais barato do que trabalhar com E-coli, a bactéria base usada pela maior parte das outras empresas tentando viabilizar a seda de aranha sintética.
Em novembro passado, a Adidas, em parceria com a alemã AMSilk, lançou o Futurecraft Biofabric, produzido de Biosteel, a seda de aranha sintética da bioquímica alemã. “Esse tipo de material vai além do fechamento do ciclo para um ciclo infinito, ou simplesmente ciclo nenhum”, disse em declaração para imprensa James Carnes, vice presidente de criação estratégica da Adidas. “Ao utilizar a fibra Biosteel em nossos produtos, conseguimos um nível de sustentabilidade inigualável. Este é um passo pioneiro para além da sustentabilidade em um novo território de inovação biônica”.
Apesar dos protótipos, como a jaqueta e o tênis, o desafio se mantêm a nível de produto: pensar suas aplicações em produtos atraentes, acessíveis e capazes de adentrar o mercado global de bens de consumo. O que move essas empresas, e os investidores, porém, não são os produtos e as possibilidades da fibra à base de proteína para os próximos anos, e sim seu potencial para as próximas décadas. Esperamos ansiosos, pois se pensarmos que estamos relativamente estagnados nessa área há quase um século, chamar a indústria da moda de ultrapassada não seria um erro.