Mas ainda há maneiras pelas quais uma decisão baseada no clima, tomada em uma cozinha de elite, pode influenciar a comida que você acaba servindo em sua própria casa. Na verdade, elas têm pouco a ver com grandes declarações morais e mais a ver com o simples prazer de comer.
Considere o caso da abóbora noz-de-mel (honeynut). Como diz a lenda, Dan Barber, o chef do Blue Hill at Stone Barns em Nova York – outro restaurante de elite com um preço exorbitante – pediu ao criador de vegetais Michael Mazourek para fazer uma abóbora “saborosa”. Esse desafio levou ao desenvolvimento de uma cultura mais doce, menor e mais saborosa, a abóbora noz-de-mel. A “nova” abóbora era tão saborosa que seu mercado rapidamente cresceu além do restaurante de Barber para as prateleiras da Costco e as caixas de papelão da Blue Apron.
Barber é um dos chefs mais conceituados do mundo. Como tal, seu objetivo é preparar e servir comidas deliciosas. Mas ele também dedicou enorme cuidado e esforço para cultivar um ethos que impulsiona seu restaurante e sua culinária. Ele prioriza vegetais e grãos, abastecimento local e o papel que os ingredientes desempenham na saúde do ecossistema. Ele deixa muito poucas – se alguma – partes de um ingrediente inteiro ir para o lixo. E ele teve sucesso em “fazer seu rótulo e marca sobre as histórias complexas e cheias de nuances dos sistemas alimentares”, disse Camas Davis, escritor especializado em alimentos, em Portland, Oregon.
Qualquer pessoa que tenha simplesmente tentado reformular sua dieta pessoal para refletir as questões muito complicadas dos sistemas alimentares sabe que isso não é pouca coisa. E embora comer alimentos orgânicos, locais e com baixo teor de resíduos não seja exatamente aplicável a todo tipo de comedor, a filosofia de Barber superou as paredes de pedra sagradas de seu restaurante. “Essa ideia de usar partes extras do animal, ou partes do vegetal que você não está acostumado a usar, está começando a se infiltrar em programas da Food Network e feeds de mídia social”, disse Davis. “Esse tipo de romance em torno da economia dos alimentos voltou um pouco. Se é utilizado na prática, não sei, mas acho que isso se infiltrou na consciência de alguns consumidores”.
A ideia de que as tendências alimentares naturalmente descem dos escalões superiores da sociedade para as massas parece um pouco retro-Reagan1referência à Ronald Reagan, vice-presidente do governo Bush I, na década de 80. Em uma coluna bastante criticada do Wall Street Journal, em 2012, o escritor gastronômico Charles Passer propôs exatamente esse fenômeno, usando como modelo o famoso monólogo do suéter cerúleo do filme O Diabo Veste Prada – aquele em que Meryl Streep, como a “editrix” da moda Miranda Priestley, explica nos termos mais fulminantes para a personagem de Anne Hathaway que até mesmo um item nas prateleiras de vendas do TJ Maxx 2rede de lojas de departamentos americana, vendendo a preços geralmente mais baixos do que outras grandes lojas semelhantes. originalmente deriva da alta costura de passarela.
Mas, como os críticos apontaram na época, é improvável que uma decisão tomada em um restaurante de pratos a US $300 (R$ 1.580) possa ter um efeito substantivo sobre, digamos, o cardápio do McDonald’s. Isso porque jantares finos e fast food têm modelos de negócios totalmente díspares: o McDonald’s distribui milhões e milhões de unidades de guloseimas muito baratas, rápidas, palatáveis e reproduzíveis enquanto lucra enormemente. Em contraste, as marcas dos restaurantes de primeira linha são mais sobre exclusividade. Seus chefs fazem experimentos com a própria química da culinária, servindo os resultados meticulosamente elaborados dessas experimentações em números extremamente limitados a um grupo seleto de pessoas que pagarão quantias prodigiosas por eles. Um ethos não se traduz exatamente no outro.
Existem algumas mudanças na cultura alimentar que não são exclusivas de uma esfera de restaurantes. Hambúrgueres à base de vegetais, por exemplo, estão no cardápio do Burger King e do White Castle há mais de um ano. Muitas mudanças ocorrem simultaneamente na indústria de restaurantes e não podem ser atribuídas a um único influenciador. Davis enfatiza que há uma série de chefs pouco conhecidos em estabelecimentos menos famosos que vêm promovendo a mesma filosofia alimentar local e ecológica que Barber por décadas.
Mas, no mundo da culinária sofisticada, você pode ter certeza de que outros chefs estão prestando atenção ao anúncio do Eleven Madison Park. Alguns já sugeriram que este movimento influenciará outros estabelecimentos de restaurantes finos em todo o país a considerar uma mudança impulsionada pelo clima de despriorização da carne no menu. Comer carne há muito é considerado um símbolo de luxo e indulgência, então há algo novo sobre colocar alcachofras e aspargos nos pratos mais desejados. (Embora no mundo dos restaurantes finos, as instituições sem carne de Tian em Viena, King’s Joy em Hong Kong e Daigo em Tóquio trouxeram apreço para refeições vegetarianas por anos).
De acordo com Kimberly Nicholas, cientista de sustentabilidade da Universidade de Lund, na Suécia, quando os chefs demonstram como a alimentação à base de vegetais pode ser diversa e deliciosa, isso “muda a cultura da valorização da vida rica em carbono para a vida rica em baixo carbono!”. O estilo de vida dos super-ricos certamente tem um impacto na atmosfera que todos nós compartilhamos – como sabemos, há uma forte correlação entre extrema riqueza e uma pegada climática gigantesca.
E ainda, embora seja possível que uma refeição vegetariana reveladora no Eleven Madison Park inspire um bilionário a cortar a carne frequente de sua dieta – e que ela possa então persuadir alguns de seus amigos bilionários a fazê-lo – a dieta é apenas um item em um orçamento pessoal de carbono. Os americanos super-ricos são responsáveis por metade de todas as emissões de carbono relacionadas a viagens aéreas e possuem uma média de nove casas cada. Será que essa refeição reveladora também poderia transformar esses aspectos do estilo de vida dos ultra-ricos? Para isso, os rabanetes precisarão ser extraordinários.
Para ser claro, o Eleven Madison Park não é o primeiro restaurante com estrela Michelin a cancelar a carne de seu menu. Em 2001, o aclamado chef francês Alain Passard transformou o cardápio do L’Arpège – um dos 50 melhores restaurantes do mundo – em totalmente vegetariano, um movimento chocante na época, já que o destino gastronômico parisiense era conhecido por seu preparo especializado de carne (o restaurante acabou trazendo de volta pratos de peixes e aves, embora em menor grau do que antes). Pensando em sua decisão em 2015, Passard disse que não tinha nada a ver com clima ou meio ambiente ou qualquer coisa assim. Como ele disse ao site Bon Appétit, ele estava simplesmente entediado com le boeuf (bife): “há uma criatividade com vegetais que você não tem com tecido animal”.
Aparentemente, é uma crença comum entre os chefs de elite que os vegetais são mais desafiadores (e, portanto, mais interessantes de preparar) do que a carne. Embora a carne seja bastante fácil de fazer deliciosa, os vegetais geralmente requerem um pouco mais de nuances, criatividade e especialização. E isso, sugere a nova chefe vegana do Bon Appétit, Chrissy Tracey, é realmente o maior potencial de influência. “Todo mundo já descobriu as melhores maneiras de fazer carnes diferentes e os melhores métodos de preparo, mas isso é algo que ainda está em pequena escala quando se trata do reino de alimentos à base de plantas, porque não havia demanda que existe hoje ”, diz.
Tracey reconheceu que o preço de uma refeição no Eleven Madison Park coloca o cozinheiro doméstico médio fora do alcance de uma visita inspiradora, mas o tamanho dos seguidores do chef Daniel Humm nas redes sociais indica que ele exerce uma influência fora daqueles que jantam em seu restaurante. “Eu acho que ele vai inspirar muitas pessoas a saírem de sua zona de conforto e a comerem sazonalmente e localmente, e essa será a maior influência aqui, ao invés de pessoas anotando técnicas e aprendendo coisas com a experiência no restaurante”, disse Tracey. “Você não conseguirá recriar a maioria dos pratos do menu”. (Com certeza, o livro de receitas do Eleven Madison Park inclui a seguinte isenção de responsabilidade: ‘as pessoas realmente serão capazes de cozinhar com este livro? A resposta simples é possivelmente sim’3 nota da tradução: o termo original é “yes-ish”, que denota, de forma informal, uma expressão de concordância tímida ou parcial.).
Então, como isso vai influenciar sua vida, VEG? Bem, você talvez nunca poderá pagar por uma chicória “revolucionária” no Eleven Madison Park. Mas, a esta altura, você já deve ter percebido que sempre há espaço para experimentação, criatividade e delícias na jornada sem fim de tornar sua dieta pessoal mais sustentável. Não é um trabalho árduo, é um processo de descoberta.
É minha convicção que transformações culturais genuinamente influentes, pelo menos de uma perspectiva climática, tendem a acontecer em casa. Eles podem não chegar ao mesmo tipo de manchete, mas acho que essas transformações são as mais emocionantes.
Com bom gosto,
Umbra.
Texto escrito por Eve Andrews. Artigo originalmente publicado em The Grist e traduzido com permissão para o Modefica sob licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.