Empresas que cortaram contratos e deixaram suas redes de fornecedores na mão estão sendo diariamente expostas, como recentemente aconteceu com a Gap Inc. Empresas que forçaram seus funcionários a trabalhar in loco sem necessidade chegaram ao muro da vergonha num perfil dedicado a expor empresas colocando lucro acima das pessoas, ganharam as manchetes, como aconteceu com a Riachuelo, e centenas de comentários não muito amigáveis em suas redes sociais.
O que estas empresas têm em comum, além de, no mínimo, falta de visão de longo prazo, é o porte e apelo midiático. Mas em uma indústria nacional com milhares de micro, pequenas e médias empresas, há muito acontecendo fora dos holofotes da grande mídia. Em off, acompanhei reclamações de fornecedores que tiveram seus contratos subitamente cortados e pedidos já em andamento cancelados; empresas de médio e grande porte demitindo com apenas uma semana de paralização e muitas mantendo suas linhas de produção ativa mesmo em serviços não essenciais, como a produção de vestuário.
Ana Maria* trabalha como estilista em uma facção em Londrina, no Paraná. Com cerca de 250 funcionários, a paralização só veio após decreto do prefeito, Marcelo Bellinati (Progressistas), ordenando o fechamento de todas as atividades não relacionadas a serviços essenciais no último dia 24. Funcionários em fase de experiência foram dispensados e os outros colocados de férias coletivas sem previsão de retorno. A funcionária relata que a maior questão para os trabalhadores foi a falta de comunicação desde o início da pandemia até o decreto oficial: “não houve comunicado nenhum, nem de que continuaríamos, nem de que pararíamos. O departamento pessoal também não sabia informar quando questionávamos sobre a situação”.
Até São Paulo falar sobre a possibilidade de quarentena, o que soou um alerta geral sobre a seriedade da questão, nenhuma medida de segurança e proteção estava sendo tomada. “Começaram a exigir que passássemos álcool em gel antes e depois de bater o ponto com a digital e a enfermeira da fábrica começou a medir a temperatura de todos diariamente”, relatou Ana Maria. O temor aumentou quando a cidade diminui a frota de ônibus, o que resultou em transporte público mais cheio nas idas e vindas da casa ao trabalho.
O primeiro caso confirmado na cidade aconteceu em 18/03. Ontem, 06, Londrina registrou um aumento em 300% do número de casos, chegando a 51 casos. Esse número, porém, não contempla a realidade já que a situação brasileira é de subnotificação e, em algumas cidades, estima-se 30 casos para cada 1 caso notificado.
Para a estilista, o maior problema foi a falta de comunicação. “Gostaríamos que tivesse havido uma reunião, explicando os próximos passos. Nem com os coordenadores houve esse diálogo”, explica. Ser transparente e manter os empregados informados sobre a situação é uma dica essencial que apareceu em praticamente todos os “manuais para a crise” publicados do inicio da pandemia até o momento. A falta de conversa, de decisão coletiva e de atualização sobre a real situação da empresa deixou a impressão, para Ana Maria, de que “o lado financeiro pesou muito mais [do que a vida das pessoas]”.
*O nome foi alterado para preservar a identidade da pessoa.
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