Cada vez mais, os estilistas estão oferecendo alternativas aos produtos de origem animal conforme os consumidores vão se tornando mais conscientes das coisas que compram. Um dos tecidos emergidos desse cenário foi a chamada “peace silk” ou seda da paz.
“Seda da paz” é um termo amplo usado para categorizar a seda colhida sem causar danos ao bicho da seda, que vive dentro do casulo de seda. Os métodos tradicionais de colheita de seda implicam na morte dos bichos da seda ainda no interior do casulo, a fim de preservar a integridade da fibra.
Alguns consumidores que preferiram abdicar da seda produzida tradicionalmente estão abraçando a seda da paz como alternativa. Mas a seda da paz, também chamada de “seda ahimsa”, é vegan?
Por natureza, a seda da paz nunca poderá ser considerada como verdadeiramente vegan se levarmos em conta que os princípios veganos excluem o uso de qualquer coisa que usa ou explora de qualquer forma de vida; a seda da paz ainda exige criação e cultivo de bichos da seda para a colheita da seda.
Olhar de forma mais atenta para os métodos de cultivo do bicho da seda trará à luz o fato de que uma mariposa fêmea colocará entre 200 a 1000 ovos. Uma fazenda de seda não pode suportar todos os filhotes que nascem a partir de cada traça e grande parte deles vai morrer de fome ou desidratação dias depois de nascerem. Sendo assim, a traça da seda não é prejudicada durante a colheita, mas muitos de seus descendentes morrerão.
Essa decisão é completamente pessoal; diversos veganos optam por se manter longe de qualquer tipo de seda, enquanto alguns outros, que também se importam profundamente com os direitos dos animais, vêem uma oportunidade de fazer uso desse produto natural evitando que os casulos vazios sejam jogados fora.
Uma dessas pessoas é Lucy Tammam, a designer londrina por trás do Atelier Tammam, que trabalha com a seda da paz cultivada na Índia. Tammam vem promovendo e criando a “moda ética” uma década antes dela existir como categoria de moda e a grande mídia dar qualquer atenção ao assunto; já que não havia nenhuma marca de moda ética para falar sobre, ela decidiu criar a dela. Eu entrei em contato com Lucy para falar sobre a seda da paz e sua experiência com o tecido como designer.
S: Por favor, fale um pouco sobre sua experiência e sobre você, de onde você é e o que você faz. .
LT: Eu estudei Design de Moda na Central St Martins, comecei uma marca de moda ética em 2004, comecei a fazer vestidos de noiva em 2006 e abri o Atelier Tampam em 2007, me tornando conhecida em 2012. Eu vivo em Londres e passo muito tempo na Índia e também no Nepal.
S: Os consumidores estão se tornando cada vez mais conscientes e preocupados com a ética e a consequência dos produtos que consomem, tanto social quanto ambientalmente, mas isso é um fenômeno relativamente recente (e bem vindo!) decorrente, em grande parte, pela facilidade da informação compartilhada nas mídias sociais. Você fez da moda ética um componente central nos seus designs e nas suas marcas por cerca de uma década, antes da proliferação das mídias sociais como a conhecemos, então eu me pergunto como e o que te inspirou inicialmente em ser consciente e responsável com a ética por trás da moda?
LT: Eu me tornei vegetariana aos 9 anos, eu gostava de animais e não queria comê-los. Isso me levou em direção a uma vida de ativismo pelos direitos dos animais (matando aula para ir em protestos contra caça às raposas etc), o que me fez pensar sobre direitos humanos e questões ambientais também. Como uma total “guerreira eco”, eu fui para a escola de moda, com um descontentamento com a indústria, mas um amor pelas habilidades de modelagem e costura. Eu combinei meus dois amores [moda e ativismo] e abri minha própria marca (porque naquela época não havia marcas éticas e com apelo fashion para trabalhar).
S: Descreva o que é a seda da paz, como você a descobriu e como usa essa seda nas suas criações.
LT: A seda da paz é seda de um casulo processado após a traça emergir do casulo. A seda convencional, geralmente a seda das plantações de amoreira, é extraída ao atirar os casulos em água fervente e removendo o filamento, enquanto os bichos da seda escalpelam na água. A seda que eu mais uso é de uma mariposa chamada Eri, que tem um casulo naturalmente aberto, ou seja, a traça pode emergir sem quebrar as fibras (ao contrário de seda da amoreira, onde a mariposa precisa mordiscar através do casulo para emergir, rompendo o filamento e deixando uma fibra curta).
Em todos os casos, a seda da paz será uma fibra fiada, considerando não haver nenhum filamento longo e único disponível. Isso significa que a seda da paz tende a ser mais pesada e menos brilhante quando comparada a seda convencional. Entretanto, com novas tecnologias e um pouco de experimentação e paciência, alguns fornecedores de seda com os quais eu trabalho criaram fios luxuosos a partir de casulos de Eri vazios; sendo assim, muitos dos tecidos que nós geralmente associamos à seda convencional já contam com opções em sedas da paz.
Os meus favoritos incluem um tweed espinha de peixe tecido à mão e o “fabric 28”, um ponto de tafetá peso leve com o qual temos trabalhado por um longo tempo. Ele ganhou esse nome porque era a amostra 28 da coleção.
Eu não uso nahum tipo de seda convencional nas minhas criações, e nós oferecemos uma gama de alternativas veganas. A seda da paz é especialmente boa para vestidos de noiva e eu fico feliz em poder oferecer essa opção.
S: Nas minhas pesquisas, eu encontrei pessoas que não consideram a “seda da paz” vegan. Mas encontrei também pessoas que acreditam que essa pode ser considerada uma seda vegan e quem não a considera dessa maneira não entende inteiramente o processo de criação da seda da paz. Você poderia falar a sua opinião sobre esses dois pontos de vista opostos?
LT: Na realidade, a seda da paz não pode ser considerada vegan, é um produto de origem animal apesar de tudo. Entretanto, ela pode ser livre de crueldade e, em consequência, ser uma opção para os veganos que se importam com a realidade e o impacto de suas escolhas. Se você considerar os casulos vazios como um produto de descarte, daí a seda da paz tem apelo aos sentimentos veganos. Entretanto, seda é geralmente cultivada. Para mim, ser vegan é sobre compaixão e escolhas educadas, então eu continuo me considerando vegana e uso seda – mas eu tenho certeza da onde ela vem.
Tammam é especializada em vestidos de noiva e oferece uma variedade de alternativas veganas em seus designs. Visite seu site e veja mais.
Por: Stephanie Vilano. Stephanie acredita que esse é um momento excitante para a moda livre de crueldade e vegan e está cada vez mais interessada nas marcas emergindo desse nicho. Acompanhe seu blog para inspiração e moda, aventuras na cozinha vegana e reflexões gerais no My Kind Closet.