Mas lembrei que, ao longo da história, tivemos diversas obras que apontaram problemas nessa divisão. Mencionei de Michel de Montaigne a Jacques Derrida, na filosofia; de Claude Lévi-Strauss a Eduardo Viveiros de Castro, na antropologia; de Machado de Assis a Toni Morrison na literatura; de Charles Darwin a Sigmund Freud em outros campos de conhecimento. São muitos os nomes de grandes pensadores que têm contribuído para embaralhar essa equação e tornar a conversa mais interessante, como deve ser.
Ao longo de 2021, vamos fazer uma lista com sugestões de leituras que desestabilizam uma visão mais restrita do mundo, propondo novas ideias que orientem a nossa forma de vida: integração no lugar de cisão, flexibilidade no lugar de rigidez, coexistência no lugar de exclusão.
Essa é, portanto, a segunda parte de uma longa lista, que pretendemos continuar nas próximas colunas, incluindo Angela Davis, Anna Tsing, Donna Haraway, Jonathan Safran Foer, Maria Aparecida Vilaça, Yuval Harari e mais. Na primeira parte, indicamos livros de Ailton Krenak, Davi Kopenawa e Philippe Descola.
Vem com a gente?
1) Literatura e animalidade, de Maria Esther Maciel, editora Civilização Brasileira, coleção Contemporânea.
“Os animais, sob o olhar humano, são signos vivos daquilo que sempre escapa a nossa compreensão. Radicalmente outros, mas também nossos semelhantes, distantes e próximos de nós, eles nos fascinam ao mesmo tempo que nos assombram e desafiam a nossa razão. Temidos, subjugados, amados, marginalizados, admirados, confinados, comidos, torturados, classificados, humanizados, eles não se deixam, paradoxalmente, capturar em sua alteridade radical. Como diz John Berger, ‘quanto mais julgamos saber sobre eles (…), mais distantes eles ficam’. Essa estranheza, por outro lado, provoca o lado animal que trazemos dentro de nós.”
Maria Esther Maciel é uma pesquisadora brasileira que tem se destacado com um trabalho muito importante que investiga a relação entre literatura e animalidade. Com uma linguagem acessível para todas as pessoas interessadas no tema, esse livro é considerado o primeiro trabalho de fôlego da área publicado no Brasil. Professora titular de Teoria da Literatura e Literatura Comparada na Universidade Federal de Minas Gerais, Maciel também é professora da Universidade Estadual de Campinas e organizou a antologia Pensar/escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica (editora da UFSC).
2) Sociedade do cansaço, de Byung-Chul Han, editora Vozes, tradução de Enio Paulo Giachini.
Nascido na Coreia, o filósofo Byung-Chul Han estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique. Professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlim, é autor de diversos livros interessantes que, em poucas páginas, e também com uma linguagem simples, discutem criticamente o modo de vida atual.
“O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. Os adoecimentos psíquicos da sociedade do desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal.”
3) Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins, de Deborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro, editora Cultura e Barbárie.
“As coisas têm mudado tão rápido que se tornou difícil acompanhá-las”. Com essa frase de Bruno Latour, um dos principais pensadores do Antropoceno, a filósofa Deborah Danowski e o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro abrem o prefácio à segunda edição dessa obra brasileira que já se tornou fundamental para quem se interessa pela questão — todo mundo deveria se interessar, mas infelizmente ainda somos uma minoria. Com esperança, torcemos pelo despertar de mais e mais gente.
“Os materiais e análises sobre as causas (antrópicas) e as consequências (catastróficas) da “crise” planetária vêm se acumulando com extrema rapidez, mobilizando tanto a percepção popular, devidamente mediada pela mídia, quanto a reflexão acadêmica”, escrevem Danowski e Viveiros de Castro logo na primeira página do livro. Para eles, a presença desse debate na cultura contemporânea tem aumentado expressivamente, junto com “a intensificação das mudanças do macro-ambiente terrestre”. A ruína da civilização global seria uma consequência de “sua hegemonia inconteste, uma queda que poderá arrastar consigo parcelas consideráveis da população humana. A começar, é claro, pelas massas miseráveis”. Numa entrevista concedida à Agência Pública em 2020 Deborah Danowski diz: “Não tem mais mundo pra todo mundo”.