Aviso: Para evitar o acionamento de gatilhos emocionais, a matéria não contém imagens gráficas.
O vídeo não é indicado para aqueles de estômago fraco. Nas filmagens, coelhos amontoados, vivendo em cima de suas próprias fezes, aleijados e deformados esperando a hora da morte sem nenhuma assistência veterinária expõe a crueldade rotineira dessa indústria. Sharon Nunez, diretora executiva da Last Chance For Animals, conversou conosco via email e nos disse que “em geral, as fazendas tratam os animais como mercadorias e não como criaturas sencientes. Isso cria um terreno fértil para a crueldade, que é atordoante na indústria”.
A ONG conseguiu se infiltrar nas fazendas como compradores ou estudantes, visitando ao todo 72 criadouros e 4 abatedouros. Nenhum desses 76 lugares apresentou condições minimamente humanas, em todos os estabelecimentos os animais foram vistos vivendo em condições horríveis, em gaiolas pequenas, com filhotes lutando para sobreviver em meio aos adultos feridos. “Nós escolhemos coelhos porque muitas pessoas não sabem o quão cruel é a exploração e matança destes animais. No entanto, sabendo da crueldade sistemática que ocorre em fazendas de peles no geral, sabíamos que, provavelmente, iríamos encontrar algo realmente horrível”, conta Nunez.
Um dos motivos que tornou a investigação da LCA tão comentada foi o fato da ONG ter captado imagens de Francisco Cuberes Escola, proprietário da distribuidora de pele Curticub, e Lídia Nogue, responsável por uma filial do distribuidor de pele Galaico Catalana, afirmando fornecer as peles compradas nas fazendas investigadas para grandes marcas como Louis Vuitton, Marc Jacobs, Burberry, Dior, Saint Laurent, Armani e Diane Von Furstenberg.
Um abaixo-assinado e um site dedicado inteiramente à investigação foram criados, ambos visando não só informar as pessoas sobre o sistema de criação de animais para abate, como também pressionar as marcas para que essas assumam sua responsabilidade e parem de comprar peles. Rosemary Feitelberg, em seu artigo para o WWD que abordou o assunto, foi buscar ouvir o lado das marcas citadas. Não surpreendentemente, representantes da Marc Jacobs, Louis Vuitton, Armani e von Furstenberg recusaram comentar o assunto. Já a Burberry, Dior e Saint Laurent negaram qualquer envolvimento comercial com a Curticub e afirmaram “trabalhar continuamente para encontrar formas de garantir elevados padrões de bem-estar animal”.
Não há leis que visam garantir o bem estar dos animais.
É óbvio que todas as empresas iriam negar seu envolvimento com a Curticub (já falamos aqui sobre como a indústria da moda não sabe lidar com seus problemas e situações críticas), mas também é óbvio que todas essas peles estão sendo comercializadas e é apenas uma questão de tempo para as ONGs conseguirem rastrear a papelada legal de compra e venda, provando o envolvimento de grandes marcas com essas fazendas.
De qualquer maneira, independente da Curticub, por mais que as marcas tentem empurrar a história de peles provenientes de fazendas humanizadas, a indústria de pele é cruel e essas alegações são uma falácia. Fazendas humanizadas são um mito conforme várias investigações na Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Estados Unidos já provaram. Não há leis que visam garantir o bem estar dos animais, e Sharon nos disse ainda que “os coelhos não têm leis que os protegem especificamente. Nem no conjunto da União Europeia, nem na Espanha. É legal manter coelhos em pequenas gaiolas de metal, com pisos gradeados durante toda suas vidas, por exemplo”.
Outra matéria, no The Discerning Brute, ressalta que as leis e regulamentos estabelecidos pela União Europeia são apenas diretrizes, e que não são exequíveis. As diretrizes são vagas e muitas vezes deixam espaço para interpretação. Elas sugerem tomar “medidas razoáveis” para evitar “dor, sofrimento e lesões desnecessárias”, mas não há uma determinação que sinaliza quais são essas medidas razoáveis e nem o que viria a ser sofrimento e dor desnecessários. Mesmo a mais rigorosa e elogiada certificação da indústria, Origin Assured, ficou aquém dos padrões éticos mais básicos quando as investigações citadas acima vieram à tona.
Em números, são 70 milhões de coelhos mortos anualmente nas 3.369 fazendas espanholas. Mundialmente, mais de um bilhão de peles de coelhos são produzidas todo ano, de acordo com a Organização de Comida e Agricultura das Nações Unidas. Nessa escala de produção, é ingênuo acreditar que não exista sofrimento, tortura e negligência na indústria de animais e vai contra o senso comum afirmar que as necessidades sociais e veterinárias complexas de um coelho (ou de qualquer animal) possam ser atendidas e ainda gerar lucro para o negócio.
“É hipócrita a atitude das marcas que fizeram declarações ressaltando sua preocupação com o tratamento bárbaro para com os animais documentados nesta investigação, principalmente por estas crueldades serem generalizadas e perturbadoramente comuns na indústria”, afirma sabiamente o texto do Discerning Brute.
Sharon Nunez também procura deixar claro que “a produção de peles implica em crueldade sempre, conforme todas as investigações sobre a indústria de peles na Finlândia, Dinamarca, China e outros países já mostraram. Assim, podemos dizer sem sombra de dúvidas que qualquer marca de moda que vende peles está apoiando o sofrimento dos animais”.
Mundialmente, mais de um bilhão de peles de coelhos são produzidas todo ano.
Apesar das tentativas contínuas por parte das organizações que lutam pelo direito animal, fechar essas fazendas é apenas possível com a ajuda do consumidor final. “A fim de fechar esses locais para sempre, precisamos informar o consumidor sobre as condições nas quais os coelhos são criados e mortos e pedir-lhes para parar de usar pele de coelho. Devemos fazer o mesmo com as empresas que vendem peles no geral, em muitos casos, as pessoas não estão cientes do que está por trás da pele em suas roupas, é por isso que as organizações de direitos dos animais devem continuar expondo a verdade”, fala Sharon Nunez.
A LCA e a Animal Equality já tomaram medidas legais para que as fazendas investigadas sejam responsabilizadas. “Já tomamos medidas contra as fazendas e matadouros investigados, e estamos trabalhando para garantir que esses abusos não fiquem impunes. As sanções administrativas a todos os responsáveis podem variar de 60.001 a 1.200.000 euros no caso de infrações muito graves e multas de 600 a 3.000 euros para delitos menores”, afirma Nunez.
Entre os atos citados passíveis a condenação estão: jogar coelhos vivos em recipientes de lixo para que esses morram junto com os corpos de outros coelhos, matar com trauma contundente através de ataques repetidos, matar por esmagamento de esôfago e abandoná-los para morrer asfixiados, manter coelhos doentes e feridos sem nunca receberem tratamento veterinário adequado, violar condições higiênico-sanitárias, onde as fezes se acumulam, além da falta de trajes obrigatórios para bio-segurança dos funcionários, abandono de animais vivos em pilhas de fezes que, posteriormente, acabam por morrer de fome ou desidratação, entre outras acusações.
Felizmente, a indústria da pele vem sofrendo significativa queda em números de vendas e popularidade – e, em contra partida, alternativas sintéticas estão se tornando cada vez mais atrativas e humanizadas. Mas claro que a indústria e quem fatura alto está fazendo o máximo para recuperar a popularidade da pele verdadeira. Podemos notar o trabalho que a International Fur Trade Federation, organização que visa promover os interesses da indústria da pele, está tendo para tentar manter esse comércio vivo. Além de vincular notícias falsas sobre a “sustentabilidade” por trás da produção de pele com cada vez mais frequência, a organização vem se aliando às grandes revistas de moda para divulgar itens de pele e produzir matérias que visam incentivar esse comércio.
Porém, devido à conscientização da população em geral, por mais que a indústria se esforce, usar pele já não é mais algo considerado elegante ou cool, muito pelo contrário. Prova disso foi a última parceria da International Fur Trade Federation com a revista americana Nylon, que incentivava o uso de casacos de pele nesse inverno. A campanha foi um fracasso total, a Nylon recebeu duras críticas, perdeu diversas leitoras e assinaturas e se viu forçada a retirar a campanha do ar em menos de 24horas.
Quando vemos peles verdadeiras em passarelas ou nas vitrines, precisamos lembrar de todo o processo por qual aquele item passou antes de chegar ali. “Podemos criar couro em um laboratório. Nós podemos produzir peles de maneira hitech, com baixo impacto e de maneira muita mais personalizável do que a, ainda indistinguível, pele natural. A tecnologia está sempre evoluindo e ficando cada vez mais eficiente, mais refinada, mais verde e mais visionária. Nesse sentido, a pele verdadeira é simplesmente um design ruim. Ela se decompõe, cheira mal, precisa ser preservada com toneladas de produtos químicos, refrigerada no verão e frequentemente verificada contra a infestação. Ela requer a criação ineficiente de animais e a confusão de ter que matá-los para arrancar sua pele fora. Isso nunca vai evoluir ou mudar. Não há nenhuma boa razão para que precisemos, de fato, manter os animais enjaulados durante toda a sua vida, a fim de fazer produtos de luxo. Somos melhores estilistas do que isso”, diz Joshua Katcher.
Conscientize-se e conscientize, jamais compre pele. Deixem os casacos e itens de pele apodrecerem nas lojas para que os animais não mais apodreçam em jaulas. Saiba mais e assine a petição em endfashioncruelty.org/uk/.