Carbono neutro ou net-zero é um estado onde os gases de efeito estufa não estão mais se acumulando na atmosfera – quaisquer emissões devem ser contrabalançadas sugando um pouco de carbono do ar – e neste ano, uma onda de governos, empresas e instituições financeiras prometeram alcançá-lo.
Mas, para um novo movimento de jovens ativistas, a retórica do carbono neutro é preocupante. “Chegar ao carbono neutro não é suficiente”, escreveram alguns deles em uma carta publicada no jornal inglês The Guardian em novembro. Em vez disso, o grupo por trás da carta, uma organização liderada por jovens chamada Worldward, incentiva o mundo a se unir em torno de uma meta diferente, que eles chamam de “restauração do clima”. A carta foi co-assinada pelos proeminentes cientistas climáticos James Hansen e Michael Mann, além de escritores, artistas e outros ativistas.
“O clima hoje não está seguro”, disse Gideon Futerman, fundador e presidente da Worldward de 17 anos, que mora em um subúrbio ao norte de Londres. “Milhões de pessoas estão sofrendo e outras milhões irão sofrer”. Quando a neutralidade de carbono for alcançada, disse ele, o clima será consideravelmente mais perigoso.
Ele tem razão. Um novo relatório abrangente sobre mudança climática e saúde publicado recentemente na revista médica Lancet descobriu que já houve um aumento de 50% nas mortes relacionadas ao calor nos últimos 20 anos. O relatório alertou que até meio bilhão de pessoas ainda podem ser deslocadas pelo aumento do nível do mar, e que os riscos de incêndios florestais e as ameaças à segurança alimentar aumentarão. “Restaurar se trata de remover o CO2, que está causando esses problemas, e começar a reverter esses problemas”, disse Futerman.
A restauração do clima, como define Futerman, tem três componentes: reduzir as emissões de gases de efeito estufa, remover ativamente o carbono da atmosfera para compensar quaisquer emissões remanescentes e, então, continuar a reduzi-lo, de modo que a concentração na atmosfera comece a diminuir, “restaurando” uma versão anterior do clima. Em outras palavras, Worldward – um morfema das palavras em inglês “world” (mundo), “forward” (adiante) e “onward” (avante) – quer chegar ao net-zero e então continuar.
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O grupo não defende uma meta específica de temperatura ou concentração atmosférica de carbono – Futerman disse que é uma decisão da sociedade – mas, a grosso modo, eles querem que a sociedade busque algo próximo aos níveis pré-industriais.
Depois de um lançamento simples nesta primavera, Worldward agora tem cerca de 100 voluntários de todo o mundo, incluindo México, Índia e Zimbábue, de acordo com Futerman. Em dezembro, houve o lançamento público de sua campanha para pressionar governos, empresas e outras organizações a tomarem “ações significativas para a restauração”.
Impulsionando a remoção de carbono
A Worldward não inventou o termo “restauração do clima”, que também é algumas vezes referido como “reparo do clima” ou “redução”. James Hansen, cientista do clima, há muito defende a redução dos níveis de carbono atmosférico para 350 partes por milhão. O grupo de defesa do clima 350.org se inspirou no trabalho de Hansen para conceber seu nome.
Mas o que é único no Worldward é o fato deles serem uma das poucas organizações de ativismo climático dedicada a promover o debate sobre “tecnologias de emissões negativas” ou métodos para remover carbono da atmosfera. O guarda-chuva de remoção de carbono inclui soluções baseadas na Natureza, como silvicultura, restauração de pântanos e práticas agrícolas que sequestram mais carbono do solo. Existem também soluções tecnológicas como máquinas que capturam carbono diretamente do ar. Além disso, existem técnicas que estão em algum ponto intermediário, como “intemperismo aprimorado”, que envolve a trituração de minerais e espalhá-los no solo, onde se ligam ao carbono da atmosfera.
Cientistas que modelam soluções climáticas dizem que não temos escolha – precisaremos empregar a remoção de carbono, e provavelmente em uma escala importante, para manter um planeta habitável. Um relatório de 2018 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas descobriu que o mundo pode precisar remover até 1 trilhão de toneladas de carbono até o final do século, se quiser evitar mais de 1,5 graus C (2,7 graus F) de aquecimento global.
A reticência dos ativistas em relação à remoção de carbono é provavelmente devido à sua estreita relação com as tecnologias de captura de carbono que sugam as emissões de carbono diretamente da fonte, como a chaminé de uma usina ou instalação industrial. Muitos grupos climáticos se opõem à captura de carbono porque isso pode estender nossa dependência de combustíveis fósseis e porque, até agora, o dióxido de carbono capturado das chaminés tem sido usado, principalmente, para ajudar a bombear mais petróleo do solo. No ano passado, mais de 600 organizações ambientais dos EUA, incluindo mais de 30 subsidiárias da 350.org, escreveram uma carta ao Congresso afirmando que “se opõem vigorosamente” a qualquer legislação que promova a captura e armazenamento de carbono.
As tecnologias de emissões negativas apresentam um risco semelhante – podem permitir que as empresas continuem com os negócios normais e emitindo, supondo que possam remover o carbono da atmosfera de outras maneiras. Gigantes de combustíveis fósseis como Occidental e Chevron já estão investindo na captura direta de ar. Mas aumentar a remoção de carbono para o nível que o IPCC sugere implica em compensações assustadoras, que ficarão ainda mais assustadoras se forem usadas para compensar as emissões contínuas.
O reflorestamento pode invadir terras cultiváveis, ameaçando a segurança alimentar. A captura direta de ar requer muita energia – segundo uma estimativa, ela poderia consumir até metade da demanda global de energia de hoje até 2100. E o intemperismo aprimorado das rochas envolveria novos projetos de mineração importantes. As soluções que implementamos e em que medida dependemos delas terão consequências para as gerações futuras.
Futerman disse que um dos objetivos de Worldward é fazer com que os jovens, que terão que viver com essas consequências, se envolvam em conversas sobre elas agora. “Nosso objetivo é apenas promover a discussão na sociedade”, afirmou. “Tentamos promover todas as diferentes perspectivas sobre restauração e não abordá-la da direita ou da esquerda”.
A educação é o principal foco do grupo. A Worldward está planejando programas de treinamento, webinars e uma série do YouTube, além de desenvolver recursos para dar aos professores para usar nas escolas. No momento, a frase “remoção de carbono” mal está no radar do público – uma pesquisa recente da Morning Consult descobriu que 73 por cento dos adultos dos EUA ouviram “não muito” ou “nada” sobre práticas ou tecnologias de remoção de carbono.
Holly Jean Buck, professora assistente da University of Buffalo e autora do livro After Geoengineering: Climate Tragedy, Repair, and Restoration (“Depois da Geoengenharia: Tragédia Climática, Reparo e Restauração”, em tradução livre), disse a Grist ser necessário que mais pessoas no movimento climático se envolvam com as difíceis questões em torno da remoção de carbono e na definição de como ele deve ser implantado (a remoção de carbono é frequentemente considerada um tipo de geoengenharia). Uma vez que a bandeira da “restauração do clima” aumenta as expectativas sobre o que pode ser realizado, Buck disse que é especialmente importante uma conversa baseada na ciência e capaz de reconhecer os desafios envolvidos.
Que tipo de restauração é possível?
Existem imensos obstáculos para chegar na neutralidade de carbono e limitar o aquecimento global, quanto mais revertê-lo. Mesmo ignorando os desafios políticos, muitas tecnologias de emissões negativas não foram testadas ou estão em estágios iniciais e, hoje, a maioria é muito cara para ser implantada em qualquer escala próxima à necessária.
Mas, suponha que tenhamos investido pesadamente nessas soluções e pudéssemos implantá-las rapidamente, mesmo indo “além do carbono neutro”, como Worldward espera. Que tipo de restauração podemos esperar?
Kim Cobb, cientista do clima do Instituto de Tecnologia da Geórgia, disse à Grist que alguns dos impactos que associamos às mudanças climáticas, como calor extremo e precipitação extrema – fenômenos intimamente ligados às temperaturas na superfície da Terra – podem melhorar. Mas provavelmente haverá limites que já ultrapassamos naquele ponto que são irreversíveis. O aquecimento global muda aspectos fundamentais da ecologia, topologia e a maneira como a água se move e é mantida pela terra. Processos como desertificação e extinção de recifes de coral podem não ser reversíveis em uma escala de tempo humana. “Mesmo se você girar o botão para trás, pode não recuperar esse ecossistema, esse tipo de comportamento de armazenamento de água, esses tipos de padrões de chuva”, disse Cobb.
Embora ela não pudesse oferecer previsões exatas sobre quais aspectos negativos da mudança climática são reversíveis, há um que ela tem certeza que não é: o aumento do nível do mar. Mesmo se trouxermos o carbono atmosférico de volta aos níveis pré-industriais, já existe tanto calor armazenado nas camadas de gelo do mundo que os modelos sugerem a continuidade do derretimento das calotas polares nos próximos séculos.
“Essa é a parte que me mantém acordado à noite”, disse Cobb, “quando começamos a pensar no comprometimento a longo prazo do aquecimento até o presente, quanto mais do aquecimento que virá. E essa é a peça que desejo que mais pessoas entendessem”.
Dito isso, Cobb ainda acredita que a restauração do clima é um marco importante. “Já estamos vendo que este é um clima potencialmente insuportável”, disse ela. “Espero sinceramente que estejamos buscando algo melhor do que a estabilidade climática”. Ela também quer que as pessoas comecem a falar e entender o que está do outro lado – quais aspectos da vida na terra poderiam ser restaurados de forma realista e em qual escala de tempo.
Buck concordou que, desde que fique claro que “restauração” é mais um compromisso e não um retorno total às condições anteriores, a restauração do clima pode ser uma mensagem mais atraente do que “carbono neutro”. Enquadrar as coisas em termos de emissões de carbono, como a neutralidade de carbono faz, “é realmente redutor e não atinge todas as dimensões do problema”, disse ela, “e também não é muito inspirador”.
Futerman reconheceu que não está claro quanta restauração será possível e descreveu o objetivo como mais um imperativo moral. “Worldward promove a ideia de restaurar o clima”, disse ele, “e quer educar sobre as formas possíveis e os prós e contras de cada uma, permitindo uma conversa mais ampla sobre a melhor forma de realizar a restauração”.
Texto escrito por Emily Pontecorvo. Artigo originalmente publicado em Grist e traduzido com autorização para o Modefica. Leia o artigo original aqui.