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O Mercado De Luxo Prova Que O Fast Fashion Não É O Único Vilão Da Moda

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  • Marina Colerato
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Pense em trabalho análogo à escravidão na moda, rios poluídos com corantes têxteis, pilhas de roupas se acumulando em aterros sanitários e pessoas comprando cada vez mais produtos de moda. Provavelmente, quando falamos sobre isso o que vem à mente são grandes redes de fast fashion, produzindo e vendendo roupas a baixo custo, que são descartadas com facilidade. Não por menos, o desastre do Rana Plaza escancarou, mais uma vez, o problema por trás da produção das nossas roupas e reacendeu o debate sobre a produção de roupas baratas.

Vez ou outra, imputamos a responsabilidade também em empresas de médio custo. No Brasil, M.Officer, Cori, Animale, recentemente Brooksfield Donna, entre outras já foram expostas quando o assunto é responsabilidade social e isso não foi esquecido.

Mas onde fica o mercado de luxo nessa história? Por que nós parecemos sempre esquecer de colocar essa fatia bilionária crescente nesse cenário? Talvez porque não tenhamos noção do seu tamanho, considerando que ele só serve a uma ínfima parcela da população mundial. Entretanto, quando olhamos para o ranking mundial das marcas mais valiosas do segmento, várias delas são do mercado de luxo, e uma delas, inclusive, tem lugar garantido no pódio.

O Tamanho Do Mercado

O conglomerado de luxo LVMH (Louis Vuitton Moët Hennessy), responsável por marcas como Louis Vuitton, Fendi e Dior, apareceu em terceiro lugar em valor de mercado na Global Top 10 of Largest Fashion Companies, mas suas vendas totais somaram mais de 40 bilhões de dólares em 2015, frente a 30 bilhões da primeira colocada, a Nike. Inditex, grupo responsável pela Zara, contou com 24 bilhões em vendas totais, enquanto a Chanel ficou com 7.5 bilhões de dólares e Hermés com 7 bilhões. É muito dinheiro para ser esquecido.

Outro motivo pelo qual as marcas de luxo sempre escapam das críticas provavelmente reside na consciência coletiva de que produtos caros são feitos com maior responsabilidade socioambiental. Se uma bolsa custa R$ 50.000, provavelmente toda a cadeia foi fiscalizada e bem paga.

O discurso “pague mais, mas compre menos e com mais qualidade” ajuda a fortalecer essa sensação de que uma peça cara é, necessariamente, uma peça feita com respeito às pessoas e ao meio ambiente, além de reforçar a imagem errônea de que quem consome bens de luxo consome pouco e que esse consumo é muito mais aceitável porque ele é mais ético. De Paris Hilton à Thassia Naves, sabemos que isso não é verdade e que essas duas celebridades não são exceções à regra.

As empresas não ficam alheias no fortalecimento dessas falsas impressões. Quando olhamos para todo o marketing da Hermés envolto na manutenção de uma escola de artesãos em Lion, na França, rapidamente nos esquecemos das condições miseráveis dos trabalhadores e dos animais não-humanos em sua principal fornecedora de couros de crocodilos, no Texas. Como nos lembrou Tansy Hoskins, é bastante ingênuo da nossa parte esperar ética por parte das pessoas mais ricas do mundo.

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Bolsas e bracelete Hermés // Reprodução

Falta De Transparência E A Realidade Bilionária

Em abril desse ano, o movimento Fashion Revolution, em parceria com a Ethical Consumer, lançou o Fashion Transparency Index, um relatório que analisa, por meio de diferentes índices quesitos empresariais de produção como “política e compromisso”, “rastreamento e rastreabilidade”, “auditorias e reparação”, e “governança”.

Os resultados foram divididos em “baixa avaliação”, ou seja, “pouca ou nenhuma evidência de que a empresa não tem nada mais do que um “código de conduta” no papel. A empresa faz pouco ou nenhum esforço no sentido de ser transparente sobre suas práticas da cadeia”; “avaliação média baixa”; “avaliação média alta”; e “avaliação alta”, onde “a empresa está fazendo esforços significativos nas áreas indicadas e torna algumas, ou a maioria das, informações publicamente disponíveis”.

Todas as empresas de luxo presentes no Global Top 10 of Largest Fashion Companies, incluindo LVMH, Hermés e Chanel, foram avaliadas com “baixa avaliação”, junto com outras empresas de fast fashion como Forever 21. Entre as melhores avaliadas aparecem Zara e H&M. A Nike teve “avaliação média alta”. As empresas mais valiosas e com os mais altos dígitos de vendas são, também, as mais relapsas.

“A falta de transparência custa vidas”, afirma o relatório. “É impossível para as empresas garantir que os direitos humanos sejam respeitados e que as práticas ambientais são sólidas sem saber onde seus produtos são feitos e sob quais condições”.

Inserindo O Luxo No Debate

Essas informações são suficientes para colocar o debate sobre os problemas da indústria da moda em perspectiva. Estamos focando tanto em marcas e peças de roupa, que esquecemos completamente sobre conglomerados, monopólios, homens bilionários e como toda a produção de qualquer produto funciona em escala global. Passamos tanto tempo discutindo a equação preço versus produto versus sustentabilidade, que dedicamos mais esforços em questionar o valor da produção das pequenas marcas do que em acessibilidade e a crescente desigualdade social.

Tanto as cifras quanto as organizações que expõe os problemas na produção dos bens de luxo servem para não nos esquecermos de que não é só moda e moda barata que explora pessoas, animais não-humanos e meio ambiente. A fatia mais significativa da moda de luxo está praticamente passando imune às críticas feitas à indústria e, por isso, não está fazendo absolutamente nada para melhorar. Quando falamos sobre os problemas da moda, é urgente falar, também, sobre mercado de luxo, desigualdades e valorização excessiva da posse.

Imagem Capa: Reprodução

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