Em um comunicado à imprensa, os grupos explicaram: “Respeitar a dignidade de cada homem e mulher é o coração dos valores de ambos os grupos. Tendo sempre cuidado com o bem-estar dos modelos, a LVMH e a Kering sentem que têm uma responsabilidade específica, como líderes da indústria, em dar um passo adiante com suas marcas”. Devemos ver o compromisso começar valer a partir da Semana de Moda de Paris, que acontece ainda esse mês.
A moda vem enfrentando duras críticas por encorajar padrões de corpo inatingíveis e transtornos alimentares entre as modelos há algum tempo. Em 2013, a editora de moda da Vogue Austrália, Kirstie Clements, abriu o jogo em um artigo do The Guardian sobre como sua experiência com modelos mudou drasticamente dos anos 80 para cá:
“Quando eu comecei a lidar com modelos no final da década de 1980, geralmente íamos selecionado a partir de um grupo de meninas locais, que eram naturalmente suaves e magras, tinham uma pele brilhante, cabelo brilhante e muita energia. Eles comiam com moderação com certeza, mas elas comiam. Não eram pele e osso. […] Mas comecei a reconhecer os sinais de que outras modelos estavam usando diferentes métodos para ficar magras. […] Quanto mais trabalhava com modelos, mais a privação de alimentos se tornava óbvia. Cigarros e Coca Diet formavam a dieta base. Às vezes você veria os sinais de anorexia, onde uma menina desenvolve uma penugem leve em seu rosto e braços enquanto seu corpo luta para se aquecer”, escreveu a editora.
Mas as questões que cercam o universo das modelos vai muito além do peso. É um trabalho difícil e diretamente relacionado com a imagem pessoal, o que pode deixar qualquer mulher insegura e vulnerável, imagine meninas de 16 anos – tornando o compromisso de ter maior cuidado com modelos adolescentes muito bem vindo. No fim do ano passado, o diretor de casting James Scully expôs diversas crueldades dessa indústria durante um evento do Business of Fashion. “Este ramo para mim, que foi construído em cima da celebração da beleza e da diversidade de mulheres, foi completamente seqüestrado por um pequeno grupo de estilistas, diretores de casting e fotógrafos, que não só parecem não gostar das mulheres, mas se desvanecem para mostrar esse sentimento diariamente”, afimrou Scully.
Scully levantou o debate novamente em março desse ano, quando a equipe de casting da Balenciaga e Lanvin deixou as modelos esperando nas escadas do prédio, durante três horas, no escuro. “Os diretores de casting fecharam a porta, foram almoçar e apagaram as luzes das escadas deixando cada uma das garotas apenas com a iluminação de seu celular. Isso não apenas foi sádico e cruel, foi também perigoso e deixar muitas das garotas com as quais conversei traumatizadas”, falou ele. “É uma indústria que contrata meninas quando elas são pouco mais do que crianças e as descarta quando elas chegam na puberdade num jogo de poder no qual modelos são meros peões, frequentemente sobrevivendo à base de Red Bull e Adderall durante meses”.
Nós não estamos tocando no ponto do abuso e assédio sexual aqui, mas não é preciso estar no estúdio do Terry Richardson para imaginar a situação de vulnerabilidade na qual meninas extremamente jovens, longe dos pais e dos familiares, e ansiosas para virar a próxima modelo do momento se encontram nos bastidores dessa indústria. Fotógrafos, stylists, diretores de casting estão sempre preparados para se aproveitar sexualmente quando eles têm uma oportunidade. Para quem já esteve dentro desse mundo, essa sensação paira no ar e, muitas vezes, acontece de maneira totalmente escancarada. Isso sem falar em total falta de diversidade, criando uma estética totalmente eurocentrada e usando da diversidade apenas como fetiche. Humilhação, em todas as suas formas, se tornou cada vez mais comum nos bastidores da moda.
O Contraponto.
Para Bethany Rutter, em texto para o The Guardian, a ação deve ser positiva principalmente para modelos de futuras gerações, mas não adressa o problema da obsessão da moda por juventude e magreza. “Eu me pergunto se não seria uma postura mais progressista para essas grandes marcas – em vez de proibir essas garotas e mulheres de obterem trabalho – fazerem um esforço sincero e contínuo para abordar a diversidade em suas campanhas e passarelas. […] Mas até que a indústria da moda aborde sua obsessão com a juventude e a magreza, não haverá mudanças significativas no tipo de imagens que consumimos e no tipo de mulheres e meninas que povoam essas imagens”, alertou.
A verdade é que o caminho para uma moda realmente diversa, inclusiva e capaz de realmente celebrar mulheres é mais longo do que gostamos de admitir.