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Laboratório Fantasma Une Música e Moda Para Fomentar Protagonismo da Periferia na Cultura

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“Backstage O Backstage é o podcast do Modefica para falar sobre moda a partir de diversos pontos de vista e para muito além do que vemos nas passarelas, nas revistas, no Instagram e nas manchetes. Sempre com convidadxs especiais contando sua trajetória, e junto com nossa editora Marina Colerato, o Backstage debate indústria, carreira, questões de gênero e raça, temas quentes e futuro da moda. Ouça no Spotify, iTunes ou Deezer.

O Backstage recebe nesse episódio o cantor e empresário Evandro Fióti, sócio do hub de entretenimento – que une música, moda, games –  Laboratório Fantasma. Fióti conversa conosco sobre o surgimento e as diversas fases do hub de cultura urbana, sobre criar seu espaço em dois mercados muito competitivos – a música e a moda – racismo, economia criativa, autonomia, pirataria e a importância da promoção da educação, cultura e arte na periferia.

 

 

O Lab Fantasma nasceu, inicialmente, para gerenciar a carreira do rapper Emicida. Com inspirações no hip hop americano e em nomes como Jay-z – e a gravadora Roc Nation – Kanye West e Pharrell Williams, o Lab concretiza a possibilidade de conectar pessoas com propósito de transformação para o mundo. Fióti nos conta que, unindo a indústria da música e da moda, a marca permitiu criar novos modelos de negócio, trabalhar em outros territórios de maneira mais profunda e virar referência no cenário de economia criativa. Hoje, o Laboratório se posiciona como plataforma de entretenimento.

Em 2016, a marca participou do São Paulo Fashion Week e ganhou projeções que não só trouxeram questionamentos e mudanças para a mesma, mas que também mexeu com as próprias estruturas do evento, provocando questionamentos e fomentando a pluralidade. Mas, para chegar até esse momento, Fióti nos traça uma linha do tempo, voltando a 2009, `as primeiras produções de camisetas do Emicida e ao desejo de fazer com que o produto fosse além de um merchandising do artista. “O Emicida era um dos poucos artistas do rap brasileiro que estava conseguindo dialogar com outras camadas da sociedade naquele momento”, relata. A marca começou a ganhar rapidamente conexão com a juventude periférica brasileira.

Em 2011 e 2012, tanto a carreira do Emicida, quanto a popularidade do Lab e a economia brasileira estavam em ascensão. Com isso também veio a pirataria. Fióti explica que foi um momento de entender a necessidade de ressignificar a marca e trabalhar propósito e linguagem de moda nos produtos desenvolvidos. “Nosso propósito nunca foi de ser a maior marca. A gente trabalha muito com a questão de transformação em todas as etapas e processos de trabalho”, afirma.

Ele narra 2014 e 2015 como anos incertos para a política brasileira, que culminaram no golpe contra Dilma Rousseff, que também serviram como alavanca para o Lab ir além da música. Naquela época, o mercado de streaming não era como hoje, a economia de artistas independentes, como Fióti e Emicida, estavam baseadas no faturamento de shows ao vivo. Foi um momento para perceber que, se o Brasil entrasse em crise política e econômica, eles seriam diretamente afetados. Assim, eles decidiram ampliar suas atuações e diversificar o modelo de negócio, reinventando sua participação dentro do segmento da moda.

O momento foi oportuno porque, justo nesse momento, o debate sobre apropriação cultural estava alvoroçado. “A gente percebeu que estava rolando muita apropriação do streetwear por marcas que não são geridas por pessoas negras, que não têm pessoas negras dentro de suas estruturas”, conta, “mas eles estavam levando para os desfiles a estética e autenticidade que os movimentos que vêm da periferia têm criado, sem dar o crédito”. Foi nesse momento que, através de colaborações com marcas como Nike e West Coast, eles decidiram disputar esse protagonismo.

 

A representação do Brasil no SPFW

Os três desfiles feitos pelo Lab Fantasma no São Paulo Fashion Week, em 2016, foram uma quebra de paradigmas. Fióti relata a importância de fazer esse movimento em uma plataforma de moda tão relevante dentro do Brasil e onde a maioria dos consumidores e brasileiros não eram representados. “Nossa motivação era levar à passarela do SPFW um Brasil que representasse o universo e horizonte de onde a gente veio”, afirma. Marina questiona sobre como foi o processo de querer quebrar barreiras em um espaço excludente.

Fióti retoma a importância da origem da marca e sobre o propósito norteador dos seus trabalhos. Após os desfiles, que foram considerados “um dos melhores de todos os tempos”, ele teve a oportunidade de refletir e reafirmar o que eles queriam e não queriam ser. “Foi traumático o processo em relação ao backstage, o por trás da moda, em relação aos profissionais, o preconceito que existe”, explica. Com o passar dos anos e as modificações nas equipes e nas decisões de atuação no mercado, eles conseguiram controlar mais sua narrativa.

Entre escolhas e autonomia, vem também as limitações. Fióti reflete sobre a importância de manter a integridade e fazer o que acredita que deve ser feito. Se ver em cenários como os do SPFW não só se torna importante para abrir espaço para outros empreendedores e marcas negras estarem ali, mas também de criar espaços de fortalecimento e construção de narrativa – inclusive fora destes espaços já estabelecidos.

 

Pluralidade para transformar

Fióti acredita que o movimento de transformação vem das novas gerações e que, apesar do Lab Fantasma impactar de forma positiva o mercado da moda, ainda é preciso uma transformação mais ampla. Para manter o ecossistema do negócio, ele explica que agora tem priorizado o mercado da música, mas continua dialogando com o segmento da moda. Marina ressalta a importância de disputar espaços existentes, mas também de criar outros. Com o momento atual e suas múltiplas crises, o rapper afirma que “a gente tem que entender nosso valor dentro disso”, e adiciona: “ainda que seja difícil mudar um trem que está andando, existem caminhos possíveis”.

Marina retorna com um tema que pipoca vez ou outra na mídia: a pirataria e valor dos produtos da marca. Fióti entende a situação com um problema muito além do simples ato de piratear. Ele reconhece a dificuldade das pessoas da periferia de conseguir emprego e da estrutura de uma sociedade com concentração de renda. O papo corre para a valorização da rede produtiva, da participação da sua mãe nessa construção de reconhecimento da mão-de-obra e do incômodo da sociedade de ver um negro empreendendo e sendo bem sucedido.

Ao longo dessa trajetória de 11 anos, Fióti se diz “calejado” dos embates que encontrou ao longo da carreira. Mas deixa claro que “mesmo quando você consegue ascender através do seu trabalho, o racismo não dá trégua”. Para ele, o empreendedorismo é uma das poucas frentes que um jovem negro tem, atualmente, de ascender socialmente, de furar barreiras, no Brasil.

Por fim, terminamos o papo enaltecendo a importância da juventude negra se reconhecer pertencente à cultura afro, a aprender sobre ancestralidade, através da moda, do bordado, e valorizar esse tipo de saber. Fióti cita a mãe que trabalhou muito com ele e os irmãos o reconhecimento da importância da educação, da cultura e da arte. “Tudo isso fez a gente chegar até aqui. Esse tipo de saber gera resistência, gera conexão com a essência”, finaliza.

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