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Jardineira da Floresta: Pesquisadora Ressalta Valor da Anta Para Biomas Nacionais

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  • Juliana Aguilera
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Patrícia Medici começou a estudar e monitorar a anta, o maior mamífero terrestre da América do Sul, em 1996. Nos últimos 24 anos, ela analisou o comportamento do animal na Mata Atlântica, Pantanal e Cerrado e, graças a isso, ela e sua equipe do INCAB (Iniciativa Nacional para Conservação da Anta Brasileira), projeto do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), criaram o maior banco de dados sobre a espécie no mundo. Agora, depois de receber o Whitley Gold Award - o “Oscar Verde” ou maior prêmio da conservação ambiental do mundo - a equipe se prepara para estudar a Anta em outro bioma: a Amazônia.

A anta não só é o maior mamífero terrestre da América do Sul, como também leva a fama de ser “um fóssil vivo” por ter sobrevivido a diversas ondas de extinção. Resistente, é um animal que aprendeu a viver com as mais diversas adversidades, como a falta de espaço e alimentação, causadas pela mão humana. Ela também é importante para a manutenção da biodiversidade, ganhando até o apelido de “jardineira das florestas”. Pelo seu grande porte, ela tem a capacidade de comer grandes frutos, cujas semestes se espalham pela floresta através de suas fezes – tornando-a, assim, uma contribuidora fundamental para o bem estar das florestas.

Ainda sim, ela vive longe do imaginário popular, sendo lembrado apenas para xingar pessoas. Patrícia e sua equipe buscam, por meio de um trabalho assíduo de comunicação, quebrar este paradigma e ensinar os brasileiros a terem orgulho de serem a casa deste animal. Esperando uma trégua do novo coronavírus para partir a sua nova expedição – desta vez para descobrir como a espécie vive no arco do desmatamento -, Patrícia sentou para conversar com o Modefica sobre a importância da preservação da anta no meio ambiente e como ela revela as consequência da ação humana sobre a Natureza.

Modefica: Por que você decidiu começar a estudar sobre a anta?

Patrícia Medici: Nós fundamos o IPÊ, nossa organização, em 1992. Ele nasceu para trabalhar com organização de espécies, essa era a nossa meta. Nós sentamos para conversar sobre quais espécies nós gostaríamos de estudar e fechamos que queríamos trabalhar com espécies pouco estudadas, espécies difíceis de serem estudadas e fizemos uma listinha – na época chamávamos de “a Listinha do sonho”.

Nesta lista estavam os animais que a gente elencou e um deles era a anta. Eu fiquei meio de olho gordo ali, porque sempre tive uma queda pelos grandes mamíferos. Quando chegou a hora, eu coloquei esse bicho debaixo do braço e fui atrás de recursos financeiros pra gente dar início a esse trabalho. Eu costumo brincar que eu não tenho uma história muito romântica, minha história é meio pragmática, mas foi ao longo do trabalho que eu acabei me apaixonando por esse animal.

Como você elaborou a metodologia de estudar a relação da anta com o meio ambiente?

As metodologias que a gente utiliza foram desenvolvidas aos poucos, conforme a gente foi evoluindo com o trabalho. E já existia um certo corpo de literatura que falava sobre o papel da anta na formação e manutenção de biodiversidade. Então, nós já começamos esse trabalho sabedores de que este animal era extremamente importante, por conseguinte, merecia atenção no mundo da conservação.

A influência que esse bicho tem no ambiente já é conhecida, não somos nós que trouxemos isso à tona. Muita gente que trabalha com interação planta-animal, com frugívora – que é consumo de frutas -, dispersão de sementes, já “cantava essa bola”. Inclusive, foi uma das justificativas para colocarmos esse bicho na nossa listinha dos sonhos do IPÊ.

Você estudou a anta nos biomas Mata Atlântica, Cerrado e Pantanal. Você pode apontar algumas diferenças e semelhanças da vivência deste animal nestes territórios?

A gente começou na Mata Atlântica em 1996, expandimos para o Pantanal em 2008 e para o Cerrado em 2015, e o plano para esse ano, se a pandemia permitir, é expandir para a Amazônia. Em cada programa, em cada bioma, ele tem uma abordagem, uma cara diferente, que reflete a cara e situação do bioma.

Então, qual o principal mote da Mata Atlântica? Temos muito pouco dela, é extremamente fragmentada. A gente estudou a anta nesse contexto, de um animal que vive nos fragmentos de Mata Atlântica, mas explora a paisagem ao redor destes fragmentos, em busca de recursos, ou para se locomover de um fragmento ao outro. Então, foi um trabalho de estudar como a anta lida e dribla com a fragmentação para sobreviver.

No Pantanal, foi absolutamente diferente. É uma grande planície alagável, 160 mil km², Brasil, Paraguai, Bolívia. É uma área contínua e, embora o Pantanal seja uma região economicamente ativa, ou seja, não é uma área protegida, são propriedades privadas com o pessoal criando gado dentro da planície alagável há mais de dois séculos, isso [as práticas] mantém o Pantanal como ele é. Esses proprietários, que mantém as práticas tradicionais pantaneiras não desmatam, deixam a floresta lá porque o gado precisa da sombra, não substituem as pastagens nativas pelas pastagens exóticas, algo comum aqui no Cerrado.

Então, o que a gente encontrou foi a anta no paraíso: população super saudável, alta densidade populacional, os bichos se reproduzindo bem, muito recurso alimentar, muita água. A gente logo se deu conta que estávamos trabalhando com a anta em sua condição ideal. A nossa abordagem no Pantanal é estudar esse bicho como ele deve ser: o que é a anta no habitat natural, sem nenhum tipo de ameaça?

No Cerrado, aí é o “Ó do Borogodó”. São todas as ameaças, tudo que você possa imaginar atuando sobre esse bicho ao mesmo tempo. É o epicentro do “desenvolvimento” do nosso país, o bioma que mais sofre, onde estão as rodovias, os grandes assentamentos urbanos, a maior densidade demográfica, a cana, a soja, as maiores propriedade de criação de gado. É onde está tudo que a gente, normalmente, elenca como ameaça para uma espécie ameaçada. E, aí, é a anta “na coleira”, ela sofrendo diferentes impactos e buscando sobreviver de alguma maneira.

E, na Amazônia, vamos ver o que a gente vai encontrar. Na Amazônia, esperamos um cenário bastante similar ao Cerrado, porque a gente vai trabalhar no entorno da Amazônia, não lá no meião remoto, protegido. A gente vai trabalhar no arco do desmatamento. A ideia é que, em cada uma destas áreas, que têm contextos tão diferentes, que têm ameaças tão diferentes, estudar esse bicho, coletar as informações científicas necessárias pra gente pensar, então, no que é necessário fazer para conservá-los em cada uma destas áreas.

Como é feito o trabalho de conscientização com a população local? Quem são estas pessoas, quando você chega no território, qual é a interação original delas com as antas?

A gente lança mão de uma série de ferramentas. Em todos os lugares onde a gente trabalha, tentamos estar próximos das comunidades. Buscamos identificar quais são os centros comunitários mais frequentados por aquela comunidade: tem igreja, escola, campinho de futebol. E a gente começa se inserir nesses espaços, fazendo apresentações, levando materiais, distribuindo panfletos, fazendo amizade com as pessoas, tomando muito café e costurando um relacionamento com essas pessoas para disseminar a informação.

A gente trabalha muito com educação ambiental para os pequenininhos, então temos materiais que a gente aplica, tem o currículo educacional, que apresentamos para os professores para que eles possam utilizar. Para o pessoal mais adulto, que já entende um pouco mais, a gente está constantemente criando reuniões, oficinas, momentos de compartilhar com essas pessoas o que a gente está tirando em termos de resultados. É uma colcha de retalhos, de diferentes ferramentas e estratégias que a gente utiliza para trazer essa galera para perto da gente.

Patrícia e o time da IPÊ fazem um intenso trabalho de entender e monitorar a anta nos biomas brasileiros.

Quando vocês chegam nesses territórios, vocês conseguem me definir qual é a interação original dessas populações com as antas? Eles têm uma consciência da importância delas?

Normalmente a gente chega no cru. Não existem outros projetos trabalhando de largo prazo, sistemáticos, como o nosso. É trabalho que a gente mesmo foi realizando ao longos dos anos que a gente foi estabelecendo nas diferentes áreas. Então, Mata Atlântica, a gente teve que ir lá e entender o que era a anta para aquele público. Em grande parte, é um animal apreciado para carne, é um animal muito caçado.

Você já vai pro Pantanal, que existe infinitamente menos caça, já é um animal que eles percebem que faz parte daquela paisagem, daquela comunidade vegetal e animal e que tem que ser respeitado e mantido ali. Ou seja, super diferente. No Cerrado, aí é bem mais confuso. Existe um contexto de caça, tem pessoas que apreciam a carne, tem pessoas que caçam para pegar partes do corpo para uso medicinal, para afrodisíaco – tem diferentes interesses aí na caça. E, por outro lado, é um animal bastante percebido como um animal pacato, dócil, um animal que não prejudica em nada as pessoas.

Na nossa área do Cerrado tem o javali, um animal que as populações locais vivem tentando controlar. A anta comparada ao javali é vista como “essa aí não me causa problema algum, então deixa esse bicho quieto”.

Seu trabalho rendeu bastante frutos incríveis com a preservação dos corredores verdes, mas como você lida, emocionalmente falando, com esses ganhos e essas perdas?

A nossa vida ia muito bem até que a gente chegou no Cerrado. Enquanto estávamos na Mata Atlântica, iniciando nosso trabalho, a gente lidava com a questão da fragmentação, já começava a olhar para essa parte das grandes culturas agrícolas. Lidamos muito com as populações de trabalhadores sem terra, mas era um contexto mais trabalhável. Eram atores que a gente conseguia sentar com uma certa facilidade, a gente conseguia acessar esses atores. No Pantanal, foi tudo muito fluido.

Foi quando a gente chegou no Cerrado com essa diversidade de diferentes ameaças que a coisa realmente foi dando uns tapas na nossa cara. Entrava a questão do atropelamento, da agricultura e pecuária em larga escala, da caça, do agrotóxico – começamos a achar esses animais contaminados por diferentes agrotóxicos. A gente começou a ir “ok, estamos lidando com diversas ameaças diferentes, todas elas estão afetando esse animal de diferentes formas, e aí, como a gente vai lidar com isso?”.

Dito tudo isso, emocionalmente, para a gente, ali pelo meio do projeto do Cerrado, a equipe como um todo deu uma murchada. Você está ali, fazendo tudo que você pode para estudar esses bichos, entender o que está acontecendo ali e só encontra as carcaças deles nas rodovias, amostras positivas para uma série de agrotóxicos. Foi muito difícil olhar para tudo isso e falar “ok, vamos continuar”. Mas, graças a Deus, foi o que a gente fez.

[quote text= “Foi quando a gente chegou no Cerrado com essa diversidade de diferentes ameaças que a coisa realmente foi dando uns tapas na nossa cara. Entrava a questão do atropelamento, da agricultura e pecuária em larga escala, da caça, do agrotóxico – começamos a achar esses animais contaminados por diferentes agrotóxicos” color=”#000″ textcolor=”#5d84eb”]

Para terminar, qual a expectativa para essa fase de estudos na Amazônia?

A ideia é trabalhar no arco sul do desmatamento. Entendemos que não somos necessários lá na Amazônia protegida, seremos mais efetivos nas áreas mais impactadas. A gente vai trabalhar em diferentes paisagens, em área remanejada – com coleta seletiva de madeira – em uma de óleo de dendê, em uma de mineração e em uma de agricultura em larga escala, particularmente soja.

O plano é entender o que é anta nessas paisagens, entender mais a fundo como esse animal vive, como ela utiliza estes recursos, se a gente tem populações saudáveis estabelecidas ou se é um contexto similar ao do Cerrado – em que não existe de fato uma população, apenas indivíduos tentando sobreviver. A cara inicial do componente de pesquisa é essa e, devagarinho, quando a gente for costurando os nosso relacionamentos na região, conhecendo as pessoas, os atores, fazendo contatos – boa parte do início do trabalho vai ser esse. Em um segundo momento, entramos com a parte de educação e comunicação.

A ideia era começar em junho, não foi possível, então a gente está adiantando nosso trabalho aqui no Pantanal, que está tranquilo de entrar, e estamos aguardando até setembro para tomar uma decisão sobre subir pra Amazônia.

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