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Intolerância aos Intolerantes: as Conquistas Feministas de 2015

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Pouco antes do fim de novembro, assisti a um debate promovido pela cineasta Lucia Murat por ocasião do lançamento do seu novo filme, Em Três Atos. Também estavam presentes a socióloga Jacqueline Pitanguy e ativista Heloísa Melino. Lucia e Jacqueline são personagens históricas do Brasil. A primeira foi presa e torturada durante a ditadura, na luta pelo nosso país democrático que é hoje tão criticado. A segunda foi presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, órgão criado em 1985 para promover políticas que visassem eliminar a discriminação contra a mulher e assegurar sua participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país.

No momento das perguntas do público, perguntei a elas o que pensavam de todos os avanços do feminismo no Brasil em 2015 e o que esperavam do futuro sob a perspectiva de quem já viu muito em seu passado. Ambas compartilharam comigo e com os ali presentes uma profunda admiração pela mobilização que as jovens feministas estão promovendo, seja online ou tomando as ruas para dizer “Fora, Cunha!”. E uma esperança otimista de que o movimento continuará a dar bons frutos.

Eu gosto de ouvi-las, as feministas que nos precederam, pois elas falam do meu futuro. Desde que passei a me dedicar a causas sociais, aprendi que nada é novidade, apenas adaptamos a mesma luta a novos meios. Se hoje recebemos elogios de feministas de outras gerações, tão somente estamos alinhadas em discurso e, particularmente, isso me enche de orgulho.

2015 foi um ano em que as mulheres entraram em contato com seu próprio poder — e gostaram. A Juliana Romano saiu nua, esplêndida e gorda na capa da Elle, uma das maiores publicações de moda do país, para quebrar estereótipos com apenas alguns cliques. Marcas tremeram diante do poder das mulheres nas mídias sociais: discurso machista não cola mais. Viola Davis, Taís Araújo, Maju e muitas outras mulheres negras não deixaram o racismo passar batido. Vivemos uma era de intolerância aos intolerantes — e agradecemos em grande parte a essas mulheres que não aceitam mais sorrir e acenar diante de opressões e para os opressores.

Ainda que marcante e com tantas conquistas importantes, 2015 não foi um ano fácil para as mulheres. Lembro-me de uma semana especialmente desanimadora de outubro: o PL 5069/13 havia sido aprovado pela Câmara e estava mais perto de ceifar direitos já conquistados; uma menina de 12 anos foi alvo de comentários pedófilos no Twitter na estreia de um programa de tevê em rede aberta nacional; e uma das maiores agências publicidade do país havia sido premiada por uma campanha extremamente transfóbica. Tudo parecia fora de controle, fora do lugar. Senti-me impotente, pequena. E precisei me afastar para fazer uma viagem de trabalho.

Mas foi de longe, e pela internet, que eu vi as mulheres fazendo passeatas contra o projeto de lei e gritando palavras de ordem contra seu redator. Também vi milhares delas compartilhando suas histórias de #PrimeiroAssedio por meio de uma hashtag — criada pela ONG onde trabalho, a Think Olga — que conseguiu mostrar o quão recorrente é esse tipo de assédio e levantar debates sérios sobre o tema. E a tal agência de publicidade foi destituída de seu prêmio, criticada e, ainda que não tenhamos certeza se aprenderam a lição, vão pensar mil vezes antes de repetir a dose.

Além disso, foi quando estive fora que o ENEM trouxe em sua temática a violência contra a mulher e colocou mais de 6 milhões de jovens para pensar na persistência dela em nossa sociedade e, o que é melhor, para propor em uma solução, pois a redação do exame exigiu esse desfecho. E aí o feminismo foi parar na capa de grandes revistas, na boca de celebridades e nas rodas de conversa não apenas de quem o apoia: ele saiu da bolha e entrou de vez na moda.

Retornei para casa cheia de esperança. Não estou sozinha e nem impotente, afinal. E as transformações advindas desse ano de momentos tão negativos continuam a reverberar positivamente: o número de relatos de violência contra a mulher pelo 180 foi 40% maior de janeiro a outubro deste ano comparado com o mesmo período em 2014; houve um aumento substancial na busca por “feminismo” e “empoderamento feminino” no Google; a hashtag #MeuAmigoSecreto uniu as mulheres em mais uma onda catártica de liberdade de expressão e domínio sobre suas próprias narrativas, entre outras conquistas particulares, como a de uma querida amiga que finalmente começou a fazer terapia após criar coragem de relatar os abusos que sofreu na infância a desconhecidos numa rede social.

Despeço-me do décimo quinto ano deste século sabendo que nem eu nem os livros de história jamais o esqueceremos. Mas torço para que as conquistas do feminismo no ano que vem o façam parecer brincadeira de criança.

Texto Por: Luíse Bello para Confeitaria.

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