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Por Que o Governo Bolsonaro é Obcecado Pelo Meio Ambiente

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  • Juliana Aguilera
  • Marina Colerato
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A política anti-ambiental do atual presidente Jair Bolsonaro (PSL) não é novidade para quem acompanhou o período eleitoral de forma atenta. Grande parte das suas promessas sinalizava o que estava por vir: do fim do Ministério do Meio Ambiente à “entrega da Amazônia para exploração estrangeira”. Se, de um lado, muitos eleitores não acreditaram no cumprimento destas promessas, ou não deram atenção para o tema, por outro, agropecuaristas, madeireiros, garimpeiros, mineradoras e as demais faces do extrativismo encontraram nos discursos inflamados do então candidato uma forma de remover empecilhos para a exploração.

Depois de eleito, Bolsonaro está realizando o prometido. Não extinguiu o Ministério do Meio Ambiente, mas a pasta está impedida de cumprir suas funções constitucionais e sob o comando de Ricardo Salles, ruralista condenado por fraude pela Justiça de São Paulo por adulteração de mapa ambiental para favorecer mineradoras enquanto secretário estadual do Meio Ambiente na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo. Salles também é investigado por enriquecimento ilícito, pelo Ministério Público de São Paulo.

Mas o ministro do meio ambiente é só um dentre dezenas de outros nomes com interesses antagônicos aos cargos que ocupam. Luiz Antônio Nabhan Garcia, Secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, agora responsável por temas como reforma agrária, demarcação de terras indígenas e quilombolas, presidiu desde o início dos anos 2000 a União Democrática Ruralista (UDR), criada em 1985 para se opor ao avanço do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Garcia foi, inclusive, acusado de criar milícias para assassinar integrantes de movimentos de reforma agrária. Outro exemplo é Marcelo Augusto Xavier, atual presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), um ruralista cujo principal objetivo é ceder terras indígenas para implementação de megaprojetos extrativistas

Entrevistamos 15 pessoas para esta matéria. Levamos uma única pergunta: por que o Governo Bolsonaro é obcecado pelo meio ambiente? Políticos, jornalistas, ativistas, cientistas e pesquisadores compartilharam suas perspectivas sobre o por quê o atual presidente está colocando em curso o que pode ser considerada a política ambiental mais destrutiva já vista. Não esquecemos que outros governantes, de outras siglas e partidos, até mesmo do lado esquerdo do espectro político, avançaram em agendas de favorecimento de atores privados em detrimento do meio ambiente e da sociedade. Mas “a obsessão do Governo Bolsonaro pelo desmonte das estruturas e órgãos socioambientais não encontra semelhantes na história brasileira”, ressaltou Aldem Bourscheit, jornalista especializado em pautas socioambientais e científicas.

A afirmação de Bourscheit encontra respaldo não só nos nomes com os quais Bolsonaro escolheu se cercar, como também no enfraquecimento de órgãos ambientais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que, em fevereiro, exonerou 21 dos 27 superintendentes regionais e sofreu corte orçamentário de 24%. O órgão passa a trabalhar com orçamento anual de R$ 279,4 milhões, porém suas despesas fixas somam R$ 285 milhões. As consequências já foram sentidas de janeiro a maio: houve queda de ações fiscais e, por conseguinte, diminuição de 34% do número de multas aplicadas por desmatamento ilegal. Outra medida foi a criação de um núcleo de conciliação, que detém poder para mudar e, até mesmo, anular multas realizadas pelo órgão florestal, enfraquecendo sua atuação.

A obsessão do Governo Bolsonaro pelo desmonte dass estruturas e órgãos socioambientais não encontra semelhantes na história brasileira

Outros órgãos também sofreram. O Instituto Chico Mendes (ICMBio) viu sua diretoria e chefias regionais serem tomadas por militares com pouca ou nenhuma experiência na área ambiental. Já o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) presenciou o episódio emblemático da censura do governo aos dados de desmatamento, perdeu Ricardo Galvão, ambientalista reconhecido mundialmente com 49 anos de trabalho no órgão. Em seu lugar, outro coronel: Darcton Policarpo Damião assumiu o cargo prometendo dar “transparência total” aos dados sobre desmatamento no país, sugerindo que os anteriores foram forjados. Uma tentativa de mascarar a verdade ao culpar o emissário pelos números anunciados.

Economia e desenvolvimento para poucos

Para Francisco Milanez, biólogo e Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, parte da explicação sobre o por que o governo Bolsonaro é obcecado pelo meio ambiente está na crença de que a proteção ambiental é uma barreira para os negócios: “eles acreditaram no discurso simplório de que meio ambiente é quem tranca as coisas e, na verdade, não é. Ele é o suporte para toda atividade ser bem desenvolvida. Sem meio ambiente, sem as florestas não há agricultura. A única coisa que regula o clima para poder haver agricultura, que depende da chuva, são as florestas”, explica o biólogo.

Esse pensamento “visão de túnel” anda lado a lado a uma crença bastante antiga de que a natureza existe para ser explorada e quando você a protege de alguma forma você causa subdesenvolvimento. “É quem acha que mineração vai transformar o Brasil em uma potência”, explica Daniele Bragança, editora no site O Eco. Numa visão de mundo onde o homem deve poder fazer uso ilimitado e sem restrições de tudo, espaços sensíveis e protegidos não cabem. Num discurso durante o último congresso da Fenabrave, entidade que representa o setor de concessionárias de veículos, ocorrido em São Paulo, no começo de agosto, o presidente Jair Bolsonaro esteve presente e afirmou que, “com tecnologia, em 20 anos, Roraima teria uma economia próxima do Japão. Lá tem tudo. Mas 60% está inviabilizado por reservas indígenas e outras questões ambientais”.

Enquanto tenta se ancorar num discurso de soberania nacional, ao dizer que parques e terras indígenas foram decretadas por pressão estrangeira, ignorando o fato de que todo arcabouço ambiental de hoje, junto com muitas reservas importantes na Amazônia, como os parques nacionais da Amazônia, Anavilhanas e Jaú, foram criadas durante o regime militar, o governo brasileiro vem se articulando com lobistas americanos para recrutar mineradoras norte americanas para exploração de terras brasileiras. De baixo dos panos, a agenda do governo brasileiro para destruir o meio ambiente com apoio de multinacionais segue firme e forte.

Seria um erro não salientar que a obsessão do Bolsonaro e sua trupe não é só com a Natureza. A destruição é também direcionada a todas as pessoas que não vivem sob a lógica de desenvolvimento estabelecida como norma em seus imaginários. Elas também são consideradas uma barreira que deve ser superada para a expansão econômica. “O Brasil é considerado um dos quatro países com maior número de assassinatos no mundo e grande parte deles acontecem no campo, por questões de terra e ambientais”, lembra Paulo Brack, professor do departamento de Botânica da UFRGS e coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ). “Chegamos a averiguar no mapa de homicídios relativos no Brasil da década passada que a região do arco do desmatamento é a região onde ocorria os maiores índices relativos de homicídios. Entre os dez municípios com maior número de assassinatos no país, pelo menos sete deles estavam nesta região e no centro-oeste”, completa ele.

Seria um erro não salientar que a obsessão de Bolsonaro e sua trupe não é só com a Natureza. A destruição é também direcionada a todas as pessoas que não vivem sob a lógica de desenvolvimento estabelecida como norma em seus imaginários.

Com uma possível aprovação do Projeto de Lei 3715/19, que autoriza o porte de arma no limite de toda a propriedade rural, a situação dos assassinatos por conta dos conflitos no campo deve se agravar. Maurício Angelo, jornalista investigativo e fundador do Observatório da Mineração, afirma que a situação legaliza o extermínio nas zonas de conflito, já que “o produtor rural não vai mais responder por isso”. Os últimos dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) reforçam a violência no campo: a área em disputa nos conflitos teve aumento de 6,5%, de 2017 a 2018, representando 39,425 milhões de hectares ou 4,6% de todo território nacional. Já o número de assassinatos teve queda de 71 para 28 – resultado explicado pelo ano eleitoral que, segundo a organização, registra historicamente índices menores. A CPT já prevê um aumento das mortes no campo em 2019; a organização já registrou 10 mortes violentas apenas nos quatro primeiros meses deste ano.

Despreparo e desconhecimento

Observada por este ângulo, a política anti-ambiental do Governo Bolsonaro pode ser lida como o ápice do capitalismo predatório, seu expansionismo intrínseco e sua visão de ganhos de curto prazo. Mas conforme os desdobramentos dessa política vão se revelando, fica difícil encontrar todas as respostas num desenvolvimento econômico cego.

A Amazônia brasileira em chamas por consequência do desmatamento não é necessariamente a melhor propaganda para o agronegócio e sua atuação no mercado internacional. Antes mesmo dos incêndios no norte do país se tornarem pauta internacional, alguns setores do agro já estavam preocupados com os possíveis efeitos da anti política ambientalista do presidente. Na reportagem de Bernardo Esteves, publicada em junho na revista Piauí, alguns ruralistas assinalaram que as exportações das commodities seriam prejudicadas se a sustentabilidade e o compromisso com o não desmatamento não fossem levados a sério. O que era previsão se tornou realidade: 18 marcas suspenderam a compra de couro do Brasil, entre elas a H&M, segunda maior varejista do mundo. O movimentou preocupou o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), associação do setor que emitiu nota de alerta ao ministro Ricardo Salles.

É por isso que as atitudes da atual gestão frente às questões ambientais suscitam outras explicações. Para Andrea Vialli, jornalista e consultora especializada em sustentabilidade, Bolsonaro não tem densidade cognitiva para compreender as correlações entre meio ambiente e outros temas importantes, como economia, saúde, qualidade de vida. “Por isso, ele propõe, por exemplo, transformar uma área de reserva ambiental importante em Angra dos Reis em algo parecido com Cancún”, exemplifica ela. “Ele não faz a menor ideia de que a área preservada gera serviços ecossistêmicos e atrai turismo para a região, porque ele só concebe a ideia de turismo predatório, invasivo”. Vialli fala da reserva da Estação Ecológica da Tamoios, local onde Bolsonaro foi pego praticando pesca ilegal.

Ivaneide Bandeira, coordenadora da ONG Kanindé, concorda que parte das políticas anti ambientais do presidente estão ancoradas num desconhecimento profundo sobre a pauta ambiental: “porque se você tem uma floresta saudável, você mantém o equilíbrio do planeta. Se você tem uma floresta saudável, você mantém os recursos hídricos que garantem a economia e a agricultura”. Para Marina Silva, historiadora, professora, Ministra do Meio Ambiente nos mandatos de Lula e ex-candidata à presidência pela Rede, é uma mistura de despreparo com descompromisso: “é um governo que atira no escuro o tempo todo. Está prejudicando o agronegócio, a proteção ambiental, as instituições públicas, os interesses estratégicos do Brasil em relação à proteção dos seus ativos, a relação do Brasil com outros países secularmente parceiros e nossos interesses diplomáticos”, explica ela.

Destruição ideológica

Há também uma tentativa incessante, mas ainda não muito bem aceita pela sociedade, de colocar a proteção ambiental como uma pauta partidária da esquerda, como se tudo que não lhe interessa e não lhe é compreendido deva ser colocado como inimigo. “O que o incomoda e não cabe em seus esquemas simplistas não deveria existir. Como recusa terminantemente os direitos humanos, o direitos de reconhecimento e atenção às minorias fragilizadas socialmente, direitos trabalhistas, sistema universitário e de ciências, também recusa, terminantemente a importância, a realidade e o significado do ataque sistêmico ao meio ambiente que seu governo promove”, explica o psicanalista Thales Ab’Saber.

No desmonte da institucionalidade, o setor ambiental é espaço rico para avanço de posturas e tomadas de decisões que tentam ser justificadas supostamente por um posicionamento anti ideológico. Reinaldo Canto, professor de gestão ambiental e sustentabilidade e diretor de projetos especiais da Envolverde, acredita que isso acontece porque o meio ambiente reúne sob a mesma pauta questões caras aos direitos humanos no que se refere à proteção a minorias, como comunidades tradicionais e ribeirinhas; representam pontos importantes que interessam à comunidade internacional, como as mudanças climáticas e a proteção das florestas; contam com a atuação expressiva de inúmeras organizações não governamentais.

“Para um governo que odeia minorias, o respeito às diferenças, a ciência e a globalização, atacar o meio ambiente que, diga-se de passagem, é o maior patrimônio do Brasil, é também atacar tudo que vai contra a visão limítrofe e reducionista que muitos ocupantes do primeiro escalão defendem”, salienta o professor.

Célia Xakriabá, socióloga, antropóloga e liderança indígena, ressalta a afirmação de Canto e Ab’Saber ao ser categórica em dizer que Bolsonaro não é indiferente aos povos originários. “Não é que ele é contra as populações indígenas, ele é muito mais do que isso – não é um pensamento indiferente, é ódio. Ele toma os povos indígenas como inimigos. Então, não se trata apenas de uma pauta econômica e, sim, de princípios e valores pessoais”, afirma. Há um ódio direcionado destilado, inclusive, nos seus 27 anos como deputado.

É um governo que atira no escuro o tempo todo. Está prejudicando o agronegócio, a proteção ambiental, as instituições públicas, os interesses estratégicos do Brasil em relação à proteção dos seus ativos, a relação do Brasil com outros países secularmente parceiros e nossos interesses diplomáticos.

A partir de todos os ângulos de análise, as respostas se convergem e reforçam a vontade incessante do presidente ser notado e percebido como alguém que está acima de tudo e de todos. “Bolsonaro não para de fugir de falar do ambiente simplesmente porque não vai parar de ‘ser falado’, nem hoje, nem na história, sobre o que representa para o meio ambiente: a redução de toda vida a um modo primitivo e tosco de produção de Capital barato e antigo. O que, muito provavelmente, é de fato o signo real de todo o seu governo”, acrescenta Ab’Saber.

Nesta cruzada egóica, o Brasil assiste Bolsonaro e seus subalternos políticos dançarem um tipo de marcha fúnebre que não homenageia o falecido, mas sim celebra o que será posto em seu lugar. Ao que tudo indica, a procissão só está começando.

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