Dando continuidade ao trabalho do Instituto Modefica de colher, sistematizar e publicizar dados e informações que possam subsidiar tomadas de decisão orientadas para a sustentabilidade na indústria da moda, desenvolvemos a cartilha Fibras do Cuidado: Algodão Agroecológico. No presente material, financiado parcialmente com o recurso semente do Colabora Moda Sustentável, escolhemos olhar para as relações de produção e como elas têm se dado na rede produtiva do algodão agroecológico, especificamente no semiárido nordestino, onde a produção está mais bem organizada e o plantio do algodão tem sido resgatado desde o início da década de 1990.
A pesquisa, apresentada em forma de cartilha, é um projeto piloto e olha para uma rede de produção de uma fibra e contexto específicos. Não é somente possível, como recomendável, que esforços como esse sejam ampliados para outras regiões, analisando também os contextos de outras fibras vegetais produzidas por outros grupos produtivos em território nacional.
Fibras do Cuidado é um dos desdobramentos oriundos dos diálogos possibilitados pelo relatório “Fios da Moda: Perspectivas Sistêmicas Para Circularidade”, no qual propomos contextualizar a economia circular para o Sul Global, com especial enfoque na indústria têxtil. Na realidade brasileira, é imperativo climático priorizar o investimento em fibras ambiental e socialmente regenerativas, produzidas em modelos agroecológicos. Como destacam diversos relatórios da ONU sobre o tema, superar o atual modelo de agricultura extensiva é imprescindível para mitigação da crise climática, construção de comunidades resilientes e segurança alimentar.
No entanto, tal transição é extremamente desafiadora por uma série de fatores. Embora a indústria da moda seja ávida por tecidos ecológicos e produções com apelo ético, estabelecer redes alternativas de produção exige cuidar das relações e de seus diversos atores de interesse. Não é possível inserir novos arranjos produtivos na lógica comprador-fornecedor, pois eles operam em um tempo, espaço e contexto diferentes. Criar, ampliar e fortalecer a existência desses modos de produção alternativos implica, portanto, em um esforço coletivo não só de investimento financeiro, mas também: i) de um contínuo processo de educação sobre as possibilidades e formas de transformações sistêmicas; e ii) como isso se dá na prática, nas relações de produção com os grupos de cooperados na agroecologia dentro da rede produtiva da moda.
Como o próprio nome indica, Fibras do Cuidado é um projeto focado na divulgação e fortalecimento de redes de produção centradas no cuidado com os seres humanos, não humanos e a natureza. Nesse sentido, estamos falando de regeneração em dois aspectos: ambiental e social. No aspecto ambiental, enfatizamos que a produção agroecológica tem capacidade regenerativa de solos degradados e recuperação (ou manutenção) dos ecossistemas locais por meio da produção agrária biodiversa. Já do ponto de vista social, esse modelo promove a agricultura de subsistência e, consequentemente, a segurança alimentar, ao mesmo tempo em que incentiva o desenvolvimento do campo e diminui a necessidade de migração. Além disso, a produção agroecológica também contribui para a valorização dos saberes locais e tradicionais junto à construção de novos conhecimentos, incentivando a reconstrução de laços sociais e interdependência comunitária.
Ao unir jornalismo, pesquisa e educação com uma perspectiva interseccional e relacionada à ética do cuidado, a cartilha Fibras do Cuidado: Algodão Agroecológico auxilia na tomada de conhecimento sobre tais modelos produtivos e promove uma cultura de cuidado entre os diversos atores do setor. Assim, apresentamos um instrumento aos atores buscando acessar alternativas de matérias-primas têxteis, àqueles que estão construindo ou estruturando redes alternativas de fornecimento desses materiais, assim como jornalistas, pesquisadores/as e organizações buscando promover, incentivar, financiar e fortalecer grupos produtivos.