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Falência da Forever 21 Não Significa o Fim do Fast Fashion

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  • Marina Colerato
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Victória Lobo

8 min. tempo de leitura

No final de setembro, a rede de fast fashion norte-americana Forever 21 entrou com pedido de recuperação judicial e tem planos de fechar mais de 300 lojas e cessar operação em 40 países nos próximos meses. A varejista de 35 anos, que chegou a faturar 4 bilhões de dólares em 2015 (cerca de R$ 16 bilhões) e viu filas se formarem na porta de suas lojas recém-inauguradas, agora acumula dívidas de 1 a 10 bilhões de dólares para mais de 100 mil credores. O pedido de recuperação judicial veio junto com empréstimos de 350 milhões de dólares (cerca de R$ 1.4 bilhão)  para ajudar a empresa se reorganizar e reposicionar o negócio. 

A falência de uma marca símbolo do modelo de fast fashion suscitou uma série de conclusões sobre estarmos chegando ao fim de uma era, uma era marcada pelo consumo desenfreado de roupas baratas. Apoiadas na ascensão do debate sobre sustentabilidade, transparência e “consumo consciente”, o que estas conclusões falham em analisar são dados e contextos. Um olhar atento e cuidadoso para ambos revelará que, na verdade, a falência da Forever 21 está mais relacionada com falta de estratégia e dificuldade de se adaptar a um mercado cada vez mais dinâmico do que preocupação socioambiental dos consumidores. 

A nova era do fast fashion é digital  

Dois imigrantes coreanos começaram a Forever 21 em 1984. No seu primeiro ano, a loja faturou 700 mil dólares em vendas. A empresa cresceu centrada na comunidade coreana de Los Angeles e desde o começo baseou sua operação na venda de roupas baratas. Aos poucos, a Forever 21 foi aprendendo a incorporar tendências de moda assim como todas as outras grandes varejistas, que deixaram de ser apenas lojas de departamento para se tornarem símbolos de uma era. 

No processo, a Forever 21 se expandiu para muito além da Califórnia e dos Estados Unidos, abrindo lojas na Ásia, Europa, América Latina, Canadá e México. Impulsionada pelas receitas bilionárias de 2015, a marca seguiu abrindo cada vez mais lojas e aumentando o tamanho das lojas já existentes, incorporando outros departamentos como masculino e decoração. Uma estratégia que resultou em aglutinação de lojas e dificuldade de entregar produtos novos e diferentes no volume e velocidade demandadas pelos consumidores. A falta de criatividade da Forever 21 a fez se tornar uma piada entre seu próprio público, que rapidamente notou produtos cada vez mais iguais e nada novos, e tornou a ida às lojas cada vez menos frequentes e interessantes. 

Enquanto isso, o e-commerce estava crescendo, a Amazon entrou para a venda de roupas e o Instagram ajudou a impulsionar novas marcas de fast fashion – modelos ainda mais rápidos, pouco preocupados com sustentabilidade e totalmente orientados pelo varejo online, como a Fashion Nova, Boohoo, Missguided, Asos e, no Brasil, a Amaro. A Forever 21 não conseguiu acompanhar essa mudança, seguiu abrindo lojas físicas e não investindo o suficiente no varejo online. Apesar do público jovem e altamente digital, o e-commerce da Forever 21 permanecia estagnado com uma representatividade de apenas 16% das vendas. 

Mas não foi só a Forever 21 que sentiu no bolso o surgimento feroz das fast fashion digitais. Os dois maiores grupos de varejo de moda do mundo, a Inditex, detentora da Zara, e o grupo H&M, que detém a H&M e outras marcas mais conhecidas na Europa, também viram seus negócios desacelerarem depois do pico de 2015. Ambas as corporações suaram a camisa para chegar nos últimos resultados divulgados: em 2019, os lucros da H&M voltaram a crescer após queda de dois anos e a Inditex destacou que as vendas líquidas superaram € 12,82 bilhões (R$ 57 bilhões) pela primeira vez, um crescimento de 7% em relação ao ano anterior e o lucro líquido atingiu um novo marco de 1,55 bilhão de euros (R$ 6,89 bilhões), um aumento de 10% quando comparado ao mesmo período de 2018.

Enquanto isso, os únicos problemas enfrentados pelas novas fast fashion são dificuldades para acompanhar a demanda. A logística para atender o crescimento rápido e o aumento exponencial das vendas têm, paradoxalmente, gerado dificuldades e impedido essas varejistas de alcançarem resultados melhores. Nos resultados do primeiro semestre, a Boohoo registrou um crescimento de 62% nas vendas nos EUA. A ASOS apresentou um crescimento de 8% nas vendas no país no mesmo período, número que acredita que poderia ter sido maior sem os problemas operacionais.

No Brasil, a Amaro, que não revela números de venda e lucro, entrega cerca de 10.000 novos produtos por ano e afirma que dobrou sua receita ano a ano desde seu lançamento, em 2012, e projeta 1,5 milhão de itens vendidos em 2019. Lembrando que esses números prósperos convivem com um período de crise num país onde quase 13 milhões de pessoas estão desempregadas, com renda média encolhida e recorrendo a roupas de segunda mão para se vestir e acessar a moda. Você consegue imaginar como esses números seriam num cenário econômico “positivo”?

O que os dados e contextos nos mostram é que o varejo de roupas segue bem e as pessoas seguem comprando uma boa parte das 100 bilhões de peças de roupas produzidas anualmente. O que mudou foi a forma como essas roupas são compradas, a velocidade que elas são produzidas e entregues e os nomes que estão no topo do jogo. 

Onde entra a sustentabilidade? 

Talvez você esteja se perguntando: será que todo o movimento de sustentabilidade não tem nem arranhado as estruturas? Bem, seria injusto não mencionar que a H&M e Zara, cada uma à sua maneira, têm trabalhado em práticas para atender a demanda de sustentabilidade de uma parte dos consumidores. Até mesmo a Amaro tem tentado pincelar um verde nos seus produtos. Novos modelos de negócio que trabalham com venda de roupas usadas ou aluguel de roupas, junto com marcas com forte apelo sustentável, também estão prosperando e se mostrado viáveis no cenário atual. 

Mas esse aumento do consumo de marcas “sustentáveis” não tem abalado a realidade do mercado como um todo. O varejo não é uma matemática exata, o que significa que muitas marcas, nichos e vertentes podem coexistir. Um exemplo talvez seja a questão da alimentação: o movimento vegano só cresce, mas a pecuária também. O aumento da procura por produtos orgânicos é real, mas nós estamos consumindo cada vez mais agrotóxicos. Num modelo econômico onde o crescimento contínuo é imperativo é completamente compreensível que haja espaço e mercado para uma diversidade crescente de atores e de novos mercados. 

Enquanto as pesquisas mostram que pessoas querem sustentabilidade, as fast fashions de Instagram e lojas de desconto, que estão crescendo a passos largos, são tão opacas e vagas em relação ao seus processos produtivos quanto a Forever 21. Esse é um paradoxo complexo e realmente difícil de acompanhar, mas é real. Uma explicação importante talvez resida no fato dos respondentes de pesquisas nem sempre dizerem a verdade. Ou seja, o que eles afirmam fazer nas pesquisas não é o que, de fato, eles fazem na prática. Em questionários e pesquisas, as pessoas normalmente querem se sentir melhor que os outros, têm vergonha de falar a verdade, querem parecer mais ético e não querem se mostrar ultrapassados. 

Outro ponto muito significante para a discrepância entre desejo e ação é que muitas das pessoas nem sabem como fazer escolhas mais sustentáveis em primeiro lugar e desconhecem informações muito básicas. Numa pesquisa lançada recentemente, 44% dos respondentes disseram não saber que a garrafa pet é produzida a partir do petróleo. Se você não tem base de conhecimento sobre as coisas, dificilmente fará escolhas melhores. Além disso, as pessoas se sentem confusas pela quantidade de informações – muitas vezes antagônicas – que recebem sobre o que é sustentável e o que não é. E mesmo munidas de informações assertivas, elas percebem que fazer escolhas sustentáveis não é uma missão simples. Outras tantas vezes, a questão individual do desejo por um determinado produto simplesmente fala mais alto

Para onde estamos indo

Uma pesquisa recente publicada na Business Harvard Review mostrou que “produtos sustentáveis” têm tido aumento significativo no volume de vendas, mas as categorias que têm visto isto acontecer estão ligadas a alimentos e produtos de higiene. Do lado da moda, podemos recorrer a mais dados para entender onde estamos e o que está acontecendo. O último relatório do Global Fashion Agenda em parceria com a Sustainable Apparel Coalition revelou que enquanto o crescimento da indústria da moda é de 4% a 5%, os investimentos em sustentabilidade desaceleraram, com 40% do mercado investindo nada ou quase nada em sustentabilidade. 

No seu texto para o Slate, Elizabeth Cline encerra dizendo:

“O fato de pensarmos que a moda descartável acabou indica que entramos em uma nova fase de nossa cultura de consumo, que eu gosto de chamar de consumismo furtivo ou falso minimalismo, a fase na qual não mais registramos ou percebemos o quanto compramos. […] Não paramos de fazer compras – longe disso. O consumo agora é executado silenciosamente e despercebido no piloto automático na privacidade de nossas casas e no fundo de nossas vidas.

Agora, as pessoas gostam de se identificar como minimalistas, e não como consumidores (existe toda uma indústria caseira de livros, blogs e filmes sobre como viver com menos). Gostamos de dizer que gostamos de experiências, não de coisas, e que o consumo consciente é o novo normal. Mas nossa cultura de roupas descartáveis está viva e bem. Está sempre ligada e sempre funcionando. Apenas tornou-se um não-evento”. 

Basicamente, o modus operandi do capitalismo se impõe novamente e cá estamos nós achando que estamos mudando o rumo das coisas quando, na verdade, estamos apenas abrindo novos mercados. Algumas realidades precisam ser consideradas para haver responsabilidade no debate sobre sustentabilidade e consumo: pessoas são bombardeadas com mais de 3 mil anúncios e contato com marcas por dia, o big data está servindo para nos vender cada vez mais coisas, o consumo se tornou a principal forma como nos relacionamos com o mundo e não temos coragem de assumir que o modelo de crescimento e produção infinitos está no coração da nossa crise ambiental, quem dirá desafiá-lo. A Forever 21 pode falir, a produção de roupas sustentáveis pode aumentar, mas nada disso deve nos afastar do questionamento real: estamos indo para algum lugar realmente diferente e realmente melhor? 

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