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Porquê essa Estudante está Processando o Governo por Causa dos Riscos Financeiros da Crise Climática

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À medida que o mundo esquenta, o valor de investimentos "seguros" pode estar em risco por conta de políticas de mudanças climáticas inadequadas. Esse prospecto é reforçado por um processo inédito acerca das mudanças climáticas apresentado na corte federal australiana em julho.

Katta O’Donnell – uma estudante de direito de 23 anos de Melbourne – está processando o governo australiano por não divulgar os riscos das mudanças climáticas para investidores de títulos soberanos da Austrália.

Títulos soberanos envolvem empréstimos em dinheiro de investidores a governos por um período determinado, a uma taxa de juros fixa. Eles são, geralmente, considerados a forma mais segura de investimento. Por exemplo, muitos australianos investem em títulos soberanos através de seus fundos de aposentadoria.

Mas como a mudança climática apresenta grandes riscos para nossa economia e para o meio ambiente, a reivindicação de O’Donnell é um alerta ao governo de que ele não pode mais enterrar sua cabeça na areia quando se trata dessa vulnerabilidade.

Os argumentos de Katta O’Donnell

Katta argumenta que as fracas políticas climáticas da Austrália – classificadas entre as mais baixas do mundo industrializado – colocam a economia em risco devido às mudanças climáticas. Ela diz que os riscos relacionados ao clima devem ser adequadamente divulgados em documentos informativos aos investidores de títulos soberanos.

A reivindicação de Katta alega que, ao não divulgar essas informações, o governo federal viola seu dever legal. O texto afirma também que o governo australiano se envolveu em conduta ilusória e enganosa, e funcionários do governo violaram seu dever de cuidado e diligência.

Este é um padrão compartilhado com os diretores de empresas australianos. A análise dos principais advogados indica que os diretores que não consideram os riscos climáticos podem ser responsabilizados por violar seu dever de cuidado e diligência. Katta argumenta que as autoridades do governo que fornecem informações aos investidores de títulos soberanos devem atender à mesma referência.

Mudança climática como risco financeiro

Sob as mudanças climáticas, o mundo já está passando por impactos físicos, como secas intensas e incêndios florestais sem precedentes. Mas também estamos experimentando os “impactos de transição” das medidas que os países tomam para evitar mais aquecimento, como a transição do carvão. Combinados, esses impactos das mudanças climáticas criam riscos financeiros. Como, por exemplo, danificando propriedades, ativos e operações ou reduzindo a demanda por combustíveis fósseis com o risco de que as minas e reservas de carvão se tornem ativos ociosos.

Esse pensamento está se tornando popular entre os economistas australianos. Como Geoff Summerhayes, da agência Estatal Autoridade de Regulação Prudencial da Austrália (“Australian Prudential Regulation Authority”), declarou: “quando um banco central, um regulador prudencial 1 Um tipo de regulamentação financeira que exige que as empresas financeiras controlem riscos e mantenham capital adequado, conforme definido pelos requisitos de capital, requisitos de liquidez, pela imposição de limites de risco de concentração (ou grandes exposições), e pelos respectivos relatórios e requisitos de supervisão e divulgação pública controles e processos. e um regulador de conduta, com apenas uma barba hipster ou camisa de cânhamo entre eles, começam a avisar que a mudança climática é um risco financeiro, fica claro que a posição agora é um pensamento econômico ortodoxo”.

Por que investimentos seguros estão ameaçados

Os títulos soberanos são um investimento de longo prazo. Os títulos de Katta O’Donnell, por exemplo, vencerão em 2050. Esses prazos se encaixam em projeções científicas sobre quando o mundo verá graves impactos e custos das mudanças climáticas. E as mudanças climáticas provavelmente atingirão a Austrália de maneira particularmente forte. Vimos o começo disso nos ferozes incêndios florestais do verão, que custaram à economia mais de AUD$ 100 bilhões (R$ 369 bilhões).

Com o tempo, os riscos climáticos podem afetar os títulos soberanos e afetar a posição financeira da Austrália de várias maneiras. Por exemplo, ao impactar o PIB quando a capacidade produtiva da economia for reduzida por incêndios ou inundações graves.

Desastres frequentes relacionados ao clima também podem afetar as taxas de câmbio, causando flutuações do dólar australiano e colocando em risco a classificação de crédito AAA da Austrália. Esses riscos reduziriam se o governo levasse as mudanças climáticas mais a sério.

Alguns investidores já estão dando meia volta. Em novembro passado, o banco central da Suécia anunciou que havia vendido títulos da Austrália Ocidental e de Queensland, afirmando que a Austrália “não é conhecida pelo bom trabalho climático”.

Sem precedentes, mas não inovador

O caso de Katta contra o governo federal é um caso climático sem precedentes, mesmo que seus argumentos não sejam novos. A Austrália tem sido um “hotspot” para litígios climáticos nos últimos anos, mas o caso O’Donnell é o primeiro a processar o governo australiano em um tribunal australiano.

Casos anteriores de governos processados levantaram, muitas vezes, questões de direitos humanos, como o caso Urgenda de 2015, contra o governo holandês – o primeiro caso no mundo que estabelece governos deve a seus cidadãos o dever legal de impedir as mudanças climáticas. Pelo seu foco em títulos soberanos, o processo aberto por Katta é único, mas casos que apontam as divulgações enganosas relacionadas ao clima não são novos.

Na Austrália, os acionistas processaram o Commonwealth Bank of Australia, em 2017, por não divulgar os riscos relacionados às mudanças climáticas em seu relatório anual de 2016. O caso foi resolvido depois que o banco concordou em melhorar as divulgações em relatórios subsequentes.

Em outro caso de manchete, o operário de 23 anos, Mark McVeigh, está levando seu fundo de aposentadoria, o Retail Employees Superannuation Trust, a um tribunal em busca de divulgações semelhantes. O caso de Katta baseia-se nessa linha de precedentes, estendendo-o às divulgações em documentos de informações sobre títulos. Como tal, os tribunais provavelmente levarão isso a sério.

Que precedente o caso pode estabelecer?

Se o caso de Katta for bem-sucedido, poderá estabelecer a necessidade de divulgação de riscos financeiros relacionados ao clima para uma série de investimentos.

No mínimo, uma decisão a favor de O’Donnell pode obrigar o governo australiano a divulgar riscos relacionados ao clima em seus documentos de informação para investidores. Isso pode fazer as pessoas pensarem duas vezes sobre como eles escolhem para investir seu dinheiro, principalmente porque os investidores procuram “esverdear” seus portfólios.

Também poderia chamar atenção a litígios usando a mesma teoria legal em reivindicações de divulgação de títulos soberanos contra outros governos, da mesma forma que o caso Urgenda gerou réplicas dos processos da Bélgica ao Canadá.

Ainda não se sabe se o caso impulsiona outras ações do governo para melhorar a eficácia das políticas climáticas da Austrália. Entretanto, é claro que os riscos financeiros relacionados ao clima entraram na sala da diretoria corporativa. Nesse caso, agora eles batem à porta do governo australiano.

Texto escrito por Jacqueline Peel e Rebekkah Markey-Towler. Artigo originalmente publicado em The Conversation e traduzido para o Modefica sob licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.

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