As estimativas globais de escravidão moderna, que incluem trabalho e casamento forçado, aumentaram desde o último relatório de 2017 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Novos dados apontam que, hoje, quase 50 milhões de pessoas são forçadas a trabalhar ou conviver em um casamento contra a sua vontade. A população mais afetada está em maior situação de vulnerabilidade: incluindo pessoas pobres, trabalhadoras da economia informal e migrantes. As mulheres e crianças estão mais presentes no trabalho doméstico forçado, casamento forçado e exploração sexual.
O documento, desenvolvido pela OIT, Walk Free e pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), aponta que as atuais crises – do coronavírus, conflitos armados e emergência climática – levaram “a rupturas sem precedentes no emprego, educação, aumento na pobreza extrema e migração forçada e insegura e nos relatos de violência de gênero”. Já o Banco Mundial indica que a pobreza extrema atual – uma métrica de risco no caso do trabalho forçado – está em taxas maiores do que a pré-pandemia.
A escravidão moderna é definida, globalmente, a partir de dois componentes: o trabalho e o casamento forçados. Ambos se referem a situações de exploração, no qual uma pessoa não pode recusar a situação, e que é movida a base de ameaças, violência, engano, abuso de poder. A Convenção de Trabalho Forçado da OIT, de 1930, também reforça a denominação de “trabalho forçado” nessas estruturas. Esta condição, hoje, é responsável por 27,6 milhões de casos – sendo 11,8 milhões (44%) mulheres e meninas e 3,3 milhões crianças (12%).
A maior parte (83%) do trabalho forçado acontece na economia privada, sendo 23% na exploração sexual. O relatório estima que 6,3 milhões de pessoas estejam em situação de exploração sexual a todo momento, sendo o sexo um fator determinante: quase quatro em cinco pessoas são mulheres ou meninas. Ou seja, elas são 5 milhões dessa fatia. As mulheres também são mais propensas ao trabalho doméstico forçado e ao casamento forçado – elas são o dobro em ambos casos, sendo 1 milhão e 14 milhões, respectivamente.
Essa categoria de trabalho forçado inclui envolvimento forçado de adultos e crianças na exploração sexual comercial, na produção de materiais de abuso sexual e em novas formas de exploração sexual baseadas na internet. O tráfico de pessoas é um mecanismo considerado pelo relatório nesse universo: o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime “relata vários casos de colaboração entre grupos criminosos especializados em recrutamento e intermediação de mulheres para exploração sexual comercial em um país de origem e outras redes criminosas especializadas em sua ‘revenda’ e abuso nos países de destino”.
O relatório estima que 6,3 milhões de pessoas estejam em situação de exploração sexual a todo momento, sendo o sexo um fator determinante: quase quatro em cinco pessoas são mulheres ou meninas. Ou seja, elas são 5 milhões dessa fatia. As mulheres também são mais propensas ao trabalho doméstico forçado e ao casamento forçado – elas são o dobro em ambos casos, sendo 1 milhão e 14 milhões, respectivamente.
Os traficantes costumam usar falsas promessas de oportunidade de trabalho no exterior como uma manobra para recrutar mulheres e, cada vez mais, esse contato se faz por meio das mídias sociais e sites. As vítimas costumam relatar abuso psicológico como meio mais frequente pelo qual são controladas, seguido de restrições à sua liberdade e ameaças feitas a elas ou seus entes queridos.
As mulheres são mais propensas a serem coagidas por falta de pagamento de salários e abuso de vulnerabilidade, violência física e sexual e ameaças contra membros da família. Migrantes enfrentam riscos maiores do que outros trabalhadores, sendo a prevalência do trabalho forçado de trabalhadores migrantes adultos três vezes maior do que a dos adultos não-migrantes. Esse número deixa claro a vulnerabilidade deste grupo perante as leis e a falta de liberdade para exercer seus direitos.
As inúmeras crises no mundo, o deslocamento populacional e a vulnerabilidade aumentada têm criado um terreno fértil para o tráfico humano. Alguns países neste quadro são: Ucrânia, Colômbia, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Iraque, Líbia, Mali, Mianmar, Somália, República Árabe da Síria.
Meninas na escravidão moderna: trabalho e casamento forçado
O documento afirma que, apesar do número alarmante de 3,3 milhões de crianças neste quadro, ainda existem restrições de dados, então o que é de conhecimento pode ser apenas “a ponta de um iceberg”. O trabalho forçado ocorre em diversos setores econômicos e industriais, sendo que metade das crianças se concentram na exploração sexual comercial – trabalho doméstico, agricultura e manufatura são outros setores. Relatos qualitativos indicam que crianças podem ser submetidas a formas severas de coerção e abuso, incluindo sequestro, drogas, cativeiro, engano e manipulação de dívidas. Alguns dos piores abusos ocorrem em situações de conflito armado.
O casamento forçado, no caso de mulheres e meninas, no entanto, é amplamente disseminado globalmente, ocorrendo em todas as regiões do mundo e atravessando linhas étnicas, culturais e religiosas. A ação é intimamente ligada a práticas patriarcais, como a visão, em muitas partes do mundo, que o valor de uma menina está no seu futuro papel como mãe e esposa. “Ela é concebida como tendo pouco valor econômico para sua própria família, reforçando leis de herança que levam homens e meninos a herdar os bens da família, assim como a priorização da educação para eles”, destaca o relatório.
Entre as regiões mais comuns para a prática do casamento forçado estão: Ásia e Pacífico, no qual foram registrados quase dois terços dos casos. Há também destaque para países de renda média baixa (três a cada cinco pessoas). Os atores responsáveis por esse cenário são, em sua maioria, países (73%) e outros parentes (16%). Metade dos que vivem em casamentos forçados foram coagidos usando ameaças emocionais ou abuso verbal. Isso inclui o uso de chantagem emocional – por exemplo, pais ameaçando se automutilar ou afirmando que a reputação da família será arruinada – e ameaças de afastamento de membros da família, entre outras coisas. Uma vez forçado a se casar, há maior risco de exploração sexual, violência, servidão doméstica e outras formas de trabalho forçado dentro e fora de casa.
O casamento forçado, no caso de mulheres e meninas, no entanto, é amplamente disseminado globalmente, ocorrendo em todas as regiões do mundo e atravessando linhas étnicas, culturais e religiosas. A ação é intimamente ligada a práticas patriarcais, como a visão, em muitas partes do mundo, que o valor de uma menina está no seu futuro papel como mãe e esposa.
A ONU considera o casamento infantil uma forma de casamento forçado, uma vez que uma ou ambas partes não podem expressar consentimento livre e informado. No entanto, em muitos países, jovens de 16 e 17 anos podem se casar, logo, para efeito de estimativa atual, a medição destes números foi limitada a casos nos quais os entrevistados das pesquisas relataram terem sido forçados ao casamento. Como resultado, estes números, mais uma vez, não incluem todos os casos de casamento infantil.
O relatório sentecia que “nada pode justificar a persistência da escravidão moderna no mundo de hoje” e finaliza com as principais políticas que devem ser abordadas para acabar com o trabalho e casamento forçado antes da data de 2030 estipulada pelos ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU. São citados: “estender a proteção social, incluindo pisos, a todos os trabalhadores e suas famílias, para mitigar a vulnerabilidade socioeconômica que sustenta grande parte do trabalho forçado; proteção social aos migrantes; fortalecer o alcance e capacidade de inspeções públicas do trabalho; assegurar a proteção e acesso à reparação das pessoas libertadas do trabalho forçado, as respostas legislativas devem ter uma lente de gênero, incluindo leis, políticas, programas e orçamentos sensíveis ao gênero e cobertura de direitos trabalhistas a trabalhadores domésticos”.