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Couro ou Sintético? O Que Levar Em Consideração Antes de Fazer a Sua Escolha

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  • Marina Colerato
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12 min. tempo de leitura

Frequentemente me perguntam se "é melhor comprar uma peça de couro ou uma de material sintético?". Bem, eu não gosto de simplesmente colocar um como "bom" e outro como "mau" porque as coisas nunca são assim tão simples. É preciso olhar mais a fundo para o processo de produção dos dois produtos para chegarmos à melhor conclusão.

Antes de qualquer coisa, é importante entender as nomenclaturas da indústria sobre couro. Por lei, a palavra “couro” só pode ser usada para descrever peles de animais. Os termos “couro sintético” e “couro vegetal” têm uso proibido no Brasil. Em inglês, você pode encontrar os termos faux leather, patent leather, ou man-made material, todos para designar material sintético.

Por aqui, a nomenclatura usada para materiais provenientes do petróleo é “material sintético” (PU, polietileno ou PVC). O termo “material tecnológico” também vem aparecendo por aí, mas não deixa de ser um material sintético. Já o “couro vegetal” normalmente era usado para falar sobre uma espécie de borracha com aparência de couro proveniente da Amazônia. Hoje, peças feitas com esse material contam com os termos “látex” ou “borracha”.

Couro ecológico às vezes é usado para designar materiais sintéticos, às vezes para designar materiais de origem vegetal. É uma nomenclatura confusa, então é preciso sempre confirmar o que a marca quer dizer com couro ecológico, já que o termo, mesmo sendo proibido, ainda é usado. Couro natural é simplesmente couro. Por conta da variedade de materiais e certa confusão das nomenclaturas, marcas que trabalham com couro passaram a usar o termo “couro natural” ou “couro legítimo”.

Por fim, o couro ecofriendly normalmente se refere ao material curtido com taninos vegetais ao invés de metais pesados e corantes sintéticos. Mas é importante confirmar essa informação com a marca porque hoje os termos ecofriendly e sustentável vêm sendo usados sem muitos critérios. Esse tipo de material não é comum na indústria.

Questão de ética e respeito aos animais

Uma série de coisas deve ser levada em consideração nessa escolha para ela poder ser, de fato, consciente. A primeira delas é a questão animal, afinal, animais não são produtos. Entretanto, falando de mercado de massa (e não de mercado de luxo), é importante lembrar que o couro é apenas a ponta de um iceberg.

Enquanto vivermos numa sociedade onde a carne e o leite são consumidos de maneira exagerada, o couro e outros produtos provenientes do abate animal, como a banha e o colágeno, estarão sempre disponíveis no mercado. Não podemos jamais desconsiderar a alimentação quando o assunto é couro.

Uma vaca leiteira, por exemplo, vive apenas cerca de 5 anos, quando seu ciclo de vida natural seria de 20, isso porque seu corpo não aguenta a produção forçada de leite (cerca de 4 vezes mais do que o natural). Quando essas vacas morrem, suas peles são prontamente vendidas. O couro de vitelo também é, em grande parte, resultado da indústria leiteira. Um dia depois de dar à luz, os filhotes machos ou são vendidos para outras fazendas de abate ou são confinados em cubículos para se tornarem baby beef.

Não que a indústria do couro não seja valiosa por si só. Mas ela está muito relacionada e dependente da produção pecuária para alimentação. Se houver uma queda na produção de animais para carne e leite, a disponibilidade do couro de vaca e porco no mercado, sem dúvidas, seria outra. Não é coincidência que os países com maior disponibilidade de carne, como Brasil e Índia, são também os países mais reconhecidos pela abundância de couro e estão entre os maiores exportadores do mundo.

No âmbito da ética animal, é importante abrir mão do couro de qualquer animal, mas é mais importante e urgente rever o consumo diário de produtos de origem animal na alimentação. Apenas deixar de consumir produtos de couro não ajuda muito minimizar o abate dos animais.

O couro, o petróleo e o meio ambiente

A ideia de que o couro é um produto natural, biodegradável e menos impactante ao meio ambiente permeia o consciente coletivo. O couro cru é um material natural, mas antes do couro chegar em nossas mãos em forma de bolsas, sapatos, cintos e jaquetas, ele passa por um extenso processo químico extremamente poluente. E, ainda antes, a matéria-prima está relacionada com desmatamento e mudanças climáticas por conta da pecuária industrial.

Arsênico, cromo e outros metais pesados são usados para transformar uma pele que apodreceria em poucas dias em um “material durável”. Países da Ásia e da África já veem rios completamente tingidos e poluídos com cromo e arsênico, e comunidades inteiras doentes por ingerir os resíduos não tratados da indústria. The Toxic Price Of Leather, um curta-documentário excelente responsável por mostrar os impactos da indústria na cidade de Kanpur, na Índia, e What Are Your Shoes Stepping On? refletem bem a realidade dos curtumes

No Brasil, a legislação é um pouco melhor, sem dúvidas, mas mesmo que a indústria respeite todas as leis ambientais, o que sabemos não acontecer, produzir couro consome 20% mais energia do que produzir um material oriundo do petróleo, como o PU (Siegle 2014). Em todo o seu ciclo, o couro sintético tem apenas um terço do impacto ambiental do couro e é o material mais impactante para o meio ambiente quando comparado com as dez matérias-primas mais comuns na indústria da moda.

Por fim, não existe couro “biodegradável” não só por que a pele passa por um tratamento químico intenso, como também porque tudo que vai parar em aterros sanitários, ambientes anaeróbios, não biodegrada independente de ter propriedades biodegradáveis ou não. Em comparação ao material sintético, a opção natural degrada mais rápido, de fato, porém o seu processo de degradação gera gases poluentes da mesma maneira.

Vídeo da marca meio francesa, meio brasileira, Vert. Ela usa couro com curtimento vegetal e látex da Amazônia em seus tênis.

Entendendo qualidade e ponderando durabilidade

Uma das questões mais complicadas na comparação couro e sintético é qualidade e durabilidade. O material sintético é extremamente durável, afinal, ele é feito do mesmo material de petróleo, e demora anos para se desfazer. Porém, o material sintético não envelhece tão bem quanto o couro, o que acaba ocasionando essa fama de pouco durável. De fato, o couro tem uma relação com o tempo e o uso muito mais positiva que os materiais sintéticos amplamente usados hoje.

Entretanto, as pessoas costumam se desfazer das peças antes mesmo delas demostrarem sinal de muita idade e logo as substituem por outros produtos. Na prática, nunca teremos uma bolsa ou um sapato durante a vida toda, isso costuma valer só para herdeiras de bolsas Hermés e olhe lá. Pondere muito bem a questão da durabilidade levando em consideração o produto a ser comprado e seus hábitos de consumo. Comprar 1 jaqueta de couro a cada cinco anos é diferente de comprar um sapato de couro todo mês. Que também é diferente de comprar um sapato de couro por ano ou um de plástico uma vez por semana.

No quesito qualidade, com o avanço da tecnologia e com o aumento da demanda por produtos livres de matéria-prima de origem animal, a moda vem nos prestigiando com bons produtos de material sintético, e ainda alternativas muito mais ecológicas do que o couro. Antes, o sintético era visto como a versão mais barata do produto “original”. Hoje, marcas de luxo como Stella McCartney e Jill Milan já fazem uso do sintético em suas coleções. É possível encontrar produtos de material sintético de qualidade, basta procurar e investir uma graninha a mais.

Entenda os valores da marca

Outra coisa que eu levo em consideração antes de fazer a minha escolha é: essa marca só existe para vender produtos de couro ou ela tem opções veganfriendly? Aqui no Modefica, nós decidimos não falar sobre marcas que não tenham opções vegans. Seja de moda, alimentação ou beleza. A marca não precisa ser vegan, mas precisa sim oferecer esse tipo de produto.

Nós ignoramos marcas que ignoram esse mercado. Para nós, é muito importante que qualquer marca esteja atenta à essa demanda e crie produtos de qualidade para todos os públicos. Essa atenção ajuda a criar variedade e mostrar para as pessoas que é possível optar por produtos livres de crueldade sem ser preciso sacrificar estilo pessoal. Quanto mais mercado, mais pesquisa e tecnologia serão feitas para criar materiais cada vez melhores e atraentes.

Não deixe de se atentar também ao marketing. Levante as duas sobrancelhas se a marca trabalha com couro curtido por processo químico e se autointitula sustentável. Como já falamos, o couro jamais pode ser considerado um produto sustentável, mesmo se desconsiderarmos completamente o impacto e a poluição da pecuária. Nesse caso, ou a marca não sabe o que está falando e não entende o impacto dos produtos que vende, ou então realmente está se aproveitando de uma preocupação do consumidor para se posicionar de maneira falsa.

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Mas e se fosse couro de cachorro?

É de conhecimento geral que na China e na Coreia a carne do cachorro é tão normal quanto a carne da vaca ou porco. Por esse motivo, o couro de cachorro também é um mercado explorado por lá e esse couro chega no ocidente travestido de couro de cabra. Ler “100% couro de cachorro” na composição dos produtos provavelmente afastaria muitos consumidores.

Quando compramos couro proveniente da Ásia – principalmente em peças de pequeno formato como luvas, carteiras e porta-moedas – podemos estar comprando couro de cachorro. É difícil saber, de fato, a origem do couro dos produtos, mas se o produto for feito na China, Coreia e região, o couro nem sempre é de vaca, cabra ou porco.

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Close da bolsa Bao Bao do designer Issey Miyake // Reprodução

E se eu quiser uma bolsa de luxo?

O couro usado em marcas de luxo normalmente se torna prioridade nas fazendas de animais. É preciso um material de melhor qualidade, ou seja, sem marcações de ferro, mordidas de bicho e machucados em geral para o couro ser considerado excelente.

Por esse motivo, é seguro dizer que o couro das bolsas de luxo acaba sendo o produto do abate, e a carne se torna “subproduto”. Prefira opções de luxo livre de couro – como já falamos, Stella McCartney e Jill Millan, e algumas outras marcas de luxo como Marni e Issey Miyake já contam com opção vegan friendly também.

Outra saída é comprar bolsas de segunda mão em lojas especializadas ou artigos vintage. Nos produtos de segunda mão você vai pagar mais barato, já nos artigos vintage você pagará mais caro, mas terá um produto bem único se comparado à massiva indústria das “itbags”.

Entretanto, não torne essa compra um hábito, pois, na outra ponta, você alimenta a indústria do mesmo jeito: pessoas que revendem as “itbags” que não querem mais provavelmente comprarão outra para depois revender e comprar e assim por diante. Opte por comprar apenas aquela bolsa que você tem certeza que vai usar muito e guardar por muitos anos.

Conclusão

Você pode ainda estar se perguntando se eu, pessoalmente, compro produtos de couro ou não. Na verdade, há cerca de dois anos que esse tipo de aquisição não rola por aqui. O produto de couro mais recente que entrou no meu guarda-roupa foi uma troca. Ele estava no armário de uma amiga sem nunca ter sido usado, por motivos de estética, enquanto eu tinha algumas coisas na mesma situação e que interessavam para ela. Nós trocamos, ninguém comprou nada e colocamos as peças em uso.

Basicamente, isso quer dizer que é necessário sempre ponderar todas essas questões antes de decidir a sua compra. É algo que você não deve deixar nenhuma marca com slogans “sustentáveis” ou que te prometem qualidade e vida eterna fazer por você. Você vai precisa parar, refletir e fazer você mesma a sua escolha consciente.

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Jornalismo ecofeminista a favor da justiça socioambiental e climática

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