John Galliano foi demitido do seu cargo de diretor criativo da Christian Dior em 2011 por ter sido flagrado fazendo comentários preconceituosos e anti-semitas em um bar de Londres – a gota d’água de uma série de outros comportamentos comprometedores – e tudo que os jornalistas puderam falar sobre sua nomeação para diretor criativo da Margiela três anos após o acontecimento foi, e eu cito todos os textos que li sobre o assunto, “impressionante e inesperado, pois o estilo de Galliano é extremamente oposto aos princípios minimalistas do próprio Margiela”.
Assim como Jess Cartner-Morley, editora de moda do jornal britânico The Guardian ressaltou em seu artigo sobre o assunto, acredito que nada mais justo Galliano ter sua segunda chance. Mas concordo também quando a editora afirma que não tocar na ferida do quão incomodativo possa ser aplaudi-lo no final do próximo desfile da Maison, e que endereçar a surpresa de sua nomeação a apenas uma questão de estilo, é não querer enxergar, ou até mesmo negar, a real questão pela qual ele foi “expulso” da moda em primeiro lugar.
“Quando a moda simplifica ela se faz parecer estúpida”, fala Cartner-Morley. A maneira como a volta de John Galliano para uma grande marca foi retratada pela mídia foi a moda simplificando e se fazendo parecer estúpida e leviana, e isso apenas dias depois de Largelfeld ter feito exatamente a mesma coisa, colocando modelos para segurar cartazes e carregar bolsas com slogans rasos sobre o movimento feminista.
Karl Lagerfeld já afirmou que, pare ele, “não há nada abaixo da superfície. É uma grande superfície”, então seu time de peso de belas modelos manifestando em prol do feminismo nada mais foi que uma grande jogada de marketing (não podemos esquecer que antes de um estilista, Karl é um gênio da auto-publicidade) para ir no embalo do letreiro Feminist de Beyoncé em seu último show no VMA e conseguir muitas publicações na mídia. É positivo ver o feminismo sendo trazido à tona pela moda? Sim. Karl é a pessoa certa para fazer isso? Não me parece.
É claro que Lagerfeld está exercendo seu direito quando anula a responsabilidade da moda para com questões importantes, mas quando um grupo de jornalistas replica essas questões importantes de forma leviana, seja não abordando o quão desrespeitoso é apropriar-se de um movimento social apenas para lucrar com ele ou reduzindo a volta de Galliano a uma questão de estilo, ele ajuda a invalidar a afirmação de que a moda é uma plataforma importante para protestos e tem poder de influenciar muito além das cores ou formas que as pessoas vestirão na próxima temporada.
Anular responsabilidades soa um tanto quanto conveniente para grande parte da indústria, pois tendo um compromisso firmado apenas com as tendências e belas peças, fica fácil desconversar problemas sérios como as questões de condição de trabalho na produção dos seus itens de desejo e seu impacto socioambiental do plantio ou concepção da fibra até o descarte da peça, por exemplo. A moda precisa se levar a sério para ser levada (e cobrada) de maneira séria.
Outra publicação responsável por abordar o assunto de maneira coerente, o Business of Fashion, ressaltou o exemplo do estilista francês Jean Paul Gaultier, que “usou durante três décadas o formato de desfile de moda para abordar as questões sociais e políticas carregadas de poder feminino e da beleza. O designer vinha frequentemente convidando modelos plus-size, transexuais e as modelos mais velhas, bem como as mulheres célebres por suas carreiras, e não apenas por sua beleza, para compartilhar a passarela com meninas mais convencionais”. Além do estilista francês, o texto cita também as estilistas e empreendedoras inglesas Stella McCartney e Vivienne Westwood.
Como uma grande indústria que causa enorme impacto no mundo, a moda como um todo deve lidar com sua complexidade, problemas e questões controversas se, parafraseando Jess Cartner, quer entrar na conversa de adultos. Deve ser analisada de maneira coerente por parte de seus jornalistas e, ao contrário do que pensa Lagerfeld, ir além da superfície.