Depois de Lea T, a moda brasileira recebe mais uma modelo que desafia os padrões da indústria. Camila Ribeiro, manauara, 24 anos, mulher trans e integrante do time de modelos da JOY Model, desfilou pela primeira vez no São Paulo Fashion Week ontem (26), na passarela do estilista Ronaldo Fraga.
Depois de uma temporada em Paris, Milão e Nova Iorque, a modelo estará também na passarela da Triya e na estreia da À La Garçonne, sob direção criativa de Alexandre Herchcovitch. A modelo se diz feliz por já estrear no SPFW ao lado de grandes nomes da moda e, mais importante, com trabalhos tão distintos entre si, tendo a chance de interpretar diferentes mulheres.
Formada em moda, Camila acabou modelando ‘por acaso’. Durante a faculdade, ela fazia fitting para um amigo que sugeriu a ela procurar uma agência. No começo, confessa ter hesitado. “Não tenho uma beleza padrão então tinha dúvidas se realmente iria me encaixar”, comentou. “Mas, com o tempo, quando você começa trabalhar com outros clientes que têm uma visão além da sua, você consegue até superar algumas coisas que você achava feia em você”.
Falando em quebra de padrões de beleza na moda, assunto que rende muito pano para a manga, a modelo é enfática em afirmar a dificuldade da indústria brasileira em absorver as diferenças do país: “O [padrão] está sendo quebrado lá fora. Aqui ainda é a beleza eurocêntrica, ainda são as meninas loiras dos olhos claros”. Entretanto, na sua opinião, isso não quer dizer que o país está estagnado: “Vivemos em um momento de catarse, a mudança ainda está por vir”.
Para Camila, dentro da moda, as minorias se ajudam, há muita sororidade e elas conversam sobre isso. “Eu fiquei até surpresa porque as meninas estão muito cientes do seu trabalho e da importância que ele tem. Ou mesmo sobre ser só um trabalho, como qualquer outro”. A consciência das modelos sobre a complexidade da indústria também as ajudam a entender que não pegar um trabalho nem sempre quer dizer falta de beleza ou profissionalismo da parte delas.
Camila Ribeiro para Ronaldo Fraga
Do lado da indústria, é nítido como o sufixo ‘humanizador’ das minorias ainda dá com uma mão e tira com a outra. Modelos – negras, gordas, trans – ainda aparecem na passarela e nas revistas mais por uma questão midiática ou política, e menos porque os estilistas e produtores de casting enxergam seu público alvo nelas. Ainda estamos presenciando uma certa obrigação em “cumprir tabela” ao invés de realmente abraçar a diversidade e belezas plurais.
As questões levantadas pelo ativismo – na internet e fora dela – ainda interferem nada ou quase nada na escolha das modelos. Serve para gerar debate, problematizar e levar o assunto para mais pessoas, mas, na moda, as escolhas permanecem as mesmas. Por enquanto. Porém, isso não significa não haver gente interessada em outras belezas. Existem sim editores, agentes, produtores e profissionais que buscam a diversidade e isso também ajuda. A exemplo, agência com perfis “fora da caixa” estão surgindo no Brasil e no mundo.
Quando o assunto é transexualidade, a modelo fica arisca porque receia perguntas íntimas e invasivas quando a pauta deveria ser o homícidio de pessoas trans, evasão escolar e direitos humanos. “A questão de eu estar aqui não é nada muito extraordinário. Eu tenho duas pernas, dois braços e uma estética que está ok para o trabalho. E é isso que importa”. Porém, ela reconhece a importância de maior visibilidade à causa trans, mas não quer servir de exemplo para outras pessoas. “Cada história é uma história. Eu tive apoio da minha família e isso é muito importante, mas têm pessoas que não têm. Não é fácil.”, finaliza.