Entre dados de destaque está o aumento de 700% do uso do químico em lavouras em menos de 50 anos; a falsa ideia de segurança que certos agrotóxicos, como o Glifosato, podem passar, por terem uma classificação de toxicidade menos aguda; a subnotificação de intoxicação e os fatores que expõem agricultores e seus familiares a níveis maiores das substâncias químicas.
O estudo aponta que cerca de 80% a 85% dos casos de câncer estão relacionados a fatores ambientais, que envolvam água, terra, ar, ambiente de consumo (alimentos), ambientes culturais (estilo) e ambientes ocupacionais. Ao avaliarmos o histórico de fortalecimento dos agrotóxicos a partir da década de 90, vemos que a disseminação do uso desses produtos por todo território brasileiro permitiu às fazendas experimentarem um “desenvolvimento agrícola caracterizado pelo aumento da fronteira agrícola e pela propagação de culturas”. É nesse momento que se nota o aumento expressivo do uso dos químicos em culturas como soja, algodão, milho e laranja.
Enquanto o Brasil passou de 28 milhões de hectares (um pouco mais que o estado de São Paulo) de área ocupada em lavouras, em 1960, para 50 milhões de hectares, em 1998 – o que vale a um aumento de 78% – o consumo de agrotóxicos subiu 700% nesse mesmo período. A tendência de crescimento seguiu nas décadas seguintes: em 2005 éramos o 4º maior consumidor de agrotóxicos do mundo, hoje, somos os primeiros.
Os números ficam mais tangíveis quando vemos que, por exemplo, um dos principais grupos químicos, os organofosforados, possuem uma gama de 50 mil tipos de formulações – das quais 40 mil são utilizadas como inseticida. Nessa categoria estão incluídos os agrotóxicos glifosato e o acefato, muito utilizados na produção de algodão e celulose solúvel, a matéria-prima da viscose. A publicação do INCA enumera quatro tipos principais de grupos químicos para os agrotóxicos: os organoclorados, os organofosforados, os carbamatos e os piretróides.
Os organoclorados foram muito utilizados na Segunda Guerra Mundial e nas décadas seguintes e são compostos considerados poluentes orgânicos persistentes pela sua característica de lenta degradação ambiental. Eles são proibidos em diversos países e, o mais utilizado dessa categoria, o DDT, foi proibido no Brasil em 1985, por uma portaria do Ministério da Agricultura. O químico foi utilizado em culturas como algodão e soja e também na saúde pública, para combate de doenças como malária e febre amarela.
Em 2009, um projeto de lei sancionado pelo então presidente Lula previu a incineração de todos os estoques de DDT em território nacional em até 30 dias. Na época, a contaminação pelo agrotóxico foi descrita como “relacionada à degeneração gordurosa do coração e do fígado”. Apesar disso, ainda hoje, resquícios do químico são encontrados na população.
O segundo grupo, dos organofosforados, apresenta rápida degradação ambiental, porém, estão entre os agrotóxicos com maior toxicidade aguda. Esses compostos são classificados como inseticidas, mas também possuem ação herbicida, acaricida e nematicida. Nesse grupo, entram o glifosato e o acefato. Sobre sua toxicidade, abordaremos mais adiante.
O terceiro grupo é o dos carbamatos, inseticidas não persistentes e muito utilizados em casas, jardim e agricultura. Já o quarto grupo – lembrando que existem outros e estes são os principais destacados pela publicação – é o dos piretróides, muito utilizados na agricultura. O texto salienta que “seu uso intenso leva à exposição de uma grande parte da população, rural e urbana, e requer maior atenção quanto aos possíveis danos causados por essas substâncias”.
Uma atenção para a toxicidade e degradação ambiental
A permanência do químico no meio ambiente e seu nível de toxicidade são pontos discutidos pela publicação para exemplificar a área cinzenta na hora de caracterizar o quão perigoso um agrotóxico é. Por exemplo, o glifosato, considerado um químico com rápida degradação ambiental, é classificado como classe IV quanto a sua toxicidade, sendo considerado “pouco tóxico”. Porém, conhecemos sua capacidade de promover degradação ambiental e impactos na saúde humana.
Outras literaturas, como um artigo publicado na revista científica Scientia Agraria Paranaensis, apontam para o que classificamos de “rápida degradação ambiental”. O glifosato pode permanecer no ambiente até sua completa mineralização, o que pode durar dias ou meses, a depender da característica do solo, como textura, pH, conteúdo de carbono orgânico, nível de atividade microbiana, por exemplo. Alguns autores relatam que a meia-vida deste agrotóxico pode chegar a 174 dias, outros citam 197 dias (aproximadamente 6 meses).
Quanto a essa questão, o livro do INCA completa que “o fato de a classificação toxicológica ser realizada a partir dos efeitos agudos dos agrotóxicos pode gerar uma falsa ideia de segurança para os produtos, em especial, os da classes III e IV”. O texto também destaca que a longa exposição a esses produtos pode gerar efeitos crônicos, mesmo que o contato seja feito em doses baixas.
Ou seja, pequenas doses de veneno do produto que recebe a tarja azul e apenas um sinal de exclamação quanto ao seu perigo (ao invés do símbolo da caveira), pode gerar complicações fatais para quem entrar em contato com eles. Em especial, os agricultores, seus familiares e populações que vivem ao redor das plantações e se alimentam de produtos que são plantados em solos contaminados, irrigados com águas contaminadas (estas das quais eles também bebem) e que respiram o ar que também foi contaminado.
Na avaliação toxicológica, os efeitos agudos dos organofosforados surgem poucas horas após a exposição. O quadro clínico dessas intoxicações pode variar quanto à gravidade, rapidez de instalação e/ou duração dos sintomas, sendo os distúrbios neurocomportamentais os mais frequentes em indivíduos cronicamente intoxicados.
Na prática, essa classificação pode levar a não adoção de medidas de segurança, como o não uso de equipamento de proteção e a utilização de dosagens acima das recomendadas. A exposição aos agrotóxicos pode ocorrer por vias dérmicas, oral e respiratória, sendo a alimentação a principal forma de exposição para a população geral. Mas, no caso de trabalhadores da agricultura e pecuária, a exposição mais intensa os tornam uma categoria de grande vulnerabilidade. Também são destacados profissionais como: agentes de controles de endemias, trabalhadores de transporte e comércio dos agrotóxicos e de indústrias de formulação destes e trabalhadores de firmas desinsetizadoras.
As mulheres e crianças são grupos mais suscetíveis às exposições a estes químicos, tendo em vista que a roupa contaminada é um importante veículo para o transporte do agrotóxico, expondo, principalmente, os indivíduos responsáveis pela sua lavagem, ou seja, as mulheres da família.
Um retrato atual
O capítulo sobre agrotóxicos da publicação do INCA traz em diversos momentos informações pertinentes para o contexto atual. Por exemplo, o texto destaca que “o termo agrotóxico utilizado na legislação brasileira, ao invés de defensivo agrícola, foi uma grande conquista obtida pela sociedade, a fim de evidenciar o efeito tóxico dessas substâncias contra os mecanismos de ação do princípio ativo”. Vemos, justamente, um fortalecimento da discussão em torno do PL 6299/02, que, entre diversas modificações preocupantes, pretende extinguir o termo “agrotóxico” por “defensivo agrícola” e “produto fitossanitário”.
A subnotificação de intoxicação no Brasil é um dos tópicos finais abordados no texto. O levantamento feito pela equipe aponta que, entre 2007 e 2017, houve um aumento de 117% dos casos notificados no Sinan (Sistema de Informações de Agravos de Notificação) de intoxicação exógena por agrotóxicos. O total acumulado foi de 54,9 mil casos. Entre os estados que mais notificaram casos, estão: Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. Apesar da queda de 26% dos números registrados no Paraná, São Paulo e Minas Gerais registraram aumento de 238% e 258%, respectivamente.
Por fim, vale destacar que nos chamou a atenção a omissão da menção às culturas responsáveis pela grande utilização de agrotóxicos utilizados no Brasil, no caso, a soja (63%) e o algodão (10%). O algodão, apesar da disparidade com a soja, consome 28L de agrotóxico por hectare e é a quarta cultura que mais consome agrotóxicos. Apesar da síntese concisa, o texto não destaca a importância atual desta cultura, que não só cresce nas margens líquidas das empresas, em plenos anos de decrescimento econômico e pandêmico, como também cresce nos conflitos agrários.