Em conversa com a blogueira Thainá Sagrado e a youtuber Nátaly Neri, discutimos sobre os estereótipos de raça e como eles surgem na moda. Infelizmente, percebemos que as pessoas tendem a esperar demais da aparência de uma mulher negra, especialmente quando ela se mostra politizada.
Como se o ato de assumir cor, cabelo e traços negros já não fosse suficientemente empoderador e desafiador, percebemos outro tipo de cobrança da sociedade: incorporar estereótipos. Da mesma forma que existe uma ‘crença popular’ sobre a relação amistosa da mulher negra com o samba, parece existir uma ideia de que precisamos nos vestir de acordo com estereótipos africanos, do hip-hop, ou qualquer outra cultura originalmente negra.
Por outro lado, quando uma mulher negra de fato incorpora essas referências culturais, responsáveis por evidenciar a negritude, há um julgamento da sociedade por isso.
Quando A Sociedade Embranquece
Autora do blog Themba, Thainá conta que precisou abandonar o estilo pessoal para se ajustar socialmente. “Sempre fiz os meus próprios brincos, sempre comprei uma peça de tal jeito e ela virava outra completamente diferente, sempre aceitei meu cabelo e sempre pude ser o que eu queria. Mas, quando vim morar em Curitiba há seis anos, quase pirei. Não me reconhecia mais e me adaptei à cidade, que tem uma vibe bem conservadora. Acabei me perdendo”, conta a blogueira.
Nátaly conta também ter mudado o jeito de se vestir para não incomodar com a sua negritude. Para ela, o uso de cores era um fator que a deixava insegura. “Eu cresci morrendo de medo de usar amarelo e verde limão. Diziam que eu tinha que ter cuidado para não chamar muita atenção para a minha cor”, lembra.
Além de youtuber, Nátaly é estudante de ciências sociais e analisou a questão das cores na moda de um ponto de vista social . “As cores frias, escuras ou neutras sempre foram ligadas à países mais frios da Europa. Já as cores mais fortes, são características de países africanos e partes orientais do globo. A indústria da moda e da beleza sempre foi eurocentrada, então existe essa valorização de que as cores frias ou o preto são elegantes. Sempre baseado em como as mulheres brancas europeias se vestiam ou vestem até hoje”, observa.
África Empoderadora
Para uma mulher negra, usar uma peça de tecido ou estampa africanos é assumir a responsabilidade de representar a ancestralidade, apoiar o trabalho de outras mulheres negras e ainda ter que usar um escudo invisível contra os olhares de reprovação e julgamento, fator que é compensado pelo empoderamento que aquela roupa pode oferecer.
“Principalmente quando sei que é feito por mulheres negras, me sinto empoderada ao vestir um resgate da minha ancestralidade. Sinto que, pela essência, aquilo combina comigo, faz parte de mim”, explica Thaína, que apesar de gostar de peças básicas e tons neutros, também adiciona referências africanas ao estilo.
“Eu comecei a usar turbante depois que entendi o significado da peça, como uma forma de me afirmar e dizer que não vou apagar minha identidade”, declara Nátaly. Ela ressalta ainda que o turbante, a maquiagem, estampas e outras referências africanas são empoderadoras, principalmente para quem está assumindo uma identidade. Ela ainda ressalta que, aos focarmos em nossas raízes brasileiras, não corremos o risco de virarmos reféns da apropriação sem significado, e acabarmos somente “nos fantasiando” de africanas.
Ser Negro Está Na Moda?
Coincidência ou não, a moda tem aderido cada vez mais à cultura africana, as referências estão saindo das passarelas para as lojas fast fashion. Por um lado, esta popularização da cultura pode ser positiva, pois facilita o acesso de uma nova geração que deseja assumir seus traços, negando um embranquecimento forçado. Mas, o lado negativo é que esta tendência não é feita por, nem para, pessoas negras.
“Quando você coloca a cultura negra na moda, você a esvazia de sentido. Porque quem produz a moda em massa são pessoas que estão no topo da administração da indústria, que são pessoas brancas”, observa Nátaly.
De modo geral, a moda acaba segmentando sua produção em massa para mulheres brancas, altas e magras, que têm o corpo magro e o poder aquisitivo para consumir. E, quando se inspira em cultura negra para produzir, continua sem pensar em recortes de social e de raça. Logo, as mulheres brancas continuam sendo admiradas por vestir uma tendência, mesmo que esta tendência represente uma cultura que não é delas.
Por isso, é muito comum que uma mulher branca seja considerada bonita e estilosa vestindo o estilo e a cultura negra. Enquanto as negras, que sempre utilizaram as mesmas peças, são hostilizadas, objetificadas e sofrem até preconceito religioso.
Há ainda um outro lado que cobra de uma mulher negra politizada, que ela consuma aquela moda, que nem é direcionada à ela. “É como se a moda estivesse fazendo um favor e nós devêssemos agradecer e vestir”, aponta Nátaly.
A Mulher Negra De Encontro Com Quem Ela É
Todas concordamos que a representação da estética negra sem uma forma pejorativa ou ato de assumir a forma natural do cabelo afro são fatores que ajudam a assumir uma identidade negra e também ajudam a mostrar resistência diante dos desafios de enfrentar uma sociedade racista.
Mas também sabemos que estes não são os únicos meios, principalmente com o aumento de coletivos negros com o foco no empoderamento e a facilidade que a internet proporciona de se conhecer ancestralidade e cultura negra com uma busca por músicas, filmes e livros, não somente na representação fria que a moda faz.
Para Thainá, esta aceitação de identidade (não importa como ela tenha sido impulsionada) permite que você consiga também entender os seus gostos e preferências e colocá-las em primeiro lugar. Á frente da pressão de se ajustar socialmente.
Sabemos que o ideal seria crescer sem medo da própria cor e sem ceder a pressões sociais para sermos aceitas e, consequentemente, nunca termos que esconder a nossa identidade. Mas enquanto isso não torna-se natural em nossa sociedade, o que nos resta é procurar conhecimento e empoderamento por conta própria.
Nátaly acredita que nem precisamos ir muito longe, lá na África, para nos encontrarmos. “Precisamos lembrar que não somos africanas, somos afro-brasileiras. E temos uma cultura rica para resgatarmos e valorizamos”.
O importante é que, não importa o que tenha impulsionado o seu encontro com a aceitação da condição de mulher negra, não é uma peça de roupa ou um black power que irão mostrar resistência, a sua existência já bastará para empoderá-la todos os dias.