A escolha de Gisele para a capa da Vogue se limita ao óbvio. Gisele é a modelo mais bem paga do mundo e, como disse uma das meninas aqui do Time Modefica sobre o assunto, uma marca, e dessas que valem muito. Onde ela pisa causa frisson, e, mais importante, vende e gera lucro. Lucro esse que todas as revistas estão precisando nesse momento tão delicado do jornalismo, principalmente do jornalismo impresso. Gisele pelada é ainda melhor: todo mundo fala de Gisele, mas todo mundo fala muito mais quando ela vem sem roupa.
Na capa, fotografada pela famosa dupla Inez & Vinoodh, a top “segura” um número 20, isso porque a Vogue não perdeu a deixa e uniu comemorações: “40 anos de Vogue e 20 anos de Gisele”. A divulgação dessa edição vem em momento ainda mais oportuno, apenas algumas semanas depois da modelo ter se despedido das passarelas, depois de vinte anos de carreira, durante o São Paulo Fashion Week e, por esse motivo, ter sido um dos assuntos mais falados do mês de abril. Considerando tudo isso, a pergunta certa seria: por que deixar de colocar Gisele Bündchen na capa? Boa manobra, mas é só mais do mesmo.
Mas ai veio a Elle, comemorando 27 anos, com uma capa que, pelo menos no Brasil, nós nunca tínhamos visto. Sem modelos magras e lindas, apenas um papel refletivo, tipo espelho, com o convite #vocênacapa. Em um momento onde as diferenças lutam para conviver em harmonia na sociedade, e as mulheres reais vêm exigindo cada vez mais representatividade na mídia, a escolha da Elle foi também um movimento estratégico, porém infinitamente mais audacioso.
Entretanto, a ousadia da Elle não para por ai. Um editorial com a blogueira plus-size, Ju Romano, do blog Entre Topetes E Vinis, envolta em um casaco mostrando toda sua silhueta cheia de dobras e imperfeições (e zero Photoshop no corpo) se espalhou pela internet. O editorial também ganhou capa de umas das versões da revista para IPad. O recheio conta com outra diva inesperada, a vlogguer Jout Jout, e muitos incentivos de se ame mais em matérias diversas.
O que essa diferença de capas, que estão disputando leitores, nos diz? Sem ir muito a fundo, nos diz que a Elle arriscou, colocou a cara a tapa para vender revista para aquela mulher que há muito tempo deixou de comprar revista porque cansou das imposições rasas sobre beleza, consumo e comportamento. Quantas pessoas (inclusive eu e a Bru Miranda) irão às bancas depois de tanto tempo só para ver o que tem nessa edição que promete coisa boa e diferente?
Na última edição da revista FFW Mag, onde a veterana Erika Palomino contou sobre sua saída do posto de editora-chefe da L’officiel Brasil e o porquê desistiu, pelo menos temporariamente, das redações, uma das coisas que ela pontuou foi exatamente como arriscar não é bem visto dentro do próprio meio editorial, que mesmo precisando inovar para se manter vivo, e mais importante, relevante, os profissionais da redação estão presos ao tradicional. E tradicional traduz exatamente o caminho (chato) que a Vogue, mais uma vez, escolheu tomar para uma capa tão importante.
Eu não estou dizendo isso porque acho a Elle incrível e a Vogue um porre, porque, sinceramente, nenhuma das duas revistas me representam. Porém, se a Elle prestou realmente atenção no que as mulheres estão querendo, se colocou algumas questões de lado para dar um editorial e uma de suas capas à uma blogueira gorda e fora do padrão, e se ela pretende observar e incorporar a reverberação positiva da diversidade em futuras publicações, e se, por outro lado, a Vogue se mantiver presa em vender uma imagem que a maioria das pessoas não compram mais, a da perfeição (magra, rica, branca, bem casada, filhos lindos), então não vai demorar para uma ser, de fato, mais incrível do que a outra.
Este também não é um manifesto anti-moda ou anti-modelos magras. Pelo contrário, sou apaixonada pela imagem de moda como nós a entendemos hoje, mas o fato é que existe espaço para mostrar diversidade e representatividade na grande mídia de moda (e quando digo diversidade e representatividade não me refiro exclusivamente à imagem da mulher em si, me refiro a ideias, estilos de vidas plurais e até mesmo marcas de moda), cada revista com seu nicho e com seu público em mente. Basta um pouco mais de esforço, mente aberta e de menos preconceito e ditação de regra.