Casos de contaminação por agrotóxicos como esse são frequentes no Paraná, o que lembra o despejo ilegal de agrotóxicos em propriedades agroecológicas, em Apuí (AM), ocorrido em fevereiro. O Paraná é o terceiro maior consumidor de agrotóxicos do país. Soja, milho e cana-de-açúcar estão entre as principais monoculturas presentes no estado, que também ganham destaque pelos recordes de intoxicação aguda decorrente do uso de agroquímicos nesses cultivos.
Segundo o Ministério Público existem, atualmente, 26 usinas de álcool e açúcar licenciadas no Paraná, sendo a grande maioria na região norte. A região noroeste, onde se situa Colorado, também tem destaque para a monocultura. A cidade detém a 4ª maior produção, com um total de 30 estabelecimentos de lavouras temporárias. Dados da Usina Alto Alegre apontam que a Unidade Junqueira, localizada no município, processa cerca de 3,5 milhões de toneladas de cana, que geram 7 milhões de sacas de açúcar cristal, 5 milhões de sacas de açúcar refinado amorfo e 100 milhões de litros de álcool anidro carburante e álcool hidratado. A produção também gera energia elétrica para utilização na unidade, que também é vendida para outras empresas do setor.
Antes da cana-de-açúcar, da soja e do milho, veio o café, responsável pela expansão da agricultura no estado na primeira metade do século XX. De acordo com a tese Agrotóxicos, transgênicos na agricultura e saúde humana no estado do Paraná-Brasil: “a atividade extensionista implantada no Brasil estava intrinsecamente ligada ao discurso de atraso da zona rural, visando reforçar o argumento do progresso agrícola (leia-se projeto da Revolução Verde) via difusão de tecnologias”. O governo brasileiro, através de um processo político orientado pelo princípio da modernização da economia nacional, condicionou o crédito rural à aquisição de agrotóxicos, forçando o uso dos químicos.
O resultado dessa política é o cenário que hoje conhecemos: o frequente aparecimento de novos agrotóxicos, em conjunto com o aparecimento frequente de novas “pragas”, fazendo que o uso de agrotóxicos sempre esteja em ascendência, mesmo quando o território de plantio está em decrescência. Agrotóxicos são definidos pelo estudo como “produtos químicos, com vários graus de toxicidade, utilizados para prevenir ou destruir completamente ácaros, insetos, roedores, fungos, ervas daninhas, bactérias e outras formas de vida”. Consequentemente, também são prejudiciais pela Contaminação por agrotóxicos o solo, água, ar, lavoura, pecuária, alimentos vegetais, animais e pessoas
Intoxicações e contaminação por agrotóxicos
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta que ainda não é possível dimensionar a extensão da carga química de exposição ocupacional e a dimensão de danos à saúde decorrentes do uso intensivo de agrotóxicos. Porém, os números atuais sobre contaminação por agrotóxicos apontam que para cada dólar gasto com compra de agrotóxicos no Paraná, US$ 1,8 seria gasto apenas para o tratamento das intoxicações agudas no Sistema Único de Saúde (SUS). O documento também afirma que as regiões Sudeste e Sul são as que mais notificaram casos de intoxicação por agrotóxicos agrícolas de 2007 a 2018. Paraná está em primeiro lugar, com 16,76% das ocorrências.
Nos períodos de 2015 a 2019, foram registrados, no Paraná, 1.717 casos de intoxicação por agrotóxicos relacionado ao trabalho pelo SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação). A média anual é de 343 ocorrências, quase uma por dia. Mas e quando o veneno é espalhado pelo vento e chega a quilômetro de distância?
Para cada dólar gasto com compra de agrotóxicos no Paraná, US$ 1,8 seria gasto apenas para o tratamento das intoxicações agudas no Sistema Único de Saúde (SUS).
Essa é a problemática da pulverização aérea, utilizada principalmente em monoculturas de cana-de-açúcar, onde as máquinas não conseguem entrar via solo. A aplicação aérea de pesticidas acarreta a perda de 10 a 70% dos produtos aplicados, que são levados à deriva, podendo contaminar populações de cidades próximas. Temperatura, umidade relativa do ar e ventos são fenômenos que influenciam nesta dispersão.
O PEVASPEA (Plano de Vigilância e Atenção à Saúde de Populações Expostas aos Agrotóxicos do Estado do Paraná) calcula que a dispersão dos agrotóxicos via ar pode chegar a 32 quilômetros da área-alvo. Essa distância equivale a mais de 50 Burj Khalifa, o maior edifício do mundo. A atividade de dispersão aérea de agrotóxicos é proibida na União Europeia desde 2009, mas, por aqui, vamos a uma lista dos principais químicos utilizados nas monoculturas de cana-de-açúcar, milho e soja:
- Cana
- Milho
- Soja
Cana
Agrotóxicos liberados para pulverização aérea para cana
Por Classe
Paraná, 2015, n=147Segundo a Classificação Toxicológica
Paraná, 2015, n=147Milho
Agrotóxicos liberados para pulverização aérea para milho
Por Classe
Paraná, 2015, n=147Segundo a Classificação Toxicológica
Paraná, 2015, n=147Soja
Agrotóxicos liberados para pulverização aérea para soja
Por Classe
Paraná, 2015, n=147Segundo a Classificação Toxicológica
Paraná, 2015, n=147Entre os agrotóxicos utilizados estão: 2,4D (principais efeitos na saúde: neurotóxicos, afetam sistema reprodutivo, carcinogênicos e desreguladores endócrinos), proibido desde de 1997 na Dinamarca, Suécia, Noruega e, recentemente, em municípios catarinenses e no Rio Grande do Sul; Paraquet (principais efeitos na saúde: irritação nos olhos, pele, vias respiratórias, lesões teciduais, hemorragias, perda de funções, Parkinson), glifosato (principais efeitos na saúde: desregulação endócrina, câncer de mama, síndrome da angústia respiratória, malformação de fetos e mortalidade infantil).
Apesar de assegurar sua responsabilidade com seus processos de produção e possuir o selo de sustentabilidade na produção de cana-de-açúcar e derivados, a Usina Junqueira não menciona a dispersão de agrotóxicos via ar no seu relatório de sustentabilidade de 2019. Na realidade, a palavra “agrotóxico” só aparece duas vezes nas 45 páginas, mas em outros contextos. Quando endereça as emissões, a empresa aborda assuntos de gases poluentes no setor sucroalcooleiro, desconsiderando a primeira etapa da produção da commodity.
O Código Florestal, a Lei dos agrotóxicos 7809/89 (Brasil, 1989), o Decreto 4074/02 (Brasil, 2002), a Instrução Normativa do MAPA nº 02/2008 (Brasil, 2008) salientam que é proibido realizar pulverização aérea de agrotóxicos a uma distância mínima de 500 metros de residências, vilas, córregos e nascentes d’água. Porém, como visto anteriormente, essa distância de “segurança” é apenas 1.5% do necessário para, realmente, proteger moradores locais.
Proteção legal contra a contaminação por agrotóxicos
O avanço dos agrotóxicos e afrouxamento de leis ambientais colabora – e muito – para o agravamento de contaminação por agrotóxicos e desamparo de produtores orgânicos e agroecológicos. Para eles, o governo dá outro ou nenhuma proteção legal. “Precisamos fazer políticas municipais nessa perspectiva de você garantir a compra, garantir a demanda pelos produtos agroecológicos”, comenta Paulo Porto, indigenista e professor da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná). Ex-vereador em Cascavel, Paulo reconhece que a cidade preciosa sancionar uma lei para que os produtos agroecológicos sejam levados para a merenda escolar. Ele cita o caso de Marechal Cândido Rondon, que cerca de 70 a 80% dos produtos destinados à alimentação escolar são de matriz orgânica do município.
Em 2015, Paulo pautou, pela primeira vez, o tema agrotóxico a nível municipal. O que se passou na cidade foi notícia pelo país todo: um avião pulverizou agrotóxico perto de uma escola de campo ligada ao MST chamada Zumbi dos Palmares e contaminou crianças. A partir daí, iniciou-se um debate sobre restringir o uso de agrotóxicos na região. A tática foi criar uma lei municipal: “chegamos a conclusão que existia um espaço político, legalmente possível, para a gente propor esse tipo de lei. Quando você propõe uma lei mais protetiva que a federal, estadual, ela vale mais, mesmo que seja em âmbito municipal”.
O resultado foi que, ainda no mesmo ano, Cascavel passou a ter uma lei que autoriza a pulverização aérea até, no mínimo, 300m de distância de núcleos populacionais e escolas de campo. A lei estadual exige apenas 50m. Caso o agricultor tradicional crie uma barreira verde, esse valor cai para 150m. “Em leis propositivas no sentido de restrição ao agrotóxico, nós temos aos quilos – temos mais de 160 leis nesse sentido arquivadas no Congresso Nacional”, comenta, “o problema é fazer a lei e garantir a mobilização política para que ela seja aprovada”. No caso, foram feitas conversas desde estudantes, até agricultores e vereadores. “Às vezes, é mais difícil conseguir sensibilizar a Assembléia Legislativa. Eu achei que seria um debate difícil (no município), mas foi acolhido por parte da sociedade, foi uma surpresa positiva”.
A aplicação aérea de pesticidas acarreta a perda de 10 a 70% dos produtos aplicados, que são levados à deriva, podendo contaminar populações de cidades próximas. Temperatura, umidade relativa do ar e ventos são fenômenos que influenciam nesta dispersão.
Hoje, não só outras escolas rurais de Cascavel são asseguradas pela lei e possuem barreira verde, como também a cidade é a única do país que proibiu o agrinho – programa estadual que leva às escolas ensino sobre produção rural sob a ótica da agricultura tradicional. Paulo ressalta a importância de seguir debatendo e denunciado a questão do agrotóxico na região: “Cascavel é uma cidade que tem incidência maior que a média nacional de câncer, de má formação congênita, de tumores malignos. Tudo isso tem a ver com o agrotóxico, nós temos que dar visibilidade para isso e de maneira imediata”.
*O nome foi alterado para preservar a identidade da pessoa.