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Fiocruz e MST Lançam Dicionário de Agroecologia e Educação

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  • Juliana Aguilera
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© Nieves Rodrigues / Greenpeace
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A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) lançam obra que reúne 106 verbetes sobre as múltiplas experiências nacionais e locais que dão vida ao conceito de agroecologia.

Muito mais do que um livro com informações normativas, o dicionário possui perspectiva crítica de diálogo com/entre os diversos sujeitos envolvidos. Em tempo de crise alimentar, econômica, social e climática, a obra é descrita como “uma expressão de resistência e compromisso com o esperançar”. 

Elaborado em parceria com a editora Expressão Popular, o Dicionário de Agroecologia e Educação foi produzido por 169 autores de 68 instituições distintas, entre elas: universidades públicas, institutos federais de educação, movimentos sociais, institutos de pesquisa – e com representação de autores da Argentina, Guatemala e México, ao lado de pesquisadores e educadores brasileiros. Para sua construção, foram tomados como referência o Dicionário de Educação Profissional em Saúde e o Dicionário da Educação do Campo.

Entre os verbetes, estão, por exemplo: agroecologia, agroecossistemas, capitalismo verde, cosmovisões, deserto verde, educação politécnica, feminismo camponês e popular, impérios alimentares e política agrária. Em comparação à última publicação – o Dicionário da Educação do Campo – a nova obra possui verbetes atualizados e olhados por um outro enfoque. O dicionário se destina a diversos públicos, contando educadores, estudantes, trabalhadores de áreas como saúde, meio ambiente e agrárias e militantes nos processos formativos e de organização da classe trabalhadora.

Alexandre Pessoa, um dos organizadores da obra e professor-pesquisador da EPSJV, comenta que “diante da grave crise ecológica e de destino, a agroecologia, enquanto processo que envolve ciência, trabalho camponês e movimento popular, se apresenta com uma emergência, uma vez que precisamos superar as relações de exploração, opressão e destruição entre capital-trabalho e capital-natureza”. 

Já Anakeila Stauffer, também organizadora do livro e professora-pesquisadora da EPSJV, afirma que “no que tange ao enfrentamento ao capital, ela (agroecologia) se torna mais uma ferramenta de denúncia da perversidade da forma de produzir imposto pelo capital no campo e nas cidades”. A especialista enuncia, por exemplo, a privatização dos bens comuns, a destruição da Natureza, a concentração de terra, os pacotes tecnológicos que promovem desertos verdes e o consumo exacerbado de agrotóxico

Combate ao cenário de fome

O autor da obra Geografia da Fome, Josué de Castro, possui a célebre frase: “no mundo, metade da humanidade tem fome e a outra metade tem medo dos que têm fome”. Sua fala possui grande repercussão na atualidade, tendo em vista o cenário de agravamento da fome no Brasil. Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil, 116,8 milhões de brasileiros sofrem de insegurança alimentar no Brasil – um valor correspondente a duas vezes a população da Argentinas – e 19,1 milhões passam fome – esse número equivale a população da Grande São Paulo. 

Nesse sentido, a agroecologia se torna um pilar fundamental contra esse cenário no país, sendo cultivada em relações mais harmônicas e democráticas entre ser humano e Natureza. Enquanto a sociedade do consumo e a mercantilização da vida resultam na ampliação da privatização de bens comuns, concentração de terras, dissociação entre humano e Natureza e desequilíbrio ecológico, temos na prática agroecológica uma crítica a esse modelo capitalista. 

Os movimentos de camponeses, indígenas e quilombolas, entre outros sujeitos, reforçam a relação entre agroecologia e luta pela Reforma Agrária Popular, demarcação de terras indígenas, reconhecimento de territórios quilombolas, assim como formas não mercantis de apropriação da terra, de bens naturais e culturais. Logo, a agroecologia pensa e semeia outras maneiras de produzir a existência, irrestrita a conceitos de lucros e receitas.

Essa luta vem de longe: entrelaça lutas populares, conhecimentos tradicionais e acadêmicos, constituindo forças de enfrentamento ao latifúndio e à Revolução Verde no início da década de 1980. Esse período cria uma nova relação entre capital e campo. Com a entrada das sementes transgênicas na década de 1990, fortalece o neoliberalismo na atividade: do ponto de vista técnico, tem-se o controle sobre as sementes, do econômico, tem-se o atrelamento dos agricultores a um reduzido grupo de transnacionais e do ponto de vista político, tem-se o peso dessas empresas sobre o governo. 

As políticas resultantes desse modelo reduziram as possibilidade de reforma agrária e transição agroecológica, e também cultivaram cenários de grandes monoculturas, favorecimento da soja como commodity exportadora e redução de espaços para plantio de alimentos fundamentais para a alimentação brasileira, como o arroz e feijão e, claro, promoveram o êxodo no campo, a desigualdade e a destruição ambiental.

Por identificar a necessidade de frear estas ações, a sociedade civil deu início a diversas campanhas, como a Marcha das Margaridas, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e a Campanha Moda Sem Veneno

Afinal, para que serve a Agroecologia?

O que as pessoas precisam compreender deste livro – e da agroecologia? Anakeila comenta que a prática serve “de anúncio da possibilidade de criação de relações mais horizontalizadas no processo de produção que se institui a partir da organização coletiva popular, na instituição de uma relação mais saudável e respeitosa com a natureza, colocando o ser humano como parte constitutiva dessa natureza e não como aquele que a domina e explora”. A construção do dicionário provém novas pistas e sínteses para situarmos a agroecologia num projeto de transformação social.

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