O aumento do garimpo ilegal foi superior a impressionantes 2000% em 5 anos, de acordo com levantamento inédito do Greenpeace revelado com exclusividade pelo Observatório da Mineração em parceria com o UOL. A extensão do dano, confirmado com sobrevoos realizados em outubro de 2021 e por imagens via satélite, é equivalente ao que a Vale causou no Rio Doce em virtude do rompimento da barragem de Mariana, em novembro de 2015. Foram cerca de 660km de rios contaminados de Minas Gerais até o mar do Espírito Santo.
Os corpos d’água mais prejudicados pela atividade garimpeira analisados pelo Greenpeace são os rios Marupá, das Tropas, Cabitutu e os igarapés Mutum e Joari. O sobrevoo também identificou pelo menos 12 pistas de pouso usadas por garimpeiros.
100% da população contaminada por mercúrio
Os Munduruku registram uma população de 14 mil pessoas espalhadas em 145 aldeias. Pesquisas realizadas pela Fiocruz revelaram uma contaminação de 100% do mercúrio usado no garimpo de ouro entre a população indígena.
Crianças, adultos, idosos, homens e mulheres da etnia Munduruku, todos foram afetados. Seis em cada dez participantes apresentaram níveis de mercúrio acima do limite considerado seguro pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
A intoxicação por mercúrio pode provocar problemas respiratórios, renais, má formação congênita em bebês e atacar principalmente o sistema nervoso, causando doenças graves. 16% das crianças do estudo apresentaram problemas nos testes de neurodesenvolvimento. Um bebê de 11 meses apresentou níveis de mercúrio três vezes acima do tolerável.
A saúde das crianças preocupa as mulheres Munduruku, relata Aldira Akay, uma das lideranças do seu povo. “A gente sofre vendo as crianças. Uma criança que morreu recentemente foi provado que o mercúrio que a matou”, relata.
Segundo Aldira Akay, sem a pesquisa da Fiocruz, “até hoje estávamos doentes sem saber o que era”. A liderança reclama do abandono do poder público. “Não temos apoio das autoridades, do governo, do presidente”, critica.
Garimpo ilegal aumenta ataques em 2021
A região de Itaituba e Jacareacanga, no Médio Tapajós, é o epicentro do ouro ilegal no Brasil. E os indígenas enfrentam ataques constantes de garimpeiros. Em 2021, a situação piorou.
Em abril, o Ministério Público Federal do Pará pediu intervenção federal após uma série de atos violentos, incluindo o incêndio criminoso da casa de uma liderança indígena e a destruição da sede de uma associação de mulheres Munduruku, que lutam há anos contra os invasores.
Em maio e em junho, a justiça federal precisou exigir que o governo federal ordenasse o retorno de forças de segurança para a região para tentar proteger os indígenas. Em julho, o MPF pediu a suspensão de todas as permissões para extração, comércio e exportação de ouro nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso.
Organizações criminosas controlam o garimpo ilegal que atinge terras indígenas e unidades de conservação no sudoeste do Pará. Investigações já chegaram, por exemplo, até a um empresário acusado de comercializar 1370 quilos de ouro ilegal somente entre 2019 e 2020. Dirceu Frederico Sobrinho, da FD Gold, é próximo de Jair Bolsonaro e figura frequente em Brasília.
Desde os anos 80 que os Munduruku denunciam a invasão das suas terras. Quadro que se agravou durante o mandato de Bolsonaro. Entre 2018 e 2019, a quantidade de quilômetros de rios destruídos no território Munduruku aumentou 101%, destaca o Greenpeace.
“O garimpo prejudica todo o leito do rio, causando impacto para todo o ecossistema que o circunda. Os Munduruku têm sido seriamente afetados”, afirma Carolina Marçal, do Greenpeace.
A situação dos Munduruku confirma o incremento substancial da área minerada pelo garimpo no Brasil, que aumentou 495% dentro de terras indígenas apenas nos últimos 10 anos, de acordo com dados da plataforma MapBiomas. Nas unidades de conservação, o incremento foi de 301% no mesmo período.
Procurada, a Funai (Fundação Nacional do Índio) não respondeu. O Ibama disse que “tem atuado com o Grupo Especial de Fiscalização (GEF) para combater o garimpo ilegal nas terras indígenas Munduruku e Sai Cinza e, em junho deste ano, já foram realizadas duas operações, uma delas em conjunto com a Polícia Federal. Encontra-se em curso uma terceira operação na mesma área, a cargo do GEF. As ações fazem parte do planejamento deste ano, e o Ibama segue atuando para coibir essas e outras práticas que causam danos ao meio ambiente”.
“O problema do garimpo ilegal é muito complexo, não existe uma bala de prata que, sozinha, irá acabar com esse problema. Cada vez mais é necessário o aprofundamento dessa cadeia de fatos que levam a isso”, analisa Rômulo Batista, do Greenpeace.
Para Batista, os indígenas tem sido abandonados à própria sorte e “pela primeira vez temos um presidente que é abertamente contra a questão indígena e contra aos modos de vida e todas as conquistas que os indígenas tiveram desde a da redemocratização”, completa.
Desmatamento e prejuízo socioambiental
Dos 11 mil hectares abertos na Amazônia para mineração entre janeiro e setembro de 2021, 73% incidiram dentro de áreas protegidas, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A cidade de Itaituba, sozinha, exportou 186 quilos de ouro em 2019. Esse número saltou para 1.782 quilos em 2020. Em 2021, entre janeiro e setembro, já foram exportados 1.747 quilos. Boa parte ilegal. O destino são os grandes mercados do mundo. Em 2019, o Canadá, o Reino Unido e a Suíça registraram 71% de todas as importações de ouro do Brasil.
Estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou que mais de um quarto da produção de ouro no Brasil é irregular e 90% da produção aurífera ilegal do Brasil provém de lavras garimpeiras na Amazônia. O ouro ilegal explorado entre 2019 e 2020 no Brasil causou um prejuízo socioambiental de cerca de R$ 31,4 bilhões.
Matéria escrita por Maurício Angelo e originalmente publicada no Observatório da MIneração. O conteúdo foi republicado no Modefica com permissão do autor.