Para lê-los, precisamos nos afastar, ainda que temporariamente, do ruído e da velocidade das redes sociais para então apreciar a lentidão de suas páginas, com reflexões que tratam direta e indiretamente, mas quase sempre de forma mais aprofundada, dos dilemas que vivemos. Algumas obras contemporâneas podem nos ajudar a pensar criticamente sobre questões próprias do nosso próprio, dizendo respeito ao nosso modo de vida atual — historicizando essas questões, mas também tomando cuidado de atualizá-las.
Em janeiro começamos a fazer uma série de recomendações para quem quer buscar leituras de mais fôlego, que possam dar ensejo a transformações mais consistentes e efetivas. Na primeira parte, indicamos livros de Ailton Krenak, Davi Kopenawa e Philippe Descola. Na segunda parte, livros de Maria Esther Maciel, Byung-Chul Han, Deborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro. Esta é a terceira parte de uma lista que ainda pretendemos continuar, incluindo Anna Tsing, Donna Haraway, Gersem Baniwa, Jonathan Safran Foer, Maria Aparecida Vilaça, Yuval Harari e mais.
1) A cosmopolítica dos animais, de Juliana Fausto, editora n-1 + hedra.
“A cosmopolítica dos animais é, ao mesmo tempo, a mais importante contribuição filosófica brasileira aos animal studies e uma obra ímpar de filosofia política. Ao colocar a pólis, em suas diversas configurações históricas, sob a perspectiva dos animais não-humanos, Juliana Fausto abre um novo horizonte cósmico para a imaginação política. Entretecendo com maestria fatos, histórias, experiências, conceitos e ideias hauridas das mais variadas fontes, a autora nos faz experimentar um mundo (por vir?) em que nós humanos teremos finalmente concidadãos de nossas ‘espécies companheiras’”.
Essa é a apresentação que ocupa a contracapa do livro de Juliana Fausto publicado em 2020, fruto de sua pesquisa de doutorado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Entre os agradecimentos, Fausto destaca pesquisadores do Laboratória do Bem-Estar Animal (LABEA) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Junto com o livro de Maria Esther Maciel que já indicamos aqui — Literatura e animalidade —, esse é um trabalho que se propõe a pensar com profundidade na relação que nós, seres humanos, estabelecemos com outros animais, reflexão que se torna cada vez mais urgente.
2) Mulheres, raça e classe, de Angela Davis, editora Boitempo, tradução de Heci regina Candiani.
“A intersecção entre feminismo, antirracismo e luta de classes pelos olhos da filósofa e ativista Angela Davis, na obra que se tornou uma referência da literatura sobre os direitos civis”. Junto com essa apresentação, a contracapa do livro traz dois comentários sobre o livro. O primeiro é de Judith Butler: “Angela Davis reúne em palavras lúcidas nossa história luminosa e o mais promissor futuro de liberdade”. O segundo, de Djamila Ribeiro: “Angela Davis alia de forma brilhante academia e militância, trazendo um potencial revolucionário. Ler sua obra é tarefa essencial para quem pensa num novo modelo de sociedade”.
Davis é filósofa, professora emérita do Departamento de Estudos Feministas da Universidade da Califórnia e ícone da luta pelos direitos civis. Quando muitas pessoas ainda insistem em separar as “causas” em caixinhas apartadas, ela tem incentivado um debate que as considera em suas singularidades e importâncias, mas também reconhece a complexidade que as relaciona, considerando os atravessamentos existentes — o que costuma ser chamado de “interseccionalidade”. Dela, também recomendamos Uma autobiografia, também publicada pela editora Boitempo.
3) Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno, de Bruno Latour, editora Ubu, tradução de Maryalua Meyer.
“Bruno Latour é categórico: ‘Ou mantemos as condições que tornam a vida habitável para todos, ou então não merecemos continuar vivendo’. Se na mitologia grega Gaia era a personificação divina da Terra, aqui o antropólogo propõe tomá-la como um planeta vivo em sua totalidade: animais (humanos inclusive), plantas e minerais, assim com suas ações e reações — uma força ao mesmo tempo mítica, científica, política e religiosa. Ao longo de oito conferências, Latour se lança contra o negacionismo climático e nos convoca a encarar Gaia e a pensar os impasses e saídas para os problemas ecológicos da atualidade”.
Assim diz a contracapa do livro, uma antologia de oito ensaios (conferências) que discutem temas de importância incontestável para a atualidade. No prefácio à edição brasileira, datado de maio de 2020, Latour escreve: “É um tanto aterrorizante publicar o livro Diante de Gaia no Brasil, em meio a uma crise moral, política, sanitária, ecológica e religiosa de tamanha proporção. Parece que este livro chega no meio daquilo que os meteorologistas chamam de ‘tempestade perfeita’, isto é, a sobreposição de todas as crises ao mesmo tempo”.