Seguindo esse fluxo, o Ateliê Vivo, uma biblioteca pública de modelagem, escola e laboratório de práticas têxteis de moda, levou para seu site parte do acervo da sua Biblioteca de Modelagem. O desejo de tornar a biblioteca online é antigo, mas foi com a ajuda de uma campanha independente e do edital Aldir Blanc da Prefeitura de São Paulo, que o grupo conseguiu iniciar o projeto.
Criado em 2015 dentro de um grupo de estudos e pesquisa em proposta estética, o Ateliê Vivo propõe ações pensadas de forma viva e ativa, intervindo na lógica da indústria da moda. Ele busca devolver a autonomia no fazer e saber das técnicas manuais e dos processos têxteis, algo que já se perdeu, há muito, no ritmo frenético da globalização. O sistema da moda atual é responsável por despejar, anualmente, 2,1 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa (GEEs) na atmosfera – e a etapa da confecção é uma das principais contribuintes para esse número.
Invertendo a dinâmica de terceirização dos processos industriais e mecanização da produção, o Ateliê Vivo promove no contato com a peça uma reaproximação do indivíduo com o fazer manual. “É importante criar esse espaço de tempo criativo entre as pessoas, e para cada um”, conta Gabriela Cherubini, uma das quatro artistas e coordenadoras do projeto, “quando paramos para pensar e escolher ‘que roupa eu vou fazer’, ‘que roupa me representa’, começamos com um processo de mergulho na nossa identidade, na nossa questão de gênero, nos nossos desejos e limitações. E isso é um caminho sem volta”.
O ateliê estimula a força criativa individual e incentiva os artistas a dividi-la com a sociedade por meio da Biblioteca de Modelagem. São mais de 400 modelagens doadas por diversos estilistas e marcas brasileiras para que o público possa se aprofundar no conhecimento e técnicas de costura. Entre a lista de estilistas, estão: Karlla Girotto, Alexandre Herchcovitch, Eduardo Inagaki, Fabia Bercsek, Wilson Ranieri, Fit, Alex Kazuo, Tathiana Kurita, Danielle Yukari, Nankini, Giselle Nasser, Chiara Gadaleta, Heloísa Faria, Gule Gule, Fernanda Yamamoto, Ofélia Lotte, Creare e Gabi Cherubin.
A prática da modelagem também conversa diretamente com o decrescimento de produção e valorização da peça produzida, tendo em vista que o artista entra em contato com uma reflexão sobre consumo, práticas manuais, gênero, corpo, tempo e autonomia. Segundo o relatório Fios da Moda: Perspectiva Sistêmica Para Circularidade, o processo tradicional de confecção mecanizado é a etapa que mais perde de tecido, uma média de 25%, enquanto o poliamida e algodão podem chegar a 31% e 50%, respectivamente. Essa perda gera cenários já conhecidos, como as montanhas de lixo têxtil distribuídas pelas ruas de bairros como Brás e Bom Retiro, em São Paulo. Ainda segundo o relatório, 16 caminhões de resíduo têxtil são descartados por dia somente na região do Brás.
A expansão para o online
Antes da pandemia provocar o fechamento dos estabelecimentos, a Biblioteca de Modelagem era aberta todos os sábados ao público, além de oficinas mensais para iniciantes que ensinavam passo a passo da construção de uma peça a partir de um dos moldes disponíveis. Agora, parte desse acervo pode ser encontrado na Biblioteca Online, que tende a trazer novos moldes ao longo dos meses – por hora, são 14 disponíveis. As modelagens podem ser impressas em folha sulfite A4, tamanho real e impressão para Plotter. O arquivo também contém a ficha técnica e o passo a passo de como imprimir e montar o molde.
As modelagens disponíveis podem ser usadas na sua forma original ou serem alteradas e personalizadas, e serem utilizadas para fins pessoais ou comerciais. O Ateliê também instiga os artistas a dividirem suas criações, para ampliar o acervo e ajudar a representar a diversidade de corpos que é deixada de lado pela indústria tradicional. Por hora, os modelos presentes no site apresentam gradação do 36 ao 56. “O que faz sentido para nós em cultivarmos o Ateliê Vivo é a democratização de saberes, compartilhamento de tempo do fazer manual e a experiência de processos criativos”, afirma Gabriela.
Para ajudar na manutenção do espaço e a disponibilidade gratuita dos moldes, o Ateliê promove cursos dos mais diversos, através da pesquisa e do uso de técnicas têxteis como: modelagem, costura, moulage, tingimento, estamparia, bordado, crochê, tricô, renda, entre outros. Atualmente, as oficinas são ministradas em plataformas online e são anunciadas no Instagram. Além disso, os serviços do Laboratório Têxtil seguem funcionando, basta o interessado entrar em contato e pedir algum dos seguintes serviços: aulas, palestras, figurinos, roupas sob medida, roupas a partir de roupas, consertos, desenvolvimento de modelagens e peça piloto, trabalhos artísticos e intervenções têxteis.
Gabriela explica que, ao decorrer dessa trajetória de seis anos, houveram muitas mudanças, sejam pela movimentação na equipe, por debates que foram elaborados e pela escolha de serem mais autônomos para poder gerir o espaço. “Hoje em dia, trabalhamos diariamente para retroalimentar o Ateliê Vivo, criar e buscar os suportes que ele precisa e merece”, reforça.
Além de receber o apoio de editais públicos e parcerias institucionais, o Ateliê também se alimenta de colaboração de pessoas físicas e doações. Os equipamentos do local, em sua maioria, vieram dessas fontes, como as máquinas retas e overlocks (ambas caseiras e industriais), galoneira, balancim, mesas, tesouras, tecidos, fita métrica, entre outros. O Ateliê Vivo está aberto para interessados em conhecer melhor o projeto e colaborar com a expansão e democratização (real) da moda.