Unilever, Uber e Facebook são apenas algumas das recentes chegadas ao clube, e até mesmo grandes empresas de petróleo como BP e Shell dizem que estão a bordo. Se você está revirando os olhos e pensando que esta é apenas a façanha mais recente do departamento de relações públicas, você não está errado – se você leu as letras miúdas, as empresas definiram esses termos para si mesmas de várias maneiras diferentes, e muitas vezes não muito significativas.
Mas você também não está totalmente certo, porque net-zero é mais específico do que “sustentável” ou “ecológico”. É mensurável, pelo menos em teoria. No nível mais básico, net-zero significa que uma empresa (ou estado ou país) atingiu um ponto em que não coloca mais carbono na atmosfera do que retira. Esta é uma métrica crucial para evitar os efeitos mais catastróficos das mudanças climáticas. Em 2018, um relatório inovador do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU descobriu que a melhor chance do mundo de limitar o aquecimento a 1,5ºc em relação aos níveis pré-industriais é cortar as emissões quase pela metade até 2030 e zerar o resto até 2050. Porém, se cada empresa tiver uma ideia diferente sobre o que significa net-zero e como chegar lá, a chance de alcançarmos as metas para 2030 e 2050 podem logo desaparecer.
Novos esforços estão surgindo para tentar examinar essas alegações e torná-las mais fáceis de entender. Na semana passada, a iniciativa Science Based Targets (SBTi), uma colaboração entre várias organizações ambientais internacionais sem fins lucrativos, responsável por assessorar empresas no alinhamento de suas metas de redução de emissões ao Acordo de Paris, anunciou que planejava criar um padrão global para promessas de corporações para zerar suas emissões.
“A realidade é que os objetivos geralmente, e especialmente os anunciados publicamente, não têm o nível de detalhamento necessário para sermos capazes de avaliar se o objetivo é bom o suficiente ou não”, disse Alberto Pineda, diretor de Alvos Baseados na Ciência da CDP (anteriormente Carbon Disclosure Project), uma das organizações sem fins lucrativos que trabalha na iniciativa. O grupo está apenas começando a desenvolver o modelo, mas para Pineda o resultado final provavelmente garantirá as empresas responderem por partes de seus negócios, que muitas vezes são ignoradas e também exigirá que elas estabeleçam metas claras para reduzir as emissões.
Os planos net-zero podem incluir o corte de emissões melhorando a eficiência energética ou mudando para energias renováveis. Para a maioria das empresas também envolve a compra de compensações de carbono ou o investimento na remoção de carbono para “neutralizar” quaisquer emissões remanescentes. Isso pode assumir a forma de sequestro de carbono nas árvores e no solo; realizar projetos que levem a emissões “prevenidas”, como a captura de metano de um aterro; ou usando máquinas para sugar CO2 diretamente do ar 1 Nota da tradução: os debates sobre sugar CO2 do ar e as técnicas de geoengineering têm se mostrado nocivas, com vários efeitos colaterais e, por isso, é um modelo de compensação repleto de incoerências.. Mas, embora net-zero possa soar como um cálculo simples de entradas e saídas, as empresas estão distorcendo a matemática das coisas – é exatamente nesse ponto o trabalho do SBTi.
As emissões que as empresas estão ignorando
Uma lacuna comum com promessas corporativas, disse Pineda, é que elas não contabilizam todas as emissões pelas quais a empresa é responsável. Por exemplo, o Google é net-zero desde 2007, mas esse rótulo se aplica apenas aos escritórios da empresa, data centers e viagens de negócios e viagens de trabalho dos funcionários. Essas atividades representam apenas 27% da contribuição anual do Google para as mudanças climáticas, de acordo com dados divulgados pela empresa ao CDP em 2019.
Uma das principais fontes de emissões ainda não “neutralizadas” pelo Google são aquelas associadas à fabricação e transporte de produtos como o Pixel ou Chromebook. Isso faz parte de uma categoria chamada escopo 3 – emissões que ainda estão muito vinculadas ao modelo de negócios do Google, mas sobre as quais a empresa não tem controle imediato.
As emissões do escopo 3 constituem majoritariamente as pegadas de carbono da maioria das empresas, por isso é essencial que sejam incluídas nas metas de net-zero. Embora o Google não seja o proprietário das operações de mineração, fábricas ou empresas de transporte que produzem uma quantidade significativa destas emissões, ele ainda pode pedir a eles que definam suas próprias metas de redução de gases de efeito estufa, mudem de fornecedores ou usem materiais diferentes. A Apple, por exemplo, está investindo em “alumínio de baixo carbono” para reduzir as emissões de escopo 3 vinculadas a seus dispositivos.
O Google está ciente desse problema. Em um relatório ambiental no ano passado, ele disse: “nossa visão é que todos nossos fornecedores forneçam energia 100% renovável em todas as regiões onde nossos produtos são feitos”. Mas, ao contrário da Apple, que planeja cumprir uma meta semelhante até 2030, o Google ainda não se comprometeu com uma meta concreta.
Reduzir é mais importante do que compensar
Uma falha ainda mais comum das promessas net-zero é que as empresas se concentram em se tornar “neutras em carbono”, sem planejar cortes profundos em suas emissões. Pode ser muito mais fácil e barato para as empresas simplesmente comprar compensações de carbono do que fazer alterações em seus produtos, operações e cadeias de abastecimento. Mas Pineda disse que os modelos para limitar o aquecimento global a 1,5ºc mostram que simplesmente compensar as emissões, sem reduzi-las, é perigoso.
“Existem outras fronteiras planetárias que são importantes além do clima”, disse Pineda. O plantio de árvores e outros métodos terrestres para remover carbono da atmosfera têm limites e, se todas as empresas dependessem deles, isso poderia levar a efeitos colaterais negativos sobre a biodiversidade, deslocamento, insegurança alimentar e água. “Quando você considera todos esses limites, a conclusão é que as empresas precisam reduzir as emissões”, disse ele.
O fato de algumas empresas aparentemente entenderem isso é promissor. Na segunda-feira, o Walmart anunciou que chegará a zero emissões em todas as suas operações até 2040, sem o uso de compensações de carbono. Isso significa que ele abastecerá todas as suas lojas, escritórios e armazéns com energia renovável, irá eletrificar seus veículos e até mesmo fará a transição para o uso de produtos químicos para refrigeração sustentáveis. É uma meta principal, mas, ao mesmo tempo, as operações do Walmart representam apenas cerca de 5 por cento da pegada de carbono total da empresa. Embora a empresa tenha várias iniciativas para reduzir as emissões de sua cadeia de suprimentos, ela não definiu uma meta de emissões net-zero que inclua o escopo 3.
O SBTi não é o primeiro a tentar avaliar as promessas do climáticas das corporações. Uma organização sem fins lucrativos chamada Climate Neutral oferece certificação às empresas que compram compensações para todas as suas emissões operacionais e a maior parte do escopo 3. Apesar da organização não exige o estabelecimento de metas claras para redução de emissões, as empresas têm que fazer uma “ação de redução plano” e repetir o processo de certificação a cada ano.
Austin Whitman, CEO da Climate Neutral, disse que o objetivo era tornar a avaliação de metas corporativas mais acessível para o cidadão comum. A Climate Neutral também criou uma ferramenta própria que as empresas podem usar para estimar suas emissões. Whitman disse que queria tornar mais fácil para pequenas empresas com recursos limitados medir suas emissões, dispensando a necessidade de criar uma equipe de sustentabilidade ou contratar terceiros. Muitas empresas ficam atoladas no processo de contagem de seu carbono e não gastam tempo suficiente fazendo algo a respeito, disse ele.
Em última análise, entre o SBTi e o Climate Neutral, o objetivo não é apenas definir o que é net-zero – é também definir padrões de como alcançá-lo. Uma empresa pode alegar que é net-zero hoje e até mesmo contabilizar as emissões de escopo 3 comprando compensações de carbono, mas isso não vai funcionar para o planeta a longo prazo 2 Nota da tradução: o comércio de créditos de carbono pode, inclusive, ser pior do que não fazer nada. Por outro lado, um objetivo sem plano de como alcançá-lo é igualmente perigoso.
“2030 está ao virar da esquina. E 2050 também ”, disse Steven Clarke, diretor de liderança corporativa em energia limpa da Ceres, uma organização sem fins lucrativos de investimento sustentável, que aplaudiu o esforço do SBTi. “E, ao menos que a maioria dessas grandes empresas siga esses caminhos imediatamente, não estaremos onde devemos estar em 2030 ou 2050, como economia e sociedade”.
Texto escrito por Emily Pontecorvo. Artigo originalmente publicado em Grist e traduzido com autorização para o Modefica. Leia o artigo original aqui.