O rombo econômico da Covid-19 fala mais do que apenas queda do PIB. Ele adentra no sistema educacional, com o fechamento de escolas e precarização de aulas; no sistema de saúde, com a sobrecarga do serviço e escassez de materiais; com o aumento de desemprego, da pobreza e da fome. Pensando na crise climática como a cereja do bolo, a ONG Climate Action Trackers publicou o relatório Um roteiro de governo para lidar com o clima após as crises econômicas do COVID-19.
O documento salienta: “se os governos não adotarem estratégias e políticas de desenvolvimento de baixo carbono – ou reverterem as políticas climáticas existentes – em resposta à crise econômica que se aproxima, as emissões poderão se recuperar e até ultrapassar os níveis previamente projetados até 2030, apesar do menor crescimento econômico no período”. É por isso que, apesar das importantes medidas já planejadas a curto prazo, é necessário que nossos líderes pensem o problema a longo prazo – o colapso climático – que já acontece de forma branda e tende a se intensificar até o final da década.
Esse momento de recuperação econômica é também uma oportunidade para reforçar políticas em torno de sociedades mais verdes. As nações europeias são sinônimos de sustentabilidade no imaginário coletivo – basta pensar no sistema de lixo de Barcelona, na maior disponibilidade de comida sem agroquímicos e na quantidade de ciclovias nas capitais – mas elas estão bem longe de serem “verdes o suficiente” para atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 13 da ONU: a ação contra a mudança global do clima.
Verde claro
Analisemos os dados pré-coronavírus, quando ainda vivíamos em um cenário “normal”. O Relatório de Desenvolvimento Sustentável 2020 classificou o progresso de países no combate a pobreza extrema, incluindo fatores que contribuem para ela, como saúde e igualdade de gênero. Nesta edição, referente à 2019, os países europeus contabilizavam 13 dos 15 primeiros lugares, porém, uma crítica igual para todos os países deste TOP 15 foi: nenhum Estado foi classificado fora da “zona vermelha” do clima, ou seja, nenhum estava em consonância com o ODS 13.
Aprofundando um pouco mais, o TOP 3 foi composto por: Suécia, Dinamarca e Finlândia – países conhecidos pela qualidade de vida, educação e igualdade de gênero. No entanto, enquanto a Suécia ganha pontos positivos pelo uso de energia limpa – fontes renováveis desempenha um papel importante para o suprimento de energia no país – ela permanece com o desafio de diminuir seu lixo eletrônico e suas emissões de dióxido de carbono e dióxido de enxofre, estes últimos vindo da queima de combustíveis fósseis.
A Dinamarca mantém sua alta posição graças às baixas taxas de pobreza, desigualdade e desnutrição. No entanto, além de ter os mesmos problemas com as emissões de gases de efeito estufa que a Suécia, ela também está classificada em 46º no ranking mundial do Índice de Saúde dos Oceanos. Já a Finlândia, teve nota positiva no acesso à saneamento básico, direitos trabalhistas e justiça, mas houve insatisfação quanto ao transporte público e seus gastos com Assistência ao Desenvolvimento no Exterior (ODA).
O Modefica entrou em contato com os criadores do Sustainable Development Report com o questionamento: “por que, apesar dos 15 principais países da lista terem desenvolvido boas políticas em relação ao sistema de saúde, sistema educacional, direitos trabalhistas, entre outros, eles ainda ficam aquém do ODS 13 da ONU (Ação Climática)?”. O time respondeu que “muitos países combinam duas questões no que diz respeito ao ODS13: altas emissões domésticas e altas emissões de CO2 incorporadas ao comércio”, adicionando que “o progresso geralmente é muito lento. Mais esforços devem ser feitos para reduzir as emissões de GEEs, no nível doméstico e nas redes de suprimento insustentáveis (cacau, café, soja, cimento, têxtil, aço etc), que geram emissões e outros efeitos negativos sociais, no clima e biodiversidade em outros países”.
O que foi proposto até agora
Algumas medidas que estão sendo postas em práticas atualmente já foram utilizadas anteriormente, na recuperação da crise econômica de 2008-09. Em 17 de abril, o governo austríaco sentenciou que qualquer auxílio estatal para apoiar a empresa aérea Austrian Airlines deve vir com condições climáticas específicas, como opções para reduzir voos de curta distância, maior cooperação com empresas ferroviárias e maior uso de combustíveis mais ecológicos 1 alguns extratos vegetais são utilizados como energia para biocombustível, como: canola, camelina, soja e pinhão-manso. No Reino Unido, aproximadamente 200 empresas pediram medidas para uma recuperação econômica mais sustentável, como empréstimos corporativos condicionados à meta de zerar as emissões líquidas.
[highlight text=”Esforços devem ser feitos para reduzir as emissões de GEEs, no nível doméstico e nas redes de suprimento insustentáveis, que geram emissões e outros efeitos negativos sociais, no clima e biodiversidade em outros países”]
Apesar disso, segundo o Energy Policy Tracker – levantamento feito por diversas organizações internacionais – os principais países do G20 têm voltado o dinheiro público para investimento em energia provinda de combustíveis fósseis. As medidas das 20 maiores economias chegam a somar US$ 151 bilhões (R$ 781 bilhões) para empresas de energia fóssil, sendo apenas ⅓ desse valor sujeito a requisitos ambientais, como as reduções de carbono e outros poluentes atmosféricos. Enquanto isso, a energia proveniente de fontes renováveis recebeu apenas US$ 89 bilhões (R$ 460 bilhões). Ou seja, ainda há uma distância considerável entre o que é proposto e o que é feito de fato.
O banco de dados Energy Policy Trackers se comprometeu a monitorar os gastos públicos do G20 para o setor energético mundial. Atualmente, estes gastos giram em torno de: combustíveis fósseis (56%), energia limpa (33%), outros (11%). E é importante que estas ações sejam conferidas e cobradas de perto. Todos os dias, alguma movimentação em torno da retomada econômica é feita, como no caso das negociações da União Europeia, fechadas no dia 21/07, em torno da reconstrução da economia pós-coronavírus. O pacote, que é previsto para os próximos sete anos, mobiliza mais de € 1,8 trilhões (R$ 10,9 trilhões) para um projeto geopolítico e econômico verde.
Enquanto o Pacto Ecológico Europeu detalha ações necessárias para a transição do bloco econômico para uma economia limpa até 2050, o plano assinado em 21 de julho destina apenas 30% do valor total para ações climáticas, o que especialistas afirmam ser insuficiente. A reunião de quatro dia em Bruxelas, capital da Bélgica, sentenciou um investimento de quase € 550 bilhões (R$ 3,4 trilhões) nos próximos seis anos – enquanto a estimativa de especialistas recaia em € 2,4 trilhões (R$ 15 trilhões) para financiar a tão esperada “transição verde”.
A chance para políticas mais verdes
As decisões políticas dos próximos meses não só mostrarão a eficiência de cada Estado em lidar com a recessão econômica, mas também irão moldar nossas vidas na próxima década. Essas decisões podem desencadear desastres climáticos, o aumento da fome crônica, ou podem ser o ponto de partida para políticas públicas mais sustentáveis e incentivos econômicos mais verdes, como exemplificamos acima. A agenda de combate às mudanças climáticas deve andar de mãos dadas com todos os setores, pois assim a Natureza transita em nossa vidas – ao nosso lado, não em um imaginário distante.
O Climate Action Tracker estima que, graças a Covid-19, as emissões globais de CO2, provindas da queima de combustíveis fósseis e da indústria, cairão de 4 a 11% em 2020. E, de 1 a 9% em 2021. Ainda que as emissões voltem a crescer à medida que os países voltem a reaquecer suas indústrias, esta é a oportunidade para que líderes políticos decidam quais indústrias merecem o apoio de seus contribuintes. E, esta é a oportunidade para que a sociedade deixe claro aos seus líderes que não apoia medidas insustentáveis.
Se os países do G20 – e aqui salientamos os Europeus – se concentrarem em alinhar seus planos de recuperação com os ODS, e se escutarem seus cidadãos, eles estarão cumprindo com o seu papel de “desenvolvimento verde”. Mas por hora, visto suas ações, esse termo fica assim, um pouco irônico, entre aspas.