Nas últimas eleições aqui no Brasil, a presença feminina na política – para citar alguns exemplos, tivemos a Bancada Ativista, Isa Penna e Sâmia Bomfim –, seguida da vitória de muitas delas, provou o aumento do engajamento da sociedade com relação à necessidade das mulheres ocuparem as cadeiras do Congresso e assembléias. A mulher traz consigo não só uma voz que precisa ser ouvida, mas o poder de fazer a transformação acontecer de verdade, e a representatividade feminina na política tem impactos positivos em diversas áreas.
O estudo Aumento da representação política das mulheres associada à redução da mortalidade infantil no Brasil (Increases in women’s political representation associated with reductions in child mortality in Brazil), publicado esse mês na revista científica Health Affairs, concluiu que a representatividade feminina amplia a implementação de projetos sociais e o acesso à saúde pública. Resultado da união de pesquisadores brasileiros e estrangeiros – Ana Clara Duran (Universidade Estadual de Campinas – Unicamp), Philipp Hessel (Universidade dos Andes – Bogotá), María José González Jaramillo (Banco de Desenvolvimento Interamericano – Washington), Davide Rasella (Universidade Federal da Bahia – UFBA) e Olga L. Sarmiento (Universidade dos Andes – Bogotá) –, a pesquisa lança luz ao impacto positivo de mulheres eleitas para ocupar cargos importantes no país quando se trata do tema mortalidade infantil.
Financiado pelo projeto de pesquisa Saúde Urbana na América Latina (SALURBAL), a ideia do estudo nasceu a partir de conversas entre os estudiosos que participam da rede de pesquisadores de saúde urbana na América Latina, como conta Ana Clara Duran, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (NEPA) da Unicamp, em um bate papo com o Modefica. “Tínhamos a vontade de tentar, entender se a presença de mulheres nos poderes legislativo e executivo teria alguma influência nas condições de saúde da população”, afirma. E o resultado é, sem dúvidas, bastante promissor.
Liderança positiva
Sob o viés da representação da mulher na política, o estudo avaliou a mortalidade de crianças menores de cinco anos no Brasil em 3.167 municípios entre 2000 e 2015, combinando com os dados de mulheres eleitas prefeitas ou representantes na Câmara Federal (com pelo menos 10% das cadeiras ocupados por elas) e Assembleias Legislativas estaduais (pelo menos 20%). “Encontramos que a presença de prefeitas e deputadas estaduais e federais ajudaram a reduzir a taxa no país, mesmo após ajustarmos os modelos estatísticos por variáveis sabidamente associadas à queda da mortalidade infantil: pobreza no município, renda, educação materna e acesso a saneamento básico”, explica Ana, acrescentando que programas sociais como Bolsa Família e Estratégia de Saúde da Família também exerceram efeito nessa redução significativa nos últimos 20 anos.
A metodologia da pesquisa utilizou dados longitudinais de registros de nascidos vivos entre 2000 e 2015 nos municípios, com o critério de exclusão baseado em sistemas de registro com menos de 10% de dados faltantes. O método escolhido possibilitou que variáveis fossem analisadas em grupos diferentes, o que mostrou que, independente do partido das representantes eleitas – direita, centro ou esquerda – a influência delas é extremamente relevante quando comparada aos colegas do sexo masculino. De acordo com a pesquisadora, essa amostragem comprovou que ter mais mulheres nessas esferas políticas levou ao aumento da cobertura dos programas, mas eles não são os únicos responsáveis para explicar tal associação.
Na perspectiva dos pesquisadores, esse estudo (e outros anteriores avaliados por eles) mostram que a sensibilidade das mulheres é outro fator crucial para angariar os investimentos nas áreas sociais, de saúde e educação. “O estilo de liderança das mulheres pode ser outra razão para as diferenças: elas são mais cuidadosas ao assumir riscos e tomar decisões, parecem lidar melhor com incertezas, têm um estilo mais colaborativo de liderança, entre outras características que fazem das mulheres ótimas gestoras”, ressaltou a pesquisadora.
Servir de impulso para uma maior participação plena e eficaz do público feminino na tomada de decisões políticas, econômicas e outras vertentes da vida pública foi, inclusive, uma das motivações desse trabalho construído a dez mãos.
Menos resistência, mais influência
As mulheres estão cada vez mais em busca da igualdade de oportunidades em cargos de liderança, e como já sabemos, a maioria dos países ainda está longe de alcançar a paridade de gêneros, principalmente na política – os pesquisadores citam que a presença delas no parlamento em todo o mundo é de apenas 25%. Ou seja, apesar de colocarem assunto como saúde, assistência social e educação como prioridade, temos uma caminhada árdua pela frente.
O investimento maior nessas áreas ajuda a combater desigualdades estruturais sociais e acesso desigual a recursos e resulta, também, no aumento da expectativa de vida devido às melhorias na saúde pública. Segundo o estudo, isso pode aumentar o conhecimento das mães sobre recursos econômicos para facilitar o acesso aos serviços de saúde materna e nutrição infantil, impactando positivamente a prestação de serviços de puericultura, pré-natal, atendimento especializado pós-parto e vacinação.
Melhorar a participação feminina nas esferas federal e local também pode acarretar em apoio mais amplo a outras políticas urgentes que foram associadas a melhores resultados de saúde infantil, como acesso a assistência à infância, apoio à licença familiar e criação de ambientes propícios/seguros para amamentação.
Quando questionada sobre essa jornada para que mulheres ganhem mais crédito em todos os campos, não só na política, Ana Clara trouxe três aspectos essenciais: “em primeiro lugar, precisamos de maior controle social e melhor implementação das políticas que exigem que 30% das candidaturas sejam femininas, e agora que os partidos destinem 30% dos recursos para as campanhas delas. Segundo, precisamos de iniciativas que apoiem as candidaturas dessas mulheres, provendo suporte técnico, financeiro e logístico a elas. Terceiro, são necessárias ações, programas e políticas nas escolas e junto a coletivos nas comunidades para mostrar às meninas e mulheres que elas podem e têm condições de disputar eleições porque podem fazer, juntas, uma enorme diferença”.
O resultado global do estudo foi surpreendente até para os envolvidos no projeto por revelar uma importância ainda maior do que eles esperavam. A relação entre políticas femininas e saúde infantil provavelmente envolve caminhos múltiplos além dos que foram avaliados. Porém, caminhos diretos e plausíveis incluem melhorias no acesso e na qualidade da educação entre as mulheres, participação feminina na força de trabalho, maior acesso a recursos econômicos e métodos contraceptivos, o que certamente contribui para o declínio da mortalidade infantil.
Ana Clara cita como referência os “ótimos exemplos de manejo da pandemia do COVID-19 na Nova Zelândia, Alemanha e outros países liderados por mulheres, em um momento em que ficou claro que precisamos de investimentos sustentáveis em políticas de saúde e de redução das desigualdades sociais para que consigamos sair desta crise” e de outras que enfrentaremos nesta nova realidade que se apresentou desconhecida, insegura, alarmante. “Acredito que, embora tenhamos tido vários casos de negação à descobertas científicas, a sociedade sairá desta crise com um maior respeito à importância delas e de políticas públicas baseadas em evidências que a ciência nos entrega. Mas, infelizmente, ainda temos um longo caminho a seguir”, conclui.