O Backstage é o podcast do Modefica para falar sobre moda a partir de diversos pontos de vista e para muito além do que vemos nas passarelas, nas revistas, no Instagram e nas manchetes. Sempre com convidadxs especiais contando sua trajetória, e junto com nossa editora Marina Colerato, o Backstage debate indústria, carreira, questões de gênero e raça, temas quentes e futuro da moda. Ouça no Spotify ou iTunes.
Flavia Aranha completou, em 2019, 10 anos à frente da marca que carrega seu nome. Porém, antes de começar a mostrar ao mundo haver outras possibilidades para a moda, ela trabalhou com grandes marcas, viajou para alguns países para conhecer fornecedores e se deparou com uma realidade que, até então, desconhecia. Enquanto na Índia, porém, teve a oportunidade de conhecer uma pequena iniciativa de tingimento natural, que foi como um respiro necessário no meio do caos.
De volta ao Brasil, estava decidida a fazer outra coisa. Em busca de repensar relações de trabalho, entender os elos da produção, as origens dos materiais e, afinal, aonde as coisas “começavam a dar errado”, ela criou a marca de roupas e acessórios. Inspirada na natureza, a estilista foi para o campo, conheceu a agricultura familiar e se apoio esteticamente no tingimento natural para produzir suas peças.
Ela nos convida a refletir sobre os desafios de buscar enquadrar um modelo de negócio mais horizontalizado no atual sistema social e econômico. Vivendo um novo momento de expansão, a estilista explica que as mudanças chegam a ser um exercício mental de entender como manter os valores construídos ao longo dos anos e transformá-los em metodologias para garantir que nada se perca.
Junto com Mariana Xavier, Gerente do Programa de Direitos e Trabalho do Instituto C&A, Flavia discute sobre a importância de formar parcerias com marcas, startups e ONGs para criar uma movimentação em rede e fomentar um ecossistema mais justo. Ao falar de horizontalidade, a estilista também lembra da importância da transparência: “quando você compartilha seus critérios, o que você faz, você consegue trazer todo mundo para o mesmo lugar”. Dessa forma, ela ressalta que transparência é mais do que apresentar dados aos clientes. A ideia de transparência na moda deve ser levada para a relação com todos os fornecedores.
Mariana completa a reflexão trazendo a importância do apoio a diversos atores, que vão desde a produção de algodão orgânico no campo, por meio da agricultura familiar e campesina, até o suporte a inovações voltadas para novos modelos de negócios, blockchain e moda circular. Para fomentar novas relações entre os elos de produção é necessário, primeiro, conhecer seus diversos atores e fortalecê-los.
Em um outro momento, Flávia conversa sobre preço, os desafios em tornar a marca mais acessível enquanto mantém políticas justas para seus funcionários e colaboradores. A estilista refuta a ideia de que sua marca é sustentável: “sustentabilidade só vai existir quando todo mundo da minha rede produtiva puder comprar minha roupa. E eu não consegui fazer isso em dez anos”. Uma das alternativas estudadas é o uso da tecnologia para trazer a base artesanal para escala industrial. Hoje, a marca consegue usar a técnica de tingimento em máquinas, produzindo quinhentas camisetas de uma vez só, reduzindo, assim, o tempo de mão de obra e o preço da peça.
É impossível pensar em melhorias para o setor sem sair da esfera particular e adentrar a pública. Flávia conta que apesar de tentar trazer melhores condições de trabalho para as funcionárias da sua empresa, que são o grupo majoritário, a falta de políticas públicas atrapalha o negócio diretamente. “A desigualdade social é muito estruturada na nossa sociedade. Eu não acho que consigo resolver essa equação. Quantas Flavias Aranhas têm?”, questiona, “acho que a gente tem que pensar em sistemáticas que sejam controláveis pela sociedade, como são as leis”.
A dificuldade de locomoção da casa ao trabalho, principalmente em grandes centros urbanos, o curto período de licença maternidade e a dificuldade em deixar o filho em casa após este período são algumas das problemáticas apontadas pela estilista. Marina adiciona à discussão outro fator: a violência e a desigualdade. A moda é um microrganismo da sociedade. Se vivemos em uma sociedade violenta, ela também se refletirá na moda. Por fim, Flávia puxa para a verdade unânime: enquanto tais questões forem tratadas no âmbito privado, elas continuarão existindo. “São problemas sistêmicos, a gente precisa falar sobre políticas públicas, isso é fundamental”, reforça.
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