Sua obra é reconhecida como fundamental para transmissão de conhecimento sobre uma agricultura de mínimo impacto, que respeita processos naturais e compreende o solo como um organismo vivo e em constante interação com as plantas.
Nascida na Áustria em 1920, Ana Primavesi imigrou para o Rio Grande do Sul em 1948, com o marido, o também agrônomo Artur Primavesi. Sua carreira foi intensa desde o começo da sua chegada no Brasil: lecionou na Universidade Federal de Santa Maria; produziu uma animação sobre a interação do solo com o meio ambiente; escreveu um livro considerado a “Bíblia da agricultura orgânica”, ganhou prêmios; ajudou a fundar a AAO (Associação da Agricultura Orgânica) e teve sua carreira e vida pessoal expressa na biografia Ana Maria Primavesi: Histórias de Vida e Agroecologia, escrita por Virgínia Knabben, geógrafa e professora responsável pela organização da documentação da trajetória de Ana.
Grande parte do entendimento da agrônoma sobre o tema veio da sua formação na Universidade Agrícola de Viena, Áustria. Em sua biografia, na qual Ana colaborou ativamente, ela relata a grande influência que os professores J. Görbing, farmacêutico especializado em botânica e química e o químico F. Sekara tiveram em sua aprendizagem. “(eles) deram para o mundo inteiro formas de saber como (…) recuperar as terras, evitar todas as catástrofes e desesperos, a decadência dos povos e o seu desaparecimento”, relembra.
Talvez Ana esteja sendo por demais humilde e se retirando da cena, mas a verdade é que ela mesma é uma das responsáveis por mostrar ao mundo formas de enxergar outras possibilidades de relação com a terra. Seu livro Manejo Ecológico do Solo: a Agricultura em Regiões Tropicais (Editora Nobel), publicado também em espanhol, escrito ao longo da década de 70 e publicado em 1984, é considerado um marco na agricultura tropical mundial. A publicação segue sendo utilizada por agrônomos e estudantes de agronomia no Brasil e em países latino-americanos. Segundo Virgínia, seu livro é considerado por muitos agrônomos como atemporal: “Já ouvi diversos agrônomos dizerem que daqui há cinquenta anos eles ainda estarão tentando entender o que ela colocou neste livro na década de setenta”, relata ela ao Modefica.
Seus ensinamentos, repassados muitas vezes por meio de falas simples ou histórias contadas, foram alvo de críticas de homens estudados em uma época que a Revolução Verde 1 Disseminação de novas tecnologias agrícolas, como sementes, fertilizantes e agrotóxicos que permitiram o aumento considerável da produção agrícola a partir da década de 60. explodia no campo. Mas Ana falava, primeiramente, aos homens da terra, simples e pobres, sobre como resolver problemas que interferiam no cultivo agrícola. Nas mais de quinhentas páginas de seu livro, a agrônoma ensina como combater resolver questões como preparação de solo, deficiência e doenças de plantas, encrostamento da superfície do solo após-chuva e erosão e germinação deficiente de sementes.
“As críticas [à Ana] choveram, porque imagina que você dar prioridade para isso [o cultivo agroecológico] em detrimento a uma produção [convencional]”, explica Virgínia, “mas ela sempre diz que, organicamente, você produz muitas vezes mais do que usando agroquímicos, porque você produz para sempre. E essa agricultura [de grande escala em monocultivos] não é para sempre, é para exterminar a vida do solo e a gente ficar, realmente, sem comer comida”.
Ao aderir aos seus ensinamentos, os agricultores começavam a entender o que faltava ou excedia nos substratos e qual a melhor forma para suas plantas se desenvolverem saudavelmente. Em 1963, ela e seu marido coordenaram a produção da animação A Vida do Solo, que em 45 minutos explica de forma lúdica a interação de elementos químicos, matéria orgânica e microrganismos neste meio. Apesar dos arquivos terem sido perdidos, Virgínia conseguiu encontrar o material, tratá-lo e disponibilizá-lo na internet.
Acervo Digital
Virgínia trabalhou tanto na produção da biografia da agrônoma quanto no site. Na biografia, que demorou seis anos para ser escrita, a geógrafa traz a infância de Ana, a vida no campo, com a família que praticava agricultura orgânica, seus estudos em Viena e o período que passou presa pelo governo nazista. Foi na época de pesquisa para o livro que Virgínia encontrou diversos materiais técnicos que não cabiam na obra e foi aí que surgiu a página do Facebook. “Eu pensei ‘vou colocar e quem quiser aproveitar…’, e, então, eu recebi muitas mensagens de agrônomos e de estudantes de agroecologia. Eu fiquei sabendo que muitos cursos se baseiam em muitos textos que eu tinha posto na página”, relembra.
Mas, conforme os textos eram publicados na mídia social, ela entendeu que havia uma melhor forma de organizar o material. Foi aí que a geógrafa decidiu montar o site. O acervo – que ainda deve ganhar mais textos e as aulas lecionadas por Ana na Universidade Federal de Santa Maria – foi construído ao longo de dois anos. O compilado de textos e dissertações é fonte de informações sobre agroecologia, agricultura orgânica e sustentável, manejo ecológico de pragas e doenças, nutrição de plantas e do solo, a relação entre nutrientes, plantas, animais e seres humanos e receitas de remédios medicinais.
Além dos artigos científicos, o site também compila as “Cartas da Fazenda”, que eram escritas por Ana à revista Guia Rural, da editora Abril; reportagens que saíram sobre a agrônoma na imprensa; artigos em outras línguas (inglês, espanhol, alemão) e também curiosidades sobre a vida de Ana Primavesi para além de seus estudos sobre o solo. Nessa parte, com conteúdo mais intimista, são apresentadas fotos de sua infância, da família e árvore genealógica, os registros dos experimentos feitos com a fotografia Kirlian 2 Método no qual um objeto é colocado sobre uma placa fotográfica conectada à uma voltagem e uma imagem é impressa na placa. O registro é possível pois a ionização do ar na máquina possibilita a visualização dos gases liberados pelos poros, em consequência do metabolismo, por meio de cores em diferentes tonalidades e brilhos. – que Ana utilizava muito em suas palestras para mostrar deficiência nutricional nas plantas e ensinar que todos os seres precisam de nutrientes balanceados.
“A doutora Ana faz o resgate de nós mesmos em relação à terra. De você pisar na terra, de olhar para terra e encará-la como a origem de tudo, porque da terra depende o ar que a gente respira, depende a água, dependem os alimentos, dependem as plantas”, reflete Virgínia.
Os textos de Ana Primavesi são acessíveis para todos. Não é necessário ser agrônomo, biólogo, ecologista. Suas técnicas são explicadas de forma que qualquer ser humano compreenda a importância da agricultura orgânica. “Ela deu as ferramentas para que continuemos um processo no planeta em que possamos seguir vivendo aqui”, sintetiza. Ao longo da carreira, Ana Primavesi recebeu diversos prêmios e homenagens, como a do Centro Acadêmico de Agronomia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), inaugurado em 2010, que leva seu nome, e o prêmio One World Award, da IFOAM (Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica), em 2012.