Eu lembro sobre rolar os feeds das minhas mídias sociais e ver dezenas de artigos em sites, revistas, blogs e perfis com conteúdos apolíticos, numa tentativa de convencer as pessoas a mudarem seus hábitos do dia a dia, sem nenhuma menção à importância de olhar para como a política institucional afeta esses hábitos insustentáveis. Lembro de ter ficado entendiada e desanimada com tantas dicas que, quando analisadas friamente, são incapazes de fazer cócegas nas cercas de 8 milhões de toneladas de plástico indo parar nos oceanos anualmente.
Eu estou do lado do discurso “seja a mudança que você quer ver no mundo”, mas essa mudança passa, invariavelmente pela politização do eu e, acima de tudo, do nosso ativismo. Enquanto governos subsidiarem o petróleo com repasses de trilhões de dólares anualmente, o plástico continuará sendo barato para usar e descartar em excesso e, consequentemente, praticamente tudo o que é consumido vai estar embalado e ser carregado em plástico. As inovações em materiais serão sempre jogadas pra debaixo do tapete porque nunca conseguirão entrar no mercado e competir com o preço baixo do que já temos ai. Mesmo quando empresas buscam alternativas, elas não encontram no mercado opções que tornem essas escolhas viáveis.
Um outro exemplo: enquanto empresas responsáveis por coletar lixo nas cidades continuarem fazendo pressão nas prefeituras para cooperativas de reciclagem não terem acesso aos bairros para coleta seletiva, as margens de reciclcagem continuarão na casa dos 3% ao ano porque a maioria das pessoas não vai separar o lixo e levá-lo a um ponto de reciclagem – que, muitas vezes, nem perto da residência das pessoas estão. Isso sem falar sobre locais que nem coleta de lixo têm.
Até aqui estamos falando de lixo, mas poderíamos falar sobre transporte: como exigir das pessoas o uso do transporte público se ele é ineficiente, sobrecarregado e demorado? Como propor menos viagens de avião quando o único meio de transporte rápido entre estados é o avião? Na alimentação, como falar sobre orgânicos para todos enquanto o acesso a esses alimentos segue limitado a determinados bairros ou condições, sem uma discussão séria sobre reforma agrária, incentivo a agricultura familiar e com a manutenção dos subsídios ao agronegócio?
Você pode fazer um esforço e usar sua escova de bambu, seus saquinhos de pano para compras a granel ou ainda deixar de comer certos alimentos porque eles só vêm embalados em plástico, comprar orgânico perto – ou longe – de casa e se locomover de metrô. Eu estou com você nessa e também tento fazer minha parte, porém sei que a maior parte da população não vai nem pensar sobre o assunto. No fundo, nós queremos mesmo é facilidade, preço baixo e praticidade. Se a sustentabilidade não oferecer nada disso, ela nunca será a primeira opção para todas as pessoas ou, pelo menos, grande parte delas.
Sustentabilidade precisa ser mais simples do que o excesso, derperdício e destruição
Na semana do Dia Mundial da Terra e logo depois o Dia Mundial do Meio Ambiente, enquanto eu pensava sobre todas essas questões, eu me deparei com o texto da Alden Wilcker, “Este dia da Terra, Pare de Desperdiçar Dinheiro e Tempo com ‘Edução do Consumidor’. Isso não Funciona”. Alden é conhecida por aqui pelo seu texto “Consumo Consciente é uma Mentira” e, outra vez, acredito que ela exemplificou bem o porquê a educação do consumidor precisa vir ancorada à legislação e política.
A autora ilustrou essa abordagem ao olhar para os exemplos bem sucedidos da luta contra o tabagismo e da prática de beber e dirigir, e como esses hábitos foram se tornando ultrapassados à medida que políticas institucionais entraram em vigor – e quando falamos de políticas institucionais, não falamos só sobre proibição, falamos também sobre ações de transporte coletivo até mais tarde ou mais barato, ou aumento do preço dos cigarros junto com uma conversa aberta sobre os danos do cigarro. As pessoas ainda fumam e ainda bebem e dirigem, mas existe todo um consciente coletivo sobre o real problema de ambas as práticas que colaboram para a diminuição delas.
Para Alden, a educação para o consumo só funciona quando fazer a melhor escolha for a saída mais óbvia para o indivíduo. Isso significa:
1. O comportamento ruim for mais caro que o bom.
2. O comportamento ruim for mais difícil que o bom.
3. O comportamento ruim estiver linkado com morte ou ganho de peso.
4. O comportamento ruim for legal, mas regulamentado.
O comportamento bom (ou o comportamento para sustentabilidade) só vai ser fácil, barato e prático se houver todo tipo de incentivo a ele, da mesma forma que incentivos tornam a escolha por petróleo, plástico, carnes, alimentos processados e transporte individual mais atraentes por seus preços e praticidade quando comparados às suas alternativas alternativas atuais.
Então, para pensar em lixo e reciclagem, precisamos, por exemplo, pensar em apoio a cooperativas de reciclagem e ampliação do seu alcance numa ação político, público e privada; remoção dos subsídios ao petróleo para apoiar e financiar fontes renováveis e menos impactantes de energia e materiais; criação de legislações federais que proíbam determinados produtos, como o caso dos canudos de plástico (considerando todas as suas “polêmicas”) e facilitem a implementação de alternativas realmente sustentáveis.
No caso da alimentação, precisamos pensar na regulamentação das carnes embutidas e limitar seu poder de marketing, da mesma forma que os 80% dos pequenos agricultores que colocam alimento integral na mesa das pessoas precisam receber incentivos para trabalhar com agroecologia e orgânicos, além de desonerar impostos para que eles cheguem a uma maior quantidade de pessoas a preços realmente acessíveis. Precisamos de transporte coletivo de qualidade e amplo alcance, que não funcione à base de petróleo e não esteja centralizado na mão de poucos.
Elevando o nível da conversa
O debate também precisa acontecer não só de forma transdisciplinar, mas imprescindivelmente com atores de diversas realidades sociais e culturais. O entedimento dos problemas e suas soluções só acontecerão de forma eficazaz se entendermos que esses assuntos precisam ser discutidos por pessoas diversas, levando em consideração região, cor e classe social – a assertividade está na diversidade.
Não é raro ver espaços de discussão sobre problemas ambientais sendo ocupados quase em sua totalidade por pessoas com visões de mundo muito parecidas. Enquanto essa pauta for dominada pela percepção de homens brancos de determinada classe social, as soluções estarão intrinsecamente vinculadas ao que eles enxergam e entendem como problema e solução, não considerando a realidade das outras pessoas da sociedade.
Então, não. O Dia Mundial da Terra e o Dia Mundial do Meio Ambiente, ou qualquer outro dia de proteção ambiental, não é sobre economizar sacolas plásticas. É sobre entender como precisamos desvincular bem estar econômico e social da destruição ambiental e falar abertamente sobre caminhos eficazes de se fazer isso.
Por mais que o ambientalismo mainstream goste de dizer que as mudanças estão vinculadas a mudanças de hábitos e escolhas pessoais, a verdade é que soluções capazes de gerar transformação para tratar o problema, e não apenas seus sintomas, estão muito mais vinculadas a ações de efeito cascata, ou seja, de cima pra baixo, do que ao contrário. É claro que essas soluções muitas vezes são adotadas como respostas a demandas sociais (de baixo pra cima), mas é importante diferenciar demandas sociais de demandas de consumo, e enxergar quando elas se soprepõe e quando elas são distintas. Meio ambiente é uma pauta política, social e de consumo que precisa ser abordada em sua totalidade.
É hora de politizar o discurso e entender como a política institucional dá as cartas e se aproximar dela; incentivar e apoiar, inclusive financeiramente, organizações, pessoas e projetos que atuam para expandir o ativismo, fazem advocacy e estão alinhadas com a necessidade de transformação sistêmica, além de falar abertamento sobre isso; e continuar aprimorando a atuação e discurso para ajudar na construção de caminhos mais efetivos para transformação.