O ambientalismo mainstream é aquele que ouvimos com mais frequência nos principais meios de comunicação, no discurso dos políticos e de uma grande parte das organizações sem fins lucrativos e organizações não governamentais. Porém, este tipo de ambientalismo muitas vezes não toma as decisões que precisam ser tomadas para combater as mudanças climáticas a partir de uma perspectiva de justiça social e da maneira como nosso planeta realmente precisa. Podemos perceber isso nas diferentes narrativas usadas pelo grande movimento ambientalista na maior parte do tempo.
Além de contar histórias e compartilhar experiências de forma a unir e construir um discurso, as narrativas são usadas para definir problemas, estabelecer metas, alcançar decisões e priorizar o trabalho. Governos, organizações e corporações que, em geral, se identificam com o ambientalismo mainstream tentam justificar suas ações (ou não-ações) em relação ao nosso meio ambiente ao usar essas narrativas para contar a história das mudanças climáticas.
O problema dessas narrativas é que elas quase sempre incluem apenas as necessidades, perspectivas e experiências daqueles menos afetados pelas mudanças climáticas. Esta maneira mainstream de abordar as mudanças climáticas atrasa as ações que precisam ser tomadas por parte dos nossos governos e indústrias para endereçar o problema de maneira eficaz – e evitar novos danos causados por ações anteriores e atuais de colonizadores, exploradores, capitalistas, consumidores e desenvolvedores.
As ações que precisamos tomar devem priorizar a segurança dos mais afetados, destacando suas experiências e não apenas sua sobrevivência, mas também manter a estabilidade e o crescimento cultural. Quando essas perspectivas são silenciadas ou negligenciadas da forma como estão sendo no movimento ambientalista dominante, acontece nada mais do que a perpetuação dos atuais sistemas opressivos nos quais vivemos coletivamente – como o capitalismo, o racismo e o colonialismo.
O grande movimento ambientalista muitas vezes coloca o conforto daqueles com mais recursos, maior influência política e a pele mais clara sobre as necessidades das comunidades mais afetadas, na maioria das vezes de baixa renda e não-brancas, em diferentes áreas do mundo. É assim que o ambientalismo mainstream quase sempre toma medidas com o objetivo final de sustentar os sistemas em vez de alterá-los, independentemente de quão prejudiciais e exploradores eles sejam.
O problema dessas narrativas é que elas quase sempre incluem apenas as necessidades, perspectivas e experiências daqueles menos afetados pelas mudanças climáticas.
Essas ações para “deixar o mundo verde” são muitas vezes tomadas com a intenção de ajustar apenas o que é visto como necessário para continuar a habitar esse mundo com a mesma mentalidade colonial e com fome de lucro mantida durante séculos.
Continuar a abordar as questões e preocupações ambientais da forma como estamos fazendo significa deixar de lado milhões de pessoas lutando uma batalha interligada com a nossa. Desconsiderar as necessidades dessas comunidades e populações cria as bases para um movimento ambientalista (e um feminismo) que é apenas para os mais privilegiados. Não nos vejo alcançando os objetivos de um movimento ambientalista (e feminista) libertador sem incluir essas vozes desaparecidas, porque não acredito que possamos alcançar a libertação até que esta atinja todos.
A seguir, uma lista de cinco narrativas ambientalistas que ajudam a perpetuar os sistemas opressivos.
1. Salve os ursos polares, salve os lucros.
O movimento ambientalista mainstream muitas vezes prioriza a manutenção de um sistema econômico sustentado no trabalho exploratório de pessoas nas comunidades marginalizadas. Também freqüentemente prioriza a proteção de “animais bonitos” que atraem uma grande audiência, negligenciando as lutas de comunidades e de populações inteiras lutando contra os efeitos das mudanças climáticas para sobreviver. Desta forma, vemos muito discurso ambientalista com o objetivo de salvar os lucros e salvar os ursos polares, mas que faz pouco para defender as pessoas mais afetadas.
Nós ouvimos isso em um tempo futuro, quando nossos suprimentos de petróleo e água acabarão de secar, nossas economias irão quebrar terrivelmente, sem recursos dos quais somos totalmente dependentes. Além disso, essa narrativa muitas vezes argumenta que precisamos salvar comunidades pobres mais prejudicadas por esses efeitos ambientais não porque elas sejam inerentemente valiosas enquanto pessoas, mas porque seu trabalho é necessário para nosso sistema econômico.
Somos informados de que nossa única chance de alcançar qualquer “estabilidade” econômica futura não é mudar a forma como valorizamos o trabalho e as vidas daqueles em nossas sociedades, mas sim mudar nossas fontes de energia – quando o que realmente precisamos é de ambos. Os motivos por trás de “escolher verde” não podem ser fundamentados na ânsia por lucro se quisermos construir comunidades e economias futuras que sejam realmente sustentáveis e benéficas para muitos, e não para poucos.
O ambientalismo global desvaloriza a vida das comunidades através desta perspectiva “econômica”, e também pela maneira como discute nossa necessidade de proteger os animais. Historicamente, foi mais fácil encontrar financiamento para o trabalho de poupar os animais considerados bonitos do que é financiar o trabalho em comunidades das quais nos sentimos distantes.
Não me interprete mal. Eu sou totalmente a favor de apoiar e proteger a vida animal e seus habitats, mas não quando essas ações resultam em milhões de dólares em doações e concessões cedidas a organizações que lutam para salvar alguns ursos polares e negligenciam a prevenção de populações inteiras que estão deslocadas por conta de desastres naturais causados pelas mudanças climáticas.
2. O futuro é sombrio; o presente é bom.
A narrativa do ambientalismo mainstream define as mudanças climáticas como um problema futuro, em vez de uma questão que já está afetando nosso mundo. Claro, as mudanças climáticas serão um problema no futuro e só piorarão com o tempo se continuarem sendo negligenciadas, mas essa perspectiva ignora centenas de populações já experimentando efeitos destrutivos das mudanças climáticas.
Quando assumimos essa mentalidade, perpetuamos o colonialismo, que só viu as populações colonizadoras (e os problemas que as afetam) como valentes, importantes e dignas de sua atenção. Ela permite que pessoas privilegiadas (sejam na forma de países, bairros, comunidades ou famílias) apenas assumam a responsabilidade pelo que afeta suas próprias comunidades, dando-lhes permissão de ignorar todas as outras.
Um exemplo sólido disso é quando ouvimos que a acessibilidade da água só será um problema nos próximos anos. Isso, novamente, conta uma história a partir da perspectiva dos ricos e privilegiados, silenciando os outros. Embora a acessibilidade da água ainda não tenha se tornado um problema para alguns, tem sido um problema para muitos. Ignorar essas experiências leva a situações como as 23.300 casas em Detroit que tiveram sua água desligada no ano passado ou toda a população de Flint, Michigan, que teve sua água envenenada1 Estados do norte e nordeste do Brasil sempre enfrentaram falta de água. Esse ano, a Defesa Civil reconheceu estado de emergência em 223 cidades brasileiras. .
Enquanto isso, empresas como a Nestlé têm oportunidades de terem propostas aprovadas pelo Departamento de Igualdade Ambiental do Michigan para aumentar a quantidade de água fresca roubada dos nossos Grandes Lagos.
Quando cada um de nós está focando apenas no que nos afeta diretamente e nossas comunidades, é difícil construir um movimento coerente. Todos nós somos afetados por diferentes problemas, e todos temos privilégios e vulnerabilidades diferentes. Se nosso objetivo é construir uma base social forte o suficiente para criar a mudança que queremos criar, precisamos ouvir as necessidades de muitos e de poucos. Precisamos reconhecer as diferentes camadas nas quais essas necessidades e prioridades existem com base em identidades e acesso a recursos.
3. Nós não temos o dinheiro para tudo o que é necessário.
Este argumento é freqüentemente usado por membros do governo dos EUA e diz que não há dinheiro suficiente no orçamento para financiar ainda mais proteção e prevenção contra desastres relacionados ao clima. Ponto. Mas eu realmente tenho dificuldade em acreditar nisso, especialmente quando os Estados Unidos gastam 28 vezes a quantidade de dinheiro com seus militares do que com medidas de segurança ambientais.
Para o nosso governo, um desastre é apenas digno de ser abordado e o alívio fornecido se for considerado um problema militar, em vez de um problema “criado pela natureza”. Como lembrete, esses fundos e recursos militares são os mesmos sendo compartilhados com departamentos policiais. Isso inclui o Departamento de Polícia de Dakota do Norte, que escolheu se alinhar com os adeptos do Dakota Access Pipeline (DAPL), ameaçando, intimidando, silenciando e cometendo atos de violência contra os protetores da água do Standing Rock Sioux Tribe que estavam resistindo à implementação do DAPL em sua terra natal.
Os motivos por trás de “escolher verde” não podem ser fundamentados na ânsia por lucro se quisermos construir comunidades e economias futuras que sejam realmente sustentáveis e benéficas para muitos, e não para poucos.
Quando esse argumento é usado, não quer dizer que não temos dinheiro. Quer dizer que não temos dinheiro para defender certas pessoas, mas temos dinheiro para prejudicá-las. É dizer que não temos dinheiro para evitar desastres relacionados ao clima através de movimentos proativos, mas temos o dinheiro para evitar desastres políticos e militares relacionados com o medo. É dizer que não temos tempo para a justiça, temos tempo para intimidação.
4. O desenvolvimento verde é um bom desenvolvimento.
Muitas vezes, ouvimos e lemos histórias sobre novos projetos “verdes” implementados em bairros, especialmente quando esses bairros são aqueles que anteriormente foram negligenciados por instituições criadas para apoiá-los – e são de baixa renda ou em grande parte povoados por pessoas não-brancas.
Somos informados de que a cidade e os governos estaduais trabalham nesses projetos com desenvolvedores e investidores para trazer infra-estrutura verde para os bairros e “mudar as coisas”. Mas o que não é dito aqui é que muitos dos residentes de longa data dessas áreas sendo “recém-desenvolvidas” nem sequer foram questionados sobre o que pensam dessas novas mudanças.
As necessidades dessas comunidades não são levadas em consideração em grande parte porque esses “planos de desenvolvimento” geralmente não são para criar áreas verdes para esses residentes – eles são para novos residentes que eles esperam trazer. E eles só podem fazer isso empurrando residentes de longa data para fora da área por meio de aumento dos impostos, compra de pequenas empresas e construção de novas infra-estruturas.
Esta nova infra-estrutura é freqüentemente chamada de “verde” e “ambientalmente amigável” sem responder a pergunta: ambientalmente amigável para quem? Quando a implementação da infra-estrutura verde desempenha um papel na gentrificação, não é para o benefício daqueles que precisam de maior apoio. Em vez disso, empurra pessoas para fora de suas casas e, muitas vezes, as leva para outras comunidades com mais riscos ambientais.
5. Nós todos precisamos fazer nossa parte.
Esta narrativa sustenta que todos são igualmente responsáveis pelos atos destrutivos comprometendo nosso planeta e que todos precisam fazer a mesma quantidade de trabalho para nos tirar desta bagunça. Não leva em conta quem é mais afetado, quem perdeu mais, quem contribuiu e continua a contribuir com as maiores taxas de poluição, ou quem já está lutando devido a outras formas de opressão.
Não há atenção dada a quem deve ser responsabilizado, quem tem o máximo a dar, e quem merece maior apoio com base na necessidade e na história da opressão. Essa mentalidade liberal ignora as desigualdades que os séculos de opressão criaram e coloca a necessidade de esforço na mão de todos, quando alguns se beneficiaram da poluição deste planeta, enquanto muitos sofreram desproporcionalmente por causa dela.
Esses argumentos não se alinham com como as coisas seriam se todos fizessem o que realmente deveriam fazer, incluindo os fatores mencionados anteriormente. Na maioria das vezes, o peso do trabalho, e mesmo o financiamento para esse trabalho, sai dos bolsos e das mãos daqueles afetados de maneira mais negativa.
Desta forma, esta narrativa torna-se mais uma maneira das instituições explorarem o trabalho não remunerado dos mais desfavorecidos, aumentando os impostos e penalidades em relação a infra-estruturas ambientalmente amigáveis. Além de ser um discurso explorador e opressivo, muitas vezes é ineficaz, já que ele se inclina na ideia de que se cada pessoa, de maneira individual, fizesse sua parte e desligasse as luzes, utilizasse menos água, reciclasse e se educasse sobre questões climáticas, não estaríamos lidando com as mudanças climáticas.
Embora seja partidária de pequenos atos individuais, usá-los para construir essa narrativa desvia a atenção dos monstros das indústrias de energia e mineração que precisam ser responsabilizados pelos nossos governos se realmente quisermos atingiar qualquer mudança necessária.
Então, o que podemos fazer em vez disso?
Ao contrário da crença popular, há mais de um movimento ambiental lutando contra as mudanças climáticas. Um desses outros movimentos é o movimento de justiça ambiental. A justiça ambiental difere do ambientalismo dominante pela forma como ela interage com as comunidades locais e como prioriza as necessidades de mudança. Como a justiça ambiental é construída a partir de um núcleo de justiça social, ela se alinha facilmente com outros movimentos e valores de justiça social.
Embora o trabalho de justiça ambiental seja significativamente mais importante e necessário a partir de uma perspectiva de justiça social, como a maioria dos outros trabalhos importantes que acontecem hoje, é amplamente subavaliado, negligenciado pelos financiadores e freqüentemente ignorado por muitos meios de comunicação.
Apesar de tudo isso, o trabalho de justiça ambiental pode ser encontrado no mundo todo. Nos Estados Unidos, o movimento de justiça ambiental é incorporado pelos protetores de água da Sioux Nation que exigem o cancelamento da implementação do Dakota Access Pipeline (DAPL), por ativistas do ar limpo em Detroit, Michigan, trabalhando para desligar um incinerador que envenena o ar para uma grande porcentagem dos moradores de Detroit diariamente; e os alunos que não estão de acordo com suas universidades insistindo para o desinvestimento de empresas que minam combustíveis fósseis.
Em outras partes do mundo, ativistas da Índia enfrentam as empresas que destroem seus solos e terra para atingir o carvão abaixo delas, enquanto os organizadores em Honduras continuam a lutar por justiça ambiental, apesar do recente assassinato da ativista ambiental Berta Cáceres, que resistiu a um enorme projeto hidrelétrico no espaço sagrado para a população indígena Lenca2 No Brasil, somos líderes em assassinatos de ambientalistas e povos indígenas lutando contra fazendeiros e o Estado para proteção da Amazônia, suas reservas e nossas florestas .
Não estou argumentando que algumas das medidas tomadas pelos ambientalistas não devem ser levadas em consideração. O que defendo é uma séria priorização de valores e esforços na maioria dos trabalhos ambientais bem financiados, altamente visíveis e apoiados institucionalmente.
A justiça ambiental difere do ambientalismo dominante pela forma como ela interage com as comunidades locais e como prioriza as necessidades de mudança.
Quando comunidades não-brancas ao redor do mundo estão sendo lavadas e destruídas por furacões e inundações, enquanto outras sofrem de exaustão por calor ou falta de recursos, e outras ainda estão vendo suas terras sendo roubadas em nome do desenvolvimento, não podemos dizer que nós estamos lidando com as mudanças climáticas.
Não podemos dizer que estamos lidando com as alterações climáticas por aumentar a percentagem de reciclagem a cada mês, investir em parquímetros que funcionam à base de energia solar ou tomar medidas com base nas narrativas aqui discutidas. A justiça ambiental tem maior potencial para realizar o que o ambientalismo não pode, que são casas seguras e limpas, empregos, famílias e recursos para todos, respeitando as necessidades históricas e culturais das comunidades.
Texto escrito por Aiko Fukuchi e publicado originalmente no Everyday Feminism. Traduzido com autorização para o Modefica. Aiko Fukuchi é organizadora queer, escritora e feminista interseccional. Depois de completar sua graduação em Antropologia na Universidade de Michigan, se mudou para Detroit para se organizar em torno de questões, incluindo liberação queer/trans, advocacy de agressão sexual e justiça ambiental. Aiko também gosta de ler livros de seus autores favoritos (B. Yoshimoto, W. Shire e U. LeGuin, para citar alguns) e passar tempo com seu gato (Franklin).