Quando conhecemos a Mattricaria, nossa vontade de bater um papo com Maibe Maroccolo, a criadora do projeto, foi instantânea. Mais uma mulher fazendo diferente e que, com certeza, tem muito para compartilhar. Por sorte, conseguimos agendar um café antes dela voltar à sua terra natal e sede do projeto, Brasília. Foi lá, inclusive, que ela se formou em moda e trabalhou um tempo no setor. Em 2007, já incomodada e questionando os processos de produção de vestuário e o impacto ambiental da indústria, Maibe fez as malas e foi à Londres estudar Desenvolvimento Sustentável na London College Of Fashion.
“Foi ai que eu comecei a estudar e pesquisar sobre tingimento natural. O que não é uma pesquisa nova, eu não criei nada novo. Eu só fui atrás de como esses processos eram feitos”, conta ela. De volta ao Brasil, o principal foco da designer foi mapear as plantas tintórias do cerrado brasileiro junto a cooperativas de artesãos têxteis no Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais que utilizam receitas tradicionais de pigmentos e tintas naturais. Desse processo, misturando os conhecimentos que adquiriu na sua experiência fora do Brasil e os novos saberes em terras tupiniquins, nasceu a Mattricaria.
A proposta inicial era ser uma marca de roupas tingidas e estampadas naturalmente e produzidas dentro dos conceitos do slow fashion. “Mas eu comecei a sentir a necessidade de contar como chegávamos nas cores, como os produtos eram feitos”, explicou ela sobre o processo de evolução do projeto. “Ai nós começamos com um circuito de oficinas. E tem sido muito legal porque é o consumidor sendo protagonista do processo criativo e se reconectando com a natureza, com as cores e fazendo dessa experiência um processo prazeroso”.
Foi a partir disso que nos últimos três anos a Mattricaria se desenvolveu em várias frentes. Ainda há a linha de peças para o público infantil, masculino e feminino; os cursos – que estão a todo vapor – inclusive online à distância; o serviço de tingimento natural para marcas; e os projetos de pesquisa e serviços.
Apesar das várias frentes, a empresa é pequena e Maibe pretende continuar assim: “A ideia é que a empresa permaneça pequena. Esse processo é muito personalizado, autoral e em pequena escala”. Até porque o grande foco da Mattricaria é conhecer e usar da matéria-prima local e para escalonar há necessidade de importação. “Eu prefiro trabalhar com o que tem na minha cidade e são possibilidades infinitas.” São vários testes até chegar nos resultados finais para entender o potencial de cada planta, respeitando a região e o tempo.
A Mattricaria não cultiva as plantas, então são necessárias parcerias que possibilitem o acesso à matéria-prima, como parcerias com mercados que fornecem cascas de cebolas e produtores que fornecem cascas de romã. Mas Maibe também sai e coloca a mão na massa para colher essa matéria-prima: “Em Brasília tem muita árvore de eucalipto e a casca da árvore de eucalipto naturalmente vai caindo, então a gente sai com um saco e vai pegando essa matéria-prima que acabaria indo para o lixo”, explicou.
A importância de conhecer o novo
Mas o tempo, o processo, a colheita e as parcerias não são, para Maibe, o maior desafio de trabalhar com tingimento e estampa natural. “O preço é um problema. A valorização do processo em si. As pessoas não têm essa noção do trabalho que é, do cuidado que temos em todas as etapas. Tem um tempo para eu poder colher aquela planta, o processo de extração da cor e do tingimento. Apesar do Brasil ser muito rico em trabalho artesanal e manual, ainda são trabalhos muito desvalorizados”.
Ela relata, inclusive, que são muitas marcas que procuram o tingimento natural e a estamparia botânica, mas ainda pensam com a mentalidade dominante do mercado de moda, querendo um serviço não só barato como rápido. Então, a cabeça de quem produz, e até mesmo de quem produz em pequena escala, precisa estar aberta a entender as especificidades desse processo. “Eu sinto que mesmo as pessoas que têm interesse, ainda querem as coisas muito rápido. Eu não tenho pós e pastas de tingimento prontos, eu preciso ver o que tem naquela época disponível para suprir a demanda”, explicou.
Outro ponto é que existem algumas desinformações sobre o tingimento natural como falta de fixação, pigmentação, etc que precisam ser faladas e corrigidas. “Existe todo um trabalho de preparação da fibra para receber o pigmento, o que garante qualidade e durabilidade. Não é só colocar o tecido e o corante na panela”, explicou ela. A designer também não gosta de comparar tingimento natural com corantes sintéticos, pois são dois universos diferentes. “É normal, por exemplo, que a cor desbote um pouco. Faz parte desse processo orgânico e natural”, conta.
Para ela, não dá para comparar sintético com natural principalmente porque são processos e matérias-primas muito diferentes. “O sintético é rico em metais pesados e a indústria da moda é uma das maiores responsáveis pela poluição das águas do planeta por meio, também, do descarte de resíduos de processos de tingimento não devidamente tratados. Já o corante natural tem história e tradição, nos reconecta com a natureza, valorizando a biodiversidade e minimizando o impacto no meio ambiente”, explica Maibe. “É por isso que corantes sintéticos e naturais são incomparáveis”.
Mas suprir essa demanda de hiperconsumismo não dá
A questão de simplesmente substituir corantes sintéticos sempre surge quando o tema é tingimento natural, mas Maibe não dá voltas e é direta: não dá. Não temos matéria-prima o suficiente e precisaríamos de incentivo do governo para plantação desses plantas tintórias. “Se com a produção que a gente tem, começasse todo mundo querer tingir com eucalipto não ia ter matéria-prima. Mas se tivéssemos um incentivo para plantações de plantas tintórias em determinadas regiões, ai a gente conseguiria”, explicou ela.
Porém, o problema é que com a demanda atual de hiperconsumismo, produzir plantas tintórias em grandes plantações para suprir a demanda de produção hoje pode significar terras deixando de produzir comida para produzir essas plantas, como foi o caso do algodão na Índia, e até mesmo mais devastação de florestas para abrir campos de plantação – o que vai na contra-mão de qualquer conceito de sustentabilidade. Então quando falamos de tingimento natural é importante entender que a resposta não está simplesmente em trocar uma coisa pela outra. O próprio processo do tingimento natural e da estamparia botânica não combina com hiperconsumismo e exige um repensar total da produção e do consumo.
Conhecimento aberto e outros projetos
Uma das outras formas que Maibe tenta escapar da cultura de moda tradicional, que sempre gostou de guardar segredos, e até mesmo criar alternativas à venda de produtos, é compartilhando o conhecimento não só por meio dos cursos para consumidores curiosos, mas até mesmo para designers e estilistas que queiram entender o processo, e o porquê ele não é rápido e tem um custo elevado. “Eu gosto desse movimento. Eu convido e chamo para participar comigo do processo, para entender. Não é um pózinho que eu jogo na panela, misturo e tá pronto”, conta Maibe. “Ser um serviço que eu presto e, ao mesmo tempo ensinar como fazer ele, foi maravilhoso para mim”.
Até porque, o tingimento natural e a estamparia botânica são únicos, cada pessoa que aprende o processo vai aplicá-lo de um jeito. É desse entendimento que surge o projeto da Mattricaria chamado “Qual a Cor da sua Cidade?”, para mapear as plantas tintórias de cada região do Brasil. A partir dai, cada cidade tem um resultado completamente diferente. Por enquanto, Maibe mapeou Brasília, mas ela pensa alto e quer rodar o Brasil.
Outro projeto é destinado a quem quer eternizar momentos, um serviço ainda mais afetivo chamado Memoriando. Ele começou quando Maibe usou o buquê e as flores do seu casamento para estampar a camisa do marido e um lenço para ela. “Eu queria eternizar um momento muito importante para mim. O projeto Memoriando tem isso, atendemos a noiva que guardou o buquê, ou a mãe que tem as flores do batizado do filho e quer fazer uma roupa, ou criar um momento entre mãe e filha, cada uma fazendo um vestido para a outra”, detalha ela. “Essa é a beleza do tingimento natural e uma das coisas que me atrai mais nesse trabalho”.
Maibe não pensa muito no futuro, onde a Mattricaria estará daqui 5 anos ela não sabe. No momento o foco são os serviços, projetos e produtos que a empresa já tem, e também o desenvolvimento dos pigmentos e dos corantes para quem quer fazer o tingimento natural em casa ou no próprio ateliê. Novidade das boas essa!
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