Entretanto, algumas matérias-primas são menos nocivas quando comparadas a outras nas questões que envolvem esses impactos sobre sustentabilidade. A viscose, fibra artificial proveniente da polpa de árvores nativas, está longe de ser uma das menos piores, mesmo sendo uma fibra de fonte renovável. Em quatro momentos de análise – extração, ciclo de produção, durabilidade e possibilidade de reciclagem – essa fibra celulósica é bastante problemática.
Essas questões, porém, não impediram a viscose de se transformar em uma fibra abundante, perdendo apenas para o poliéster e algodão respectivamente, barata e usada sem parcimônia até mesmo por marcas que carregam consigo discursos como “sustentabilidade”, “slow fashion” e “atemporal”. Se você olhar para a etiqueta de composição que vem pregada na lateral de sua peça de roupa, há grandes chances de estar escrito viscose nela1A viscose é a terceira fibra mais usada hoje, englobando cerca de 4,75% da produção total de fibras têxteis. Informação retirada do livro “Moda Ética Para Um Futuro Sustentável”, de Elena Salcedo (pág 58) e que também pode ser encontrada nessa matéria do The Guardian. .
Por ser tão abundante, e tão problemática, mas ainda assim passar imune às críticas, tiramos um tempo para trazer alguns dados sobre a viscose que vão fazer você pensar em alternativas um pouco melhores antes de usá-la em suas criações ou colocá-la em seu armário.
1. A Viscose é Oriunda de Florestas Primárias e Significa Desmatamento
Como Elena Salcedo explica em “Moda Ética Para Um Futuro Sustentável“, a fibra de viscose é produzida por meio da extração da celulose encontrada principalmente na madeira de árvores de rápido crescimento, pobres em resíduos e facilmente transformadas em polpa. O problema é que, diferente da fibra de bambu e do liocel, igualmente fibras artificiais, cerca de 30% da viscose (também conhecida como rayon) 2 Viscose e rayon são fibras artificiais provenientes do mesmo processo de produção. produzida para virar roupa é proveniente de árvores de florestas nativas e ameaçadas de extinção, incluindo a Amazônia. “As florestas tropicais antigas e ameaçadas de extinção estão sendo invadidas, desmatadas e transformadas em camisetas, vestidos e forros de terno”, disse ao The Guardian Nicole Rycroft, fundadora e diretora da Canopy, organização que luta pela defesa das florestas.
Rycroft alertou também para o fato da Indonésia ser um dos países mais desmatadores de florestas nativas para produção de viscose, assim como Brasil e Canadá. Em 2010, esses três países juntos foram responsáveis por cerca de 2/3 de toda a importação de polpa de viscose da China. Desse montante, 75% foram transformados em tecidos para indústria da moda. “Quando percebemos que a demanda por polpa de celulose dissolvida está projetada para dobrar nos próximos 20 anos e está aumentando a uma taxa de 9% anualmente, isso se torna muito importante e urgente”, diz ela.
Desmatamento não só está ligado com perda de biodiversidade, impactos e poluição ambiental relativos ao processo de desmatamento em si, como também a violações de direitos humanos relativos aos trabalhadores e as comunidades nativas moradoras dessas florestas. Então, mesmo que a viscose seja proveniente de fontes renováveis, o que supostamente a colocaria em vantagem em relação a matérias-primas de fontes não renováveis como o poliéster, a extração e o consumo da matéria-prima acontecem em passos muito mais rápidos do que a capacidade de renovação dessas florestas, em condições anti-naturais e desumanas.
Apesar desses problemas aparentemente estarem distantes de nós, moradores das cidades, as negativas desse processo de devastação das florestas nativas e tropicais retornam para nós em forma de águas poluídas e, portanto, maior escassez no acesso a águas potáveis, mudanças climáticas com lugares secos ficando mais secos e lugares úmidos mais úmidos, resultando em, ou ainda menos água, ou inundações, alagamentos e chuvas intermináveis, além de maior poluição do ar.
2. O Processo de Produção é Extensivo No Uso de Água, Energia e Químicos
A viscose é uma fibra artificial assim como o cupro e a fibra de bambu. Diferente de fibras naturais como algodão, linho e o cânhamo, o processo de produção das fibras artificiais passam por uma transformação química. Ou seja, há todo um processo químico para a polpa da madeira extraída das árvores ser transformada em fibra de celulose e depois em fios de viscose.
Isso significa que a fabricação da fibra de viscose implica o uso de vários produtos químicos que podem acabar sendo despejados no meio-ambiente sem tratamento prévio. Além disso, quando posta lado a lado com outras fibras, a produção de viscose consome mais energia que a produção de PET e mais água que a produção de fibras sintéticas como PET, náilon e acrílico. Outra questão é o desperdício. Como aponta a Canoply, 70% do material é descartado no processo de produção. Ou seja, menos da metade pode ser realmente transformado em fibra.
3. A Maior Parte dos Tecidos de Viscose São de Baixa Qualidade e Tem Vida Curta
Conforme a moda foi ficando mais rápida, barata e descartável, a viscose foi se encaixando perfeitamente nesse ritmo de produção e consumo. A maior parte dos tecidos de viscose encontrados no mercado hoje são tecidos de baixa qualidade, tão finos que chegam a ser transparentes e que saltam aos olhos quando estão nas araras por seu brilho e caimento, mas em três ou quatro lavagens, mesmo que cuidadosas, já perdem o viço, começam a soltar pequenos fiapos e ficar com aparência de “roupa velha” em tempo recorde. 3 Há diversas maneiras de construir tecidos com viscose, a chamada “viscolycra”, mistura de viscose com elastano é uma delas. Mas aqui estamos pensando especificamente no tecido plano 100% viscose, muito usado hoje para fazer blusas, vestidos, forros de roupas e calças.
Quando comparado a outras fibras, como o algodão, a viscose é menos resistente. Apesar de ser recomendado lavagem a seco, as roupas de viscose são normalmente lavadas na máquina, o que pode resultar em um encolhimento de até 10% da peça. 4 Outros materiais como a seda e o algodão também encolhem durante os processos de lavagem no pós-consumo. É por isso que algumas marcas, especialmente marcas de luxo, fazem o processo de encolhimento antes da produção da peça, garantindo assim maior qualidade e durabilidade do produto.
Por outro lado, a viscose tem boa respirabilidade, caimento e é uma matéria-prima bastante confortável, além de ser fácil de trabalhar com, inclusive na estamparia, o que a torna atraente tanto para consumidores quanto para estilistas. Essa equação de baixa qualidade com boa aceitação de mercado faz com que consumamos cada vez mais viscose, descartando as peças em uma velocidade enorme, resultado em florestas desmatadas e aterros sanitários cheios de roupas.
É importante lembrar que a viscose não é só altamente usada por grandes varejistas como Zara, H&M e C&A. Ela é também matéria-prima de marcas de luxo e de novas e pequenas marcas que surgem com força total no Instagram e Facebook, vendendo dígitos bastantes consideráveis, além de ser igualmente usada por marcas “mais sustentáveis”. Ou seja, a viscose é unânime e está por todos os lados.
4. Não É Uma Fibra Passível De Reciclagem
A viscose é biodegradável e mesmo nas condições anaeróbias dos aterros sanitários se biodegrada relativamente rápido. Porém, por ser tão extensiva no uso de água, energia e por ser oriunda de florestas nativas, o cenário ideal para a viscose seria a reciclagem. Entretanto, apenas 0.1% dos tecidos hoje são reciclados e essas tecnologias estão focadas em pensar a reciclagem para o algodão e o poliéster.
As florestas tropicais antigas e ameaçadas de extinção estão sendo invadidas, desmatadas e transformadas em camisetas, vestidos e forros de terno.
Então parece um tanto quanto insano destruir florestas nativas e sua biodiversidade, usar um montante enorme de químicos, água e energia para produzir peças de baixa qualidade e durabilidade, que não são possíveis de serem recicladas e acabarão em aterros sanitários.
O Que Pode Ser Feito Por Parte Das Marcas e Dos Consumidores?
Zara, Patagonia, H&M e Stella McCartney são algumas das grandes marcas que estão tentando rastrear a origem da viscose, garantindo que ela não venha de florestas nativas, e procurando alternativas melhores para diminuir o uso da viscose em suas coleções como um todo.
Para novas e pequenas marcas, principalmente aquelas que estão preocupadas em oferecer produtos atemporais, e que precisam ter mais qualidade e durabilidade para isso, há outras alternativas no mercado como o Tencel®, o tricoline 100% algodão e até mesmo tecidos de viscose de maior gramatura e qualidade, como o crepe de viscose, e a viscose da Lenzing. Ademais, para os pequenos, fica ainda mais difícil rastrear a origem da viscose e se ela vem ou não de florestas desmatadas.
Mas apenas trocar (ou não comprar) determinada matéria-prima não garante a sustentabilidade de um produto.
A sustentabilidade está em todo o processo – e também na urgência de produzirmos menos e consumirmos menos. Por isso, tanto do lado dos consumidores como do lado dos produtores de moda, precisamos pensar em soluções menos baratas e que sejam atemporais para além da estética e que empreguem a “sustentabilidade” para além do discurso e em esforços reais. Como bem dito por Fletcher e Grose, “melhorar de fato a qualidade ambiental e social exige visão mais abrangente e complexa da responsabilidade” e nós definitivamente não estamos fazendo isso ao usar viscose da maneira impensada como estamos usando hoje.