Ambas contam com desfiles integrando a programação: O Salonshow apresenta as marcas presentes no Greenshowroom, com cerca de 50 expositores internacionais. Já o Ethical Fashion on Stage busca mostrar a moda casual e streetwear exposta no Ethical Fashion Show.
Com desfiles muito parecidos, tanto um quanto o outro ainda deixam a desejar quando o assunto é moda e apelo estético, impossibilitando qualquer comparativo com os desfiles das semanas internacionais de moda convencionais, com suas megaproduções, looks tombadores e peças-desejo. É claro que tanto a verba disponível em caixa quanto a proposta são completamente diferentes.
Até mesmo o clima do lugar já era outro: nada de carão, nem de pessoas superproduzidas ou grandes nomes da moda na primeira fila. O foco era o produto e, por algumas vezes, ouvi pessoas ao meu redor comentando empolgadas se questionando sobre o material de determinada peça. Mas a opinião que fica é que há espaço para a criatividade aflorar mais em se tratando de design.
Nos quesitos inovação, qualidade de matéria-prima e responsabilidade social os expositores dos salões são um caso à parte, passando muito à frente das marcas que só se preocupam com design e números de venda. Mas, mais uma vez aqui, o apelo estético das marcas do salão não empolgaram muito, porém temos que levar em conta que por ser um mercado novo e ainda muito restrito, inclusive em se tratando de capital disponível, as marcas estão em fase de pesquisas, testando novos materiais, outros designs e entendendo melhor o que esse novo consumidor procura.
A visão do expositor.
Conversando com a brasileira Flávia Aranha, da marca homônima e figurinha carimbada desde a primeira edição da feira e um dos orgulhos nacionais do momento, ela contou que, em 2009, a convite de uma representante alemã que se interessou em vender seus produtos na Europa, ela participou pela primeira vez da extinta thekey.to. “Essa feira se transformou em outro projeto e no ano de 2011 estávamos participando pela primeira vez da Greenshowroom, no hotel Adlon. Iniciativa das sócias que também tinham marcas de moda slow fashion, a feira era mesmo como um showroom, bem pequena, com foco em marcas de produtos bastante sofisticados e cuidadosos.” diz a estilista.
Hoje a feira cresceu e ampliou a atuação. Tem um grupo de marcas mais diversos que atendem públicos e lojas diferentes. “O evento é atualmente a principal plataforma comercial para juntar marcas que pensam parecido. É uma ótima oportunidade para trocar contatos e experiências e entender como esse movimento está acontecendo globalmente e também é fundamental para ampliarmos o mercado externo e crescer nosso negócio.” afirma Flavia.
“Acho super importante fomentar eventos desse tipo, muito embora eu acredite que o design é tão importante quanto o processo, e espero que no futuro não seja mais necessário separar o convencional do sustentável. Acredito que todas as empresas precisem incorporar esse tipo de prática nos seus meios de produção. Mesmo não sendo um propósito, é a única direção que aponta para a sobrevivência.
Mas como nossa sociedade ainda tem um longo caminho a percorrer nesse sentido, é importante que o mercado dê importância a esse tipo de direção em eventos como esse. Então por enquanto acredito que é fundamental apoiar e participar dessa feira, criando uma comunidade de valores comuns dentro do mercado. Assim, podemos fortalecer a ideia e espalhar o propósito, mostrando que é sim viável produzir com ética e consciência.
Tanto é legal que nessa última edição surgiu sinergia com uma marca francesa e outra portuguesa que também trabalham com tingimento natural. Nossa idéia é criar um evento independente de tingimento natural itinerante”, finaliza ela. Ainda é só um projeto, mas ela prometeu contar tudinho assim que tiver mais novidades. Aguardamos ansiosamente!
O que precisa para expor no evento?
Expor no evento não é tarefa tão fácil assim. MesseFrankfurt, empresa alemã que comprou o Greenshowroom e se fundiu com a Ethical Fashion Show, além de organizar a feira vem reforçando cada vez mais os critérios para os participantes.
Eles precisam ser ativos nos campos social e ecológico devendo assim produzir e fabricar reduzindo seus impactos ambientais, usar apenas recursos renováveis em toda cadeia de abastecimento, prevenir desperdício causado em todos os passos de produção, evitar substâncias tóxicas, seguir o conceito de reduzir, reutilizar, reciclar/compostar e apoiar as investigações e inovações para produtos mais sustentáveis.
Os produtos devem ser feitos em condições que respeitem os direitos humanos e apoiem o desenvolvimento contínuo e sustentável, e devem estar de acordo com as convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho), respeito pela propriedade intelectual de seus trabalhadores, suporte de artesanato e habilidades tradicionais, apoio aos mercados locais, cooperativas e modelos de negócios inovadores também são itens a serem cumpridos.
Sobre a transparência, é exigida uma comunicação clara de estratégia de sustentabilidade e participação ativa na troca de conhecimento e desenvolvimento conjunto e gradual através de diálogos multisetoriais, conhecer todos os fornecedores envolvidos na fabricação dos produtos e disponibilidade para revela-los de forma confidencial caso precisem verificar as alegações de sustentabilidade e ainda apoiar cooperativas que criam benefícios sociais e ambientais. Regras que permitem a confiança total no produto apresentado.
Consciente coletivo e o ‘tema’ da temporada.
Se nas edições passadas do evento, profissionais da área bateram muito na tecla do upcycling, do biodegradável e veganismo já afirmando que o vegano era o novo preto, nessa temporada um dos pontos fortes foi a questão do durável, o tão falado “para sempre”. Comprar menos, ter menos e para durar mais. Bastante na contra mão do que propõe o modelo atual da indústria da moda.
Isso explica a quantidade de marcas com produtos em couro que eu vi por lá. Todas usavam couro sem metais pesados, ou o chamado couro ecofriendly, nome dado à prática de curtimento do material com taninos vegetais ao invés de metais pesados e corantes sintéticos.
Quando o assunto é durabilidade e qualidade sempre entramos na questão do couro versus material sintético, mas com o avanço da tecnologia e maior demanda por novas alternativas aos produtos de origem animal, já é bem possível encontrar ótimos produtos com essa nova proposta. Sapatos feitos a partir de fibras de abacaxi, como os da marca portuguesa Nae, foram os queridinhos da feira, assim como os feitos de cortiça da também lusa Nahja.
Para as roupas, cânhamo, linho e algodão orgânicos ainda são os materiais mais usados, tal como o poliéster reciclado e o Tyvek, um não-tecido sintético e impermeável. Temas como gestão responsável da cadeia de abastecimento, melhores práticas em transparência, as consequências de livre comércio global e o real custo do algodão também foram pauta nesta edição, além da apresentação do “Relatório Anual Sobre Responsabilidade Corporativa Global”, apresentado por Lisa Häuser, analista sênior da Oekom Research AG, empresa Alemã ativa no campo de investimento sustentável desde 1993 e uma das principais fornecedores mundiais de informação sobre o desempenho social e ambiental das empresas, setores e países.
Agora vamos às marcas que se destacaram na feira e suas novidades.
Ecoalf
“Nosso objetivo é criar a primeira geração de produtos reciclados com a mesma qualidade, design e as características técnicas como os melhores produtos não-reciclados para mostrar que não há necessidade de utilizar os recursos naturais do nosso mundo de uma forma descuidada”, afirma a Ecoalf.
A empresa espanhola tem 11 alianças ativas em todo o mundo (Taiwan, Coreia do Sul, Portugal, México, Japão, Espanha, etc.) que permitem desenvolver continuamente, por meio da integração de tecnologia inovadora, todos os elementos necessários para a fabricação de produtos de moda e acessórios com materiais reciclados.
People Tree
A marca inglesa produz roupas e acessórios feitos por artesãos ao redor do mundo e é reconhecida como exemplo do real comércio justo (Fair Trade), produção ética e sustentável, além de usar materiais naturais, como algodão orgânico.
A People Tree “é reconhecida pelos clientes e pela indústria da moda como pioneira no Comércio Justo e produção ambientalmente sustentável. Por mais de vinte anos, a People Tree fez uma parceria com artesãos e agricultores do Comércio Justo no mundo em desenvolvimento para produzir coleções de moda éticas e ecológicas. O Comércio Justo é sobre a criação de uma nova maneira de fazer negócios; criação de acesso a mercados e oportunidades para as pessoas que vivem no mundo em desenvolvimento”.
Nae
A Nae é uma marca de calçados portuguesa, com uma filosofia vegan: não exploração animal e preocupada com a sustentabilidade ambiental. Eles trabalham com materiais alternativos ao couro, tal como a cortiça ou outras microfibras ecológicas.
“Queremos ser uma alternativa para quem procura calçado português de design e que apresenta uma responsabilidade acrescida perante o meio ambiente”, disse uma das representantes da marca.
LangBrett
Marca esportiva alemã que conta com uma gama de produtos que abranjo do vestuário à decoração. O grande lançamento da marca na feira foram os óculos de sol feitos com acetato biodegradável.
Mud Jeans
Foi depois de 30 anos de experiência na indústria têxtil que Bert van Son começou a repensar o papel da moda e seu papel no mundo, e como ambos poderiam ser diferentes.
A empresa holandesa ganhou vários prêmios, como o Prêmio de Liderança de Sustentabilidade e o PETA Vegan Awards. A MUD Jeans, ao contrário de muitas marcas, usa jeans de pós-consumo, ou seja, eles desfibrilam peças de jeans, misturam com algodão orgânico e produzem novas peças. Dá pra checar todo o processo aqui.
Najha
A portuguesa Najha utiliza a cortiça e o algodão orgânico certificado pela GOTS (Global Organic Textile Standard), entidade responsável pelas licenças na área dos orgânicos a nível Mundial. Para quem não sabe muito bem sobre a produção da cortiça, dá uma chegada nessa matéria aqui, onde contamos um pouco sobre essa matéria prima.
Flavia Aranha
Os produtos são tingidos naturalmente com corantes de origem renovável. e além disso, o ateliê de tingimento funciona também como laboratório e espaço para compartilhar o conhecimento adquirido por meio de oficinas e workshops.
Cus
As peças são todas produzidas em Barcelona e tem como matérias-primas o algodão e lã orgânica, materiais reciclados de pré-consumo, e matérias-primas inovadoras provenientes da borra de café e garrafas plásticas.
“Acreditamos que os nossos clientes se preocupam com a proveniência dos produtos que compram, e por saber sobre todo o seu processo de produção, criam uma conexão importante com o produto. Há uma maneira de produzir roupas, onde o design e a produção local de alta qualidade andam lado a lado com valores sustentáveis fortes.
Aikyou
Marca alemã de underwear me contou que é muito difícil se fazer lingerie com materiais mais sustentáveis por conta da elasticidade que elas precisam ter. Suas peças são feitas de algodão orgânico e os acabamentos com alguns outros tecidos que contém elastanos, por exemplo.
A marca também conta com opções que vão para o mar e piscina, versatilizando a lingerie. Outro apelo da Aikyou são os sutiãs pensando para quem tem bem pouco ou nenhum volume no peito.
Talvez a melhor coisa ao visitar a Ethical Fashion Show e a Greenshowroom, além de poder conhecer Berlim como um todo, é sair de lá bastante feliz com as possibilidades. Tanto dentro como fora da feira há marcas com propostas incríveis que são capazes de nos fazer acreditar ainda mais nas possibilidades de fazer escolhas mais éticas sem abrir mão do gosto pessoal. Não à toa, Berlim é conhecida por ser uma das cidades mais sustentáveis do mundo.
Pesquisando sobre a cidade, descobri um site que oferece um tour por lojas que vendem peças produzidas de maneira ética e/ou com materiais sustentáveis. Ele está disponível em inglês, alemão ou espanhol, e precisa de um pré-agendamento, pois são feitos em grupos com no mínimo cinco pessoas. O percurso, claro, é feito de bicicleta. Durante a visita às lojas é possível conversar com seus donos e saber um pouco mais sobre as etapas de produção, valores e histórias das marcas. O valor do programa é 25 euros para as pessoas que não possuem bicicleta e 20 euros para quem já tem. Não consegui agendar uma visita a tempo e acabei fazendo a minha própria, mas com certeza vale muito à pena para quem tiver tempo e se programar.