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Com Mercado Superabastecido, Costureiras Migrantes Ganham 20 Centavos Por Máscara

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  • Juliana Aguilera
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Victória Lobo

8 min. tempo de leitura

A comunidade de imigrantes bolivianos é, segundo a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, a mais numerosa em São Paulo, contabilizando mais de 75 mil pessoas na cidade. Há um destaque especial para as mulheres, que desde os anos 90 têm migrado em maior número. Com a grande maioria inserida na área da costura, em um sistema de trabalho informal e fragmentado, que remunera de acordo com o número de peças produzidas, elas dependem da movimentação constante de pedidos para garantir o sustento da família.

Neste cenário de pandemia, nos perguntamos como ficam as oficinas de costura com a paralisação do comércio, e consequentemente da indústria, e as mulheres migrantes que nelas trabalham? Conseguir o auxílio emergencial do governo é uma dificuldade para muitas delas já que regularizar documentos e obter o CPF é necessário para acessar os R$ 600 ou R$ 1.200. Fazer máscaras tem sido a saída, mas a baixa remuneração em um cenário superabastecido está longe de garantir o necessário para viver. Enquanto muito tem sido falado sobre grandes marcas fazendos doações e os impactos do Coronavírus no varejo, pouca luz tem sido lançada sobre a rede produtiva e sobre as milhares de confecções espalhadas por todo país.

Antes da Covid-19 provocar o fechamento das oficinas de costura, Rosa*, liderança comunitária em Guaianases, na Zona Leste de São Paulo, se reunia com um grupo de vinte mulheres bolivianas uma vez por mês, em rodas de conversa, para compartilhar histórias, seus problemas e fortalecer laços culturais. “As rodas nos proporcionam conhecimento dos nossos direitos como imigrantes. Em caso de maus tratos e violência, [saber] onde podemos ir”, relata Rosa, “também praticamos esportes, como futebol, mas isso antes da pandemia do coronavírus”. Como liderança na região, ela ainda mantém contato com as mulheres do grupo, que dividem tanto as atuais dificuldades quanto formas de se organizarem para conseguir trabalho.

Com as oficinas fechadas e a experiência da costura e máquinas em mãos, elas buscam oportunidades para produzir máscaras. Assim como aconteceu com várias outras confecções, as lojas que compram da oficina de Rosa não retiraram a produção finalizada. “O último que tuvimos fazendo no conseguimos cobrar porque eles también no estan pegando o servicio, então eles não têm como pagar e nós exigir también no, né?”, me conta em uma mistura de português e espanhol, pelo telefone. A pouca oferta na confecção das máscaras é o que tem posto comida na mesa. Outro tipo de serviço, como a produção de roupas hospitalares – saída escolhida por algumas confecções – não tem aparecido.

Máscaras a 20 centavos

Além de ter que driblar a falta de elásticos e de tecidos lisos – opção preferida dos homens – no mercado, as costureiras migrantes também têm que enfrentar o baixo preço oferecido pelo produto. Rosa vende as máscaras a R$ 3, mas chegou a vendê-las a R$ 2 para a Prefeitura de São Paulo. Deste valor, elas ficam com apenas 20 centavos. “Lamentablemente é assim, por 20 centavos tenemos que fazer isso, para não morrer de fome. Mas só para sobrevivência”, afirma, “intentamos procurar personas que nos ajudem, para costurar, para poder ganhar um pouquinho mais, mas lamentablemente não conseguimos”.

Estipular um valor considerado justo depende da estrutura e custos fixos de cada confecção. Conversamos com algumas organizações responsáveis por trabalhar com oficinas e ajudá-las a precificar de forma justa seu trabalho para entender o preço médio cobrado por máscara e o valor médio que deve ficar com as costureiras. No geral, cada máscara é vendida a cerca de R$ 5, sendo entre 0,80 a 1,50 o lucro líquido para as costureiras. Um lucro líquido de 20 centavos exigiria a produção de 5.225 máscaras para alcançar o valor do salário mínimo (R$ 1045) no fim do mês. Uma quantidade considerada desumana por parte dos especialistas entrevistados.

Além do baixo preço, há outros riscos. Rosa relata sobre um trabalho encomendado há três semanas, que resultou na produção de algumas máscaras, mas que o responsável não veio buscá-las, argumentando baixa demanda. “Eles falam ‘no tem venda’, não tem como recolher e hacer el pagamento para nós. Agora a pouco ligaram para mi, porque yo consegui el servicio para elas [as costureiras], então, eu sou responsable também disso”, relata. A costureira conta que nem sempre recebe resposta do cliente e quando recebe, reforça da fala de não haver vendas e que passarão no local em alguns dias. “Ya ficamos sem trabalho”, afirma.

A Prefeitura de São Paulo não tem feito ações específicas para auxiliar a comunidade migrante em geral. Boa parte do auxílio para as bolivianas vem de ações de ONGs na cidade (listamos algumas iniciativas no final da matéria). Enquanto busca por pedidos de outras empresas junto ao seu grupo de costureiras, Rosa também se inscreveu em um posto de saúde próximo à sua casa, para costurar voluntariamente itens de necessidade. Segundo ela, o posto sempre ajudou a comunidade boliviana no passado. “Nós podemos ayudar, pelo menos, contribuir com las máscaras. A gente pode fazer cem, duzentas peças”, expressa.

“A verdade é que no sé mais o que fazer”

Quando conseguem pedidos, eles são divididos entre as vinte mulheres. O volume, no entanto, não é suficiente para suprir a necessidade de todas as famílias e dificulta a compra de alimentos e produtos básicos. Rosa tem quatro filhos. Com o marido, são seis bocas para alimentar na casa. Ela conta que “graças a Deus tem mi filho que ainda está fazendo estágio e está me ajudando para comprar comida, mas no es muito”. Apesar de ter a documentação regularizada, a costureira ainda não conseguiu o auxílio emergencial, algo que também acontece com outras mulheres da comunidade. O aluguel também é outro problema: Rosa paga R$ 750 por mês e já acumula dois meses. Apesar do locatário afirmar que pode esperar pelo pagamento, não haverá desconto no valor.

A situação afeta as mulheres psicologicamente. “Tengo filhos pequenos. Dia a dia acaba as coisas também em casa, porque no están en la escula”, relata. Como liderança da região, Rosa recebe o relato e pedidos de ajuda de outras mães, que também possuem três, quatro filhos. “Estamos sempre conversando, falando o que está acontecendo, tudo eso, né? Son relatos lamentables que escuto, que não tinha comida por guardar, están comendo só una vez ao dia”, explica, “mas não posso fazer nada”.

Repetindo algumas vezes que “está lamentable”, ela diz precisam de trabalho para sobreviver à pandemia, pois o pouco que vem mal dá para a comida. “Eu gostaría que a prefeitura ou alguién nos ayude. Que nos dê trabalho. Yo pienso así, que nós também podemos ajudar de alguna manera, fazer as máscaras. Só que precisamos de trabalho”, reforça. Enquanto isso, Rosa segue orando e pedindo a Deus para que tudo passe, para poderem ter trabalho.

A resposta da Prefeitura de São Paulo

Entramos em contato com a Prefeitura de São Paulo para entender sobre o valor pago e se existem programas que atendem diretamente a comunidade. A resposta que recebemos segue na íntegra:

“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) têm trabalhado em ações de caráter preventivo e de promoção no acesso da população de imigrante aos serviços e políticas públicas, incluindo as relacionados diretamente ao contingenciamento da epidemia da COVID-19.
 
Dentre as  iniciativas destacam-se: a manutenção dos serviços do Centro de Referência e Atendimento a Imigrantes (CRAI), a disponibilização de informação oficial ( esclarecida e em idiomas), à atuação do Conselho Municipal de Imigrantes, a facilitação de acesso ao Auxílio Emergencial e a inclusão no  Programa Cidade Solidária.
 
O programa  “Ação Cidade Solidária”,  conta com oito pontos de arrecadação de cestas de alimentos, higiene ou limpeza, para a população mais vulnerável. Na semana passada tal iniciativa respondeu pela distribuição de 2.500 cestas básicas para organizações da sociedade civil que trabalham diretamente com o público imigrante.
 
A população imigrante continua recebendo orientações e informações sobre os serviços públicos de saúde, assistência social e  educação através do CRAI, que está realizando a orientação e o agendamento pelor  telefones: (11) 2361-3780 e (11) 2361-5069, ou pelo  WhatsApp (11) 98555 0981 e (11) 98555 0218,  das 10h às 16h, de segunda a sexta-feira.
 
Mais informações sobre as orientações sobre o COVID-19 e a população imigrante, podem ser acessadas: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/noticias/?p=295378“.

Como apoiar as costureiras bolivianas em São Paulo

Reforçamos, primeiramente, que se você é empresário e busca mão-de-obra para a produção de máscaras, entre em contato com o Cemir – Centro da Mulher Imigrante e Refugiada via Facebook ou pelo telefone (11) 2291-2059. O Cemir também está com uma campanha de doações, que ajuda a entidade a fornecer cesta básica, produtos de higiene, informações para prevenção da Covid-19 e a enfrentar a violência doméstica agravada no contexto da pandemia. Doações podem ser feitas no:
Banco Itaú
Agência 0440 / Conta Corrente 20414-7
CNPJ – 29.745.640/0001-02
CEMIR – Centro da Mulher Imigrante e Refugiada

Campanha de doações Bolívia Solidária – Grupo de voluntários imigrantes, com apoio de instituições e a Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, está recebendo doações para a compra de alimentos para a comunidade. Famílias atendidas são selecionadas pela assistência social do CAMI – Centro de Apoio e Pastoral do Migrante. Doações podem ser feitas no:
Banco do Brasil
Agência 0383-2 / Conta Corrente: 46077-x
CNPJ: 19122009/0001-01
CAMI – Centro de Apoio e Pastoral do Migrante

Campanha Soy Latino, Soy Solidario – ONG Presença da América Latina (PAL) está recebendo doações para compra de cestas básicas para a comunidade latino-americana.
Doações podem ser feitas no:
Banco Itaú
Agência 8667 / Conta Corrente 03888-2
CNPJ: 07.080.188/0001-74
Presença da América Latina – PAL

*O nome foi alterado para preservar a identidade da entrevistada.

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